Briga doméstica

Acordo pode manter aposentadoria de advogados de SP

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28 de fevereiro de 2009, 3h16

Uma disputa dentro da própria classe impediu que os advogados paulistas finalmente tivessem uma solução para o fim da Carteira de Previdência, que ameaça tirar a aposentadoria de quase 40 mil inscritos. Um acordo já alinhavado entre o Executivo e o Legislativo do estado com a seccional paulista da OAB, o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) foi retardado por um parecer indigesto feito pelo Ministério da Previdência, a pedido da Associação de Defesa dos Direitos Previdenciários dos Advogados (ADDPA), entidade que briga por fora pela continuidade do benefício da forma como é hoje. A opinião do governo federal foi de que a carteira está baseada em legislação antiga e precisa se adequar às novas regras da Previdência Complementar, caso contrário deveria ser extinta. O entrave paralisou a negociação e OAB, Aasp e Iasp agora aguardam um acerto entre a Previdência e o governo do estado.

No próximo dia 7 de março, uma audiência pública na Assembléia Legislativa irá discutir a proposta negociada com o governo estadual. De acordo com o presidente da ADDPA, Maúrício Canto, deverão estar presentes o procurador-geral do Estado, Marcos Fábio de Oliveira Nusdeo, um representante do Poder Executivo em nome do governador, e deputados da frente parlamentar que discute a questão no Legislativo. A OAB, a Aasp e o Iasp não irão participar, mas os presidentes dessas entidades já foram recebidos pelos deputados Campos Machado (PTB), Roque Barbiere (PTB), Fernando Capez (PSDB), Celino Cardoso (PSDB), Samuel Moreira (PSDB), Rodolfo Costa e Silva (PSDB) e Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), para discutirem apoio à proposta das entidades.

Com a perda de 85% de suas fontes de custeio em 2003, depois do fim do repasse de 17,5% das taxas judiciárias, a carteira está em contagem regressiva para incinerar um caixa de R$ 1 bilhão e se tornar deficitária. Segundo um estudo atuarial entregue pela Fundação Universa, de Brasília, no início do mês, a arrecadação de R$ 4,5 milhões não aguentará a despesa de R$ 6,2 milhões com benefícios pagos e, em 2019, passará a ter um défict de R$ 223,5 mil — clique aqui para ver o estudo. Além disso, a autarquia que administra a carteira — o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp) — será extinta em junho, substituída pela São Paulo Previdência (SPPrev), recém-criada pela Lei 1.010/07. No entanto, a norma não deu à nova instituição as incumbências do Ipesp, ou seja, não passou a Carteria de Previdência para a SPPrev, o que significa o fim da aposentadoria dos advogados que contribuíram ao Ipesp até então.

A briga que divide as entidades tem de um lado os que defendem uma saída política para o problema e do outro os que exigem que o governo estadual assuma a conta. A OAB, a Aasp e o Iasp já fecharam um acordo com o governo estadual e a Assembléia Legislativa para a elaboração e aprovação de um projeto de lei que garantiria o pagamento dos benefícios por pelo menos 80 anos — período considerado pelo estudo atuarial como suficiente para que o último segurado vivo receba o benefício. Depois disso, a carteira seria extinta. Desde janeiro do ano passado, o Ipesp impede que novas inscrições sejam feitas.

Para o presidente da ADDPA, Maurício Canto, porém, o acordo feito com o governo é “indecoroso e indecente”. Ele afirma que a proposta é de que o salário-contribuição pago pelos advogados aumente 400% e que a idade mínima para aposentadoria passe de 65 anos para homens e 60 no caso das mulheres para 70 anos em ambos os casos, exceto em aposentadorias por tempo de contribuição, que continuariam em 35 anos. Ainda segundo ele, a proposta também desvincula os benefícios do salário mínimo, o que, na sua opinião, é ilegal. “As mudanças violam os contratos de adesão firmados pelos segurados, o que vai contra o princípio da boa-fé objetiva”, explica.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso, nega a afirmação do aumento de 400% nas contribuições. “A proposta ainda em discussão é de que a média de contribuição passe de R$ 90 para R$ 150”, afirma. Além disso, segundo ele, a desvinculação do salário mínimo reduzirá de R$ 11 bilhões para apenas R$ 2 bilhões o déficit da carteira ao fim de 80 anos.

Tiro pela culatra

Além da manutenção das condições atuais, Maurício Canto defende que o governo paulista faça um aporte de R$ 600 milhões para que a carteira continue. Para isso, ele foi buscar apoio no Ministério da Previdência. “O ministro anterior Luiz Marinho, e o atual, José Pimentel, se comprometeram a serem interlocutores dos advogados nessa situação”, afirma. Mas o resultado não foi bem o que a associação esperava. Um parecer emitido em julho do ano passado pelo Departamento dos Regimes de Previdência no Serviço Público — clique aqui para ler — afirmou que os advogados paulistas não são servidores públicos e, por isso, a carteira não pode estar sob o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), mas restringe-se à função de previdência complementar, da qual o “poder público não poderá assumir qualquer prejuízo futuro”.

Segundo o documento, “a Constituição veda o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, estados, Distrito Federal e municípios. A única possibilidade de se manter a Carteira Previdenciária seria por meio de sua adequação ao regime complementar, na modalidade de plano instituído por entidade associativa, observando-se todos os quesitos disciplinados pelo artigo 202 da Constituição, pelas Leis Complementares 108/01 e 109/01, e demais regramentos que regem a matéria”. Isso significa a total desvinculação do poder público e a exigência de mudanças que garantam liquidez.

O parecer atrasou os planos da OAB e das demais entidadades, que tiveram de procurar o Ministério da Previdência para resolver o imbróglio. “Se não fosse por essa intervenção, hoje o assunto já teria sido solucionado”, diz o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D’Urso. O acordo com o governo estadual, fechado na semana passada, garante a gestão da carteira pelo próprio Ipesp, mas não será posto em prática até que o Ministério da Previdência garanta que o estado não será prejudicado com a medida. O temor é que o governo perca o Certificado de Regularidade Previdenciária, emitido por Brasília, e não consiga mais receber verbas federais. Segundo D’Urso, o ministro da Previdência, José Pimentel, já sinalizou que não irá atrapalhar os advogados, mas o governo paulista ainda espera uma resposta concreta. Após diversas reuniões, as entidades já conseguiram o apoio dos secretários estaduais de Justiça, Luiz Antônio Marrey, e da Fazenda, Mauro Ricardo Costa.

A saída encontrada pelas autoridades — que depende do acordo com a Previdência — foi a elaboração de um projeto de lei que alterará a Lei Complementar 1.010/07. Segundo o presidente da OAB paulista, já há entendimentos com o líder do governo na Assembléia Legislativa, deputado Barros Munhoz (PSDB). O novo projeto, a ser proposto pelo Executivo, tem mais chances de passar na casa do que o projeto do deputado Carlos Giannazi (PSOL), o Projeto de Lei Complementar 50/08. A proposta de Giannazi aguarda parecer da Comissão de Administração Pública desde dezembro. Já passou pela Comissão de Constituição e Justiça. “O projeto tem vício de iniciativa. Um aumento no orçamento do estado não pode ser proposto pelo Legislativo”, explica D’Urso. O mesmo problema tem o projeto do deputado Hamilton Pereira (PT), que atribui à recém-criada SPPrev a administração da carteira dos advogados. O Projeto de Lei 183/08 já passou pelas Comissões de Constituição e Justiça e de Administração Pública e aguarda, desde dezembro, parecer da Comissão de Finanças e Orçamento do Parlamento.

Morrendo aos poucos

Hoje numa função próxima à de previdência complementar, a Carteira de Previdência dos advogados foi criada em 1959 pelo governo estadual para ser sustentada pelas contribuições dos segurados e por parte das taxas judiciais recolhidas nos processos. O drama começou em 2003, quando a Lei estadual 11.608 acabou com o repasse de 17,5% das taxas da Justiça à carteira — equivalentes a 85% das fontes de custeio — e a colocou a caminho do défict. A Emenda Constitucional 45/04, chamada de Reforma do Judiciário, deu o golpe de misericórdia ao cravar que o Judiciário é o único destinatário legítimo das custas judiciais recolhidas.

Como se não bastassem os problemas de liquidez, em 2007, a carteira perdeu ainda seu administrador, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp). A Lei Complementar 1.010/07 determinou a extinção do instituto, que deve ser substituído pela São Paulo Previdência (SPPrev). Porém, a norma não atribuiu à sucessora a gerência da carteira, colocando os advogados aposentados e os que ainda contribuíam numa contagem regressiva para a perda dos benefícios a que tinham direito. A data marcada para o fim do Ipesp é o dia 1º de junho, quando vence o prazo de dois anos para que a SPPrev seja implantada.

De acordo com o estudo atuarial encomendado pelas entidades da advocacia paulista, mantidas as atuais condições de manutenção da carteira, a previdência dos advogados se tornará deficitária a partir de 2019, quando todo o caixa acumulado em R$ 931,6 milhões terá sido usado para a quitação dos benefícios, deixando um saldo negativo de R$ 223,5 mil. A arrecadação de contribuições terminaria em 2043, quando todos os beneficiários ativos passariam à condição de inativos, aumentando os gastos e reduzindo as fontes de recursos da carteira. O ciclo só começaria a regredir após 2050, quando o custo passaria a cair, conforme os segurados fossem morrendo. Mas a obrigação só zeraria depois de 2090, deixando um passivo de R$ 78,6 milhões.

Notícia alterada em 28 de fevereiro, às 17h15, para correção de informações.

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