Equilíbrio nas negociações

É preciso implementar medidas para enfrentar a crise

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26 de fevereiro de 2009, 15h35

O momento que vivemos, com certeza, é um dos mais críticos dos últimos anos. É uma crise sem precedentes, que não tem prazo para acabar e atua com uma velocidade arrasadora, com devastadores efeitos. Os números por ela produzidos são espantosos. Desde o seu início, em meados de julho de 2008, já ceifou mais de 300 mil empregos em todo o mundo, em vários setores: bancos, comércio e indústria. Ninguém está a salvo. Atinge empresas absolutamente estáveis e com um passado de sucesso invejável, como é o exemplo da Caterpillar, que chegou a anunciar 20 mil demissões por conta da queda da demanda de seus produtos.

Em São Paulo, a indústria fechou mais de 130 mil postos de trabalho em dezembro. O que fazer? Neste momento, aparecem soluções de todos os lados e formas. Todos dão opiniões e se apresentam como experts. Além de soluções milagrosas, o que mais se vê é a ávida necessidade de se buscar culpados. É certo que houve excessos, atitudes não éticas e desequilibro de valores que, somados, geraram todo esse cipoal crítico financeiro e econômico. Porém, é bom destacar que, para enfrentar este difícil momento, há de se buscar não culpados, mas sim um equilíbrio, uma justa medida, uma solução negociada.

Os antigos gregos, aliás, acreditavam nisso, ou seja: sempre na existência de um princípio regulador, que zela pela justa medida e pune o excesso, e se forma por dois elementos denominados: hybris e nemesis. Todas as vezes que ocorre uma transgressão de limites, fruto da arrogância ou audácia excessiva, ou seja: hybris, recorre-se a uma ação corretiva, capaz de restaurar por meio de punições, reveses e calamidades um certo equilíbrio: nemesis.

É esse o momento que vivenciamos na atualidade. A hybris do céu de brigadeiro na qual a economia transitou com absoluta tranquilidade nesses últimos tempos, que possibilitou, inclusive, os excessos antiéticos, correspondeu à turbulência, vale dizer, a nemesis atual, ou seja, à crise que ora castiga os abusos.

Os exemplos mitológiocos, em visão metafórica, são muitos, como nos lembra Eduardo Gianetti: “Prometeu desafiou a interdição divina e furtou de Zeus a arte do fogo e a luz do saber técnico para benefício da humanidade. Como punição pela ousadia, ele foi acorrentado a um rochedo de modo a ter o fígado devorado por um abutre todas as manhãs. O destino de Tântalo, rei da Lídia, foi análogo. Recebido certa feita pelos deuses para um banquete no Olimpo, ele contrabandeou o néctar e a ambrósia da mesa divina para entregá-los aos deleites dos mortais. A resposta pelo ato veio a caráter:

Tântalo se viu condenado ao suplício perpétuo (tantalizante) de padecer de sede e de fome tendo sempre à vista, mas nunca ao alcance, toda a água e alimento de que carecia’’.

Como se percebe, a resposta para a atual “crise tantalizante” passa por um conjunto de soluções. Soluções equilibradas mediante um processo de “ganha-a-ganha” praticado pelos atores sociais interessados, tendentes a atos de resiliência conjuntural, onde se vergam opiniões, mas não se quebram valores nem se transgridem preceitos éticos, fazendo essa travessia sempre com transparência e via ampla de negociação.

À mesa, por certo, devem sentar não só trabalhadores e empresários, mas também representantes do governo, com finalidades bem definidas na busca de um bem maior que é a preservação dos empregos e, por decorrência, das empresas, sem vieses eleitoreiros ou panfletários. Cada um deve, assim, dar a sua cota-parte, mediante concessões recíprocas e atitudes bem definidas, evitando-se, desta forma, as chamadas boas intenções e boas idéias.

Devem trabalhar tendo como diretriz, inclusive, experiências bem-sucedidas no campo da “concertação” social e pôr em prática medidas eficazes, como, por exemplo:

a) Implantação de projeto relativo ao contrato de formação-trabalho, diferentemente do contrato de estágio, um contrato de trabalho diferenciado com custos menores, que permita modular o ato formativo com as necessidades empresariais, profissionalizando, desta maneira, os trabalhadores de baixa formação, dando-lhes ferramenta de integração formativa;

b) Criação de novas políticas de renda e emprego, como, por exemplo, a formatação de pacotes de trabalho, com a intervenção de agências reguladoras, onde o trabalhador qualifica-se e presta serviços, recebendo pelo trabalho realizado, descontando-se as horas dedicadas à formação;

c) Formatação de contratos de solidariedade, onde, através de condomínios empresariais, os empregados podem prestar serviços a mais de uma empresa, sem que isso implique uma responsabilidade jurídica e única a apenas um dos empregadores;

d) Modernização e atualização da legislação do trabalho temporário;

e) Formas particulares de trabalho por tempo determinado, inclusive geradas através de agências reguladoras, que poderão dedicar-se à recolocação e requalificação dos trabalhadores em mobilidade ou a tratamentos especiais de desemprego;

f) Criação de estruturas de pesquisas para complexos empresariais e públicos, visando à promoção, sustento e administração de entidades públicas e privadas;

g) Criação de medidas de caráter fiscal e contributivo, em especial de isenção fiscal, envolvendo despesas relacionadas às atividades de pesquisa das empresas, proporcionando a geração de empregos;

h) Desenvolvimento de projetos de pesquisas promovidos pelas empresas que convirjam com a colaboração das universidades, com o envolvimento de pesquisadores, alunos e trabalhadores terceiros;

i) Difusão no campo da negociação coletiva de trabalho do conceito de contratação articulada, que consiste em fixar níveis diversos de negociação coletiva nacional, por categoria, por setor e por empresa. Nos níveis gerais, se estabelecem as garantias mínimas, devidamente negociadas e dentro das possibilidades materiais e econômicas concebidas pelas partes, dentro da realidade que as afeta e que, por isso mesmo, não podem ser reduzidas por negociações dos níveis subsequentes.

Dentro desse conceito e à vista da realidade econômica e financeira de cada categoria específica fixam-se em acordo quais matérias podem ser renegociadas nos níveis de setor e empresa, mecanismo também denominado de cláusula de atribuição ou reenvio. A vantagem é que se estabelecerá, conjuntamente, a negociação articulada, uma cláusula de trégua entre sindicatos e empresas.

Há muitas formas negociais de se enfrentar a crise, através de medidas legislativas que precisam ainda ser implementadas e mediante práticas negociais postas às partes para prática imediata. O que deve ser feito é um planejamento, com a distribuição de medidas de curto, médio e longo prazo, através de um processo de ganha-ganha, equilibrado, sem preconceitos nem exacerbada busca de culpados.

 

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