Pirataria industrial

Prova do crime deve ser colhida por busca e apreensão

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24 de fevereiro de 2009, 18h07

Sempre que ocorre a prática de algum crime, o primeiro passo geralmente adotado pela vítima é informar a autoridade policial, para que sejam adotadas as providências necessárias para que o seu autor seja não apenas identificado, mas efetivamente processado. A pretensão da vítima é sempre que a justiça seja representada pela punição do autor, preferencialmente com a imposição de prisão.

Tal providência é geralmente adotada por toda e qualquer vítima, seja no caso do cometimento de crime cuja ação penal é de iniciativa pública[1]. Como no caso de crime cuja ação penal é aquela privada, como em caso de estupro.

Portanto, a ideia geral é de que sempre que ocorrer uma violação do ordenamento, cuja objetividade jurídica for tutelada pelo Direito Penal, urge procurar a autoridade policial, a quem competirá as providências necessárias para sua apuração, conforme previsto no artigo 5º e seguinte do Código de Processo de Penal.

Vale destacar que o inquérito policial é um procedimento seguido de caráter administrativo e instaurado pela autoridade policial, no qual são realizados atos investigatórios destinados a apurar a autoria e a materialidade de infrações penais de médio ou de maior potencial ofensivo.

Assim, muito embora a existência de inquérito policial não seja fundamental para que haja futura ação penal, por ser tal instrumento não obrigatório, bastando a existência de prova de materialidade e indícios de autoria, é ferramenta que, como afirmamos acima, é largamente utilizada pela vítima.

Todavia, a despeito de ser essa a regra geral, no caso dos crimes contra a propriedade industrial o legislador optou por disciplinar de forma completamente diferente a fase pré-processual.

 

Assim, quando houver suspeita de prática de qualquer crime contra a Propriedade Industrial, aquele que teve seus direitos violados deve adotar medidas específicas com a finalidade de obter elementos que possam dar abrigo a uma futura e possível ação penal.

Na realidade, considerando a peculiaridade, senão especificidade do tema, o legislador disciplinou tal procedimento em capítulo próprio dentro do Código de Processo Penal, uma das razões que, aliás, é o fundamento daqueles que entendem que fica afastada a possibilidade de realização de todos esses atos preparatórios nos autos de um inquérito policial e, por outro lado, uma das razões pelas quais outros advogam a possibilidade de atuação efetiva do acusado, exercendo o contraditório antes mesmo de qualquer ação penal.

De fato, muitas vezes o procedimento, por ser pela grande maioria da doutrina considerado como mera condição de procedibilidade da ação penal e, sob essa ótica, desprovido da incidência dos princípios constitucionais e processuais que regem as ações penais,não admitiria o exercício de qualquer um deles, como o contraditório e ampla defesa[2]. É, na prática, utilizado não apenas como forma de preparar a ação penal, mas sim para endossar argumentos para concessão de tutela antecipada em ação de natureza cível, senão para pressionar psicologicamente o suposto infrator.

Portanto, considerando que a maioria dos delitos tipificados do artigo 183 ao 195 da Lei de Propriedade Industrial 9279/96 é daqueles que deixa vestígios, o ponto de partida é requerer ao juízo competente a realização da denominada medida preparatória de busca e apreensão criminal, cujo objetivo será a colheita dos elementos necessários para o exercício do direito de queixa, ou seja, a prova da materialidade delitiva e indícios de sua autoria, e não o requerimento de instauração de inquérito policial[3]

O requerente da medida deverá, portanto, demonstrar ser titular do direito tutelado pela Lei de Propriedade Industrial, o que é feito por meio da apresentação dos certificados de registro de marca, para os crime tipificados nos artigos 189 e 190; da exibição da carta-patente para os crimes previstos nos artigos 183, 184 e 185; do certificado de registro de desenho industrial[4]ou do direito de uso de termos ou sinais de procedência ou origem, crimes contra as indicações geográficas e demais indicações.

No caso das condutas tipificadas no artigo 195, ou seja, os chamados crimes de concorrência desleal há discussão acerca da categoria a que pertencem, ou seja, se são crimes contra a propriedade industrial ou não, o que poderia eventualmente influenciar no procedimento a ser adotado quando da necessidade de responsabilização de atores de tal conduta.

De qualquer modo, a despeito da discussão há que se observar que não há a necessidade do ofendido ostentar qualquer título, bastando para sua figuração como sujeito passivo ter sido perpetrada contra ele qualquer conduta tendente a desviar sua clientela.

Por outro lado, a exemplo do que pode acontecer nos demais crimes, sempre que a conduta não deixar vestígios, dispensada estará a exigência de realização da medida preparatória de busca e apreensão, podendo o ofendido, se possuir os elementos necessários, oferecer queixa contra o autor do crime.

Essa é, aliás, uma das hipóteses comuns quando da ocorrência da conduta descrita no inciso III do artigo 195 (a despeito do que muitos pensam, é crime formal e, portanto, para sua consumação não há necessidade de efetivo desvio de clientela), onde o meio fraudulento empregado pode não deixar vestígios passíveis de exame de corpo de delito.

Assim, preenchidos os requisitos, o juiz defere a medida cujo objetivo será culminado com a realização de busca e apreensão dos objetos sobre os quais recaia a violação e que será acompanhada por dois peritos judiciais[5].

Aqui outro aspecto é polemicamente discutido como a interrogação: se o juiz pode deferir o pedido e quais são os requisitos necessários ao requerente.

Sobre o tema, melhor explicação não há, senão a sabedoria e simplicidade contida nas sábias palavras do ilustre Hélio Tornaghi, que assim resumiu a questão: “não é preciso, para que a medida de busca e apreensão seja deferida, que ao requerê-la o ofendido prove a ocorrência da ofensa. Basta-lhe demonstrar que o direito eventualmente violado é seu. Com efeito, o artigo 526 do CPP só exige a prova da titularidade do direito de ação, não aludindo à necessidade de comprovação da ofensa. Não incide aqui o ditado in dúbio pro reo. Estando o juiz em dúvida quanto à existência ou não de violação, deve agir pro societates, deferindo a medida para fazer a vistoria e constatar se a alegação procede ou não. Aplica-se o princípio da busca da verdade real.”

Sobre a busca e apreensão, devemos destacar o importantíssimo papel atribuído pelo legislador aos peritos, ao estabelecer que a apreensão somente ocorrerá se estes entenderem que há fundamento para sua efetivação, os condicionando, no caso de ser efetivada, à apresentação de laudo pericial em até três dias, como determina o artigo 527 do CPP[6].

Na hipótese de não ser realizada a apreensão, por não entenderem os peritos existir fundamento ou necessidade, deverão também apresentar, no mesmo prazo, laudo contrário à apreensão. Nessa hipótese, poderá o requerente impugnar o laudo apresentado, cabendo ao magistrado decidir sobre a sua realização ou não.

O produto dessa medida consistirá, portanto, em um laudo pericial — via de regra é homologado[7] — que poderá afirmar a ocorrência de um crime, trazendo prova de sua existência material, através da realização do exame de corpo de delito, e dos indícios veementes de seus supostos autores.

Com tais elementos, poderá então a vítima buscar a condenação daqueles que foram apontados no laudo pericial, bem como daqueles cuja medida preliminar indicou a possibilidade de terem participado ou contribuído para a prática de alguma conduta tida como criminosa.

O Processo Penal da Pirataria guarda ainda muitas questões polêmicas, como sua amplitude, prazo para oferecimento da queixa, indicação de peritos, assistentes técnicos, quesitos, natureza da decisão de homologação do laudo pericial, defesa e recursos cabíveis, prisão, entre outros, que esperamos explorar oportunamente.

Notas de rodapé

[1] Existe corrente que defende a tese de que toda e qualquer ação penal é pública, já que tem como sujeito passivo constante o Estado que é o titular do jus puniendi. Para tal corrente, haveria apenas ações penais públicas, cuja iniciativa poderia, em alguns casos, ser exclusiva do ofendido (ação penal privada). De qualquer maneira, a regra geral é que toda ação penal é publica. A exceção será sempre indicada pela lei.

[2] Vide a respeito o artigo “A incidência do Contraditório nas Medidas Preparatórias de Busca e Apreensão Criminal nos Crimes contra a Propriedade Imaterial”, publicado no site www.migalhas.com.br e www.ibccrim.org.br

[3] Há discussão sobre a possibilidade ou não de incidência do inquérito policial, cuja análise pretendemos realizar em artigo específico.

[4] Para invocar a violação não é necessário que tenha sido realizado o exame de mérito pelo INPI – Instituo Nacional da Propriedade Industrial

[5] Em função da Lei 11.690/08 faremos, em outra oportunidade, analise de eventual alteração de tal exigência.

[6]A prática tem demonstrado que tal prazo é muito superior, seja em razão das dificuldades técnicas que eventualmente podem ser encontradas (como por exemplo, quando houver a necessidade de realização de exames laboratoriais complexos) ou mesmo da amplitude da análise exigida e dos quesitos a serem respondidos.

[7] Poderia o juiz não homologá-lo? Em quais hipóteses?

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