Lei ineficaz

Não há deficientes suficientes para atender a demanda

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21 de fevereiro de 2009, 14h30

Buscando um resgate social, como acontece com diversos grupos da sociedade que são ou foram excluídos, foi editada a Lei 8.213/91, regulamentada pelo Decreto 3.048/99, estabelecendo que as empresas com mais de 100 empregados estão obrigadas a contratar pessoas portadoras de deficiência habilitadas ou beneficiários reabilitados, estipulando um percentual de contratação obrigatório, de acordo com o número de funcionários de cada empresa.

Não obstante tenha sido nobre a intenção do legislador em incluir os deficientes no mercado de trabalho, evitando-se a discriminação, o certo é que diante das constantes ameaças de autuação do Ministério do Trabalho e do ajuizamento de Ações Civis Públicas pelo Ministério Público do Trabalho, temos presenciado uma verdadeira caça aos deficientes pelas empresas, que precisam cumprir suas cotas para evitar as vultosas e reiteradas multas e indenizações.

Observe-se que a lei, de forma deficiente, não registrou qualquer exceção, diferenciação ou alternativa para as empresas que têm como objeto social atividades que não permitem que os trabalhadores tenham determinadas deficiências, o que dificulta ainda mais o cumprimento das cotas, sendo certo que as multas e indenizações atingem cifras elevadíssimas, e, quando reiteradas, podem prejudicar o próprio funcionamento da empresa, colocando em risco os demais postos de trabalho.

Apesar da finalidade da lei ter sido evitar a discriminação, os órgãos fiscalizadores não levam em consideração a existência ou não de discriminação pelas empresas, mas tão somente, de forma objetiva, a contratação ou não do número de deficientes exigidos, de acordo com a cota de cada empresa, quando é fato público e notório que não existe no mercado número de deficientes qualificados suficientes para atender a demanda pela contratação.

E quando a justificativa pela não contratação é a inexistência de deficientes qualificados para exercerem as funções existentes na empresa, o Ministério do Trabalho simplesmente determina que as empresas os qualifiquem, ou seja, que a iniciativa privada assuma uma responsabilidade que não é sua.

No entanto, olvidam-se os órgãos fiscais da lei que a falta de contratação de pessoas portadoras de deficiência ou reabilitadas, encontra-se diretamente relacionada à falha do Estado, o qual não fornece mão-de-obra habilitada ou reabilitada, nos termos do artigo 89 e seguintes da Lei 8.213/1991.

Realmente, os artigos 89 e 90 da Lei 8.213/91 são expressos ao consignarem que incumbe ao Serviço Social, órgão da Previdência Social, a habilitação e reabilitação profissional, sendo estes serviços uma obrigação do Estado.

Desde que haja o cumprimento do disposto acima, de acordo com o artigo 93 do mesmo diploma legal, incumbe às empresas com mais de 100 empregados, a contratação de beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas.

Depreende-se, assim, que às empresas não cabe contratar qualquer pessoa com deficiência, ainda que não tenham condições de exercer o trabalho necessário à empresa, já que o intuito da lei é a efetiva inserção no mercado de trabalho dos portadores de necessidades especiais, mas aqueles habilitados ou reabilitados, sendo que esta habilitação ou reabilitação, conforme mandamento legal, é realizada pela Previdência Social.

Nesta esteira, se o espírito da legislação foi de somar esforços do Estado e da iniciativa privada, e se depende do Estado o cumprimento da primeira etapa para a inserção dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho, qual seja, a habilitação ou reabilitação, não pode o próprio Estado impor às empresas o cumprimento de uma obrigação impossível, aplicando-lhes sanções, quando a administração pública não cumpriu a parte que lhe cabia, e deste descumprimento decorre diretamente a impossibilidade das empresas encontrarem mão-de-obra qualificada.

Em abono das questões acima elencadas, e reconhecendo ser notória a dificuldade de contratação de deficientes habilitados ou beneficiários reabilitados, recentemente, em Mandado de Segurança impetrado pelo escritório de advocacia Rubens Araújo Advogados, foi concedida uma liminar para que o Ministério do Trabalho se abstivesse de autuar uma empresa, com os seguintes fundamentos:

“O fato de não ter logrado êxito em atingir o percentual exigido por lei não é suficiente para caracterizar resistência injustificada ao cumprimento dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais, essencialmente no tocante ao valor social do trabalho, função social da empresa e dignidade da pessoa humana. Presente, portanto, o requisito do fumus boni juris.

Caracteriza-se o periculum in mora na medida em que existe reunião agendada perante órgão do Ministério do Trabalho (28/01/09) e há iminente risco de nova autuação e aplicação de multa, em prejuízo do equilíbrio econômico da empresa e, até mesmo, da manutenção dos postos de trabalho já criados aos trabalhadores que se enquadram na situação em pauta.

É certo que os princípios norteadores da administração pública exigem critérios objetivos para adequação dos fatos concretos à lei, via de regra, sem espaço à discricionariedade. No entanto, deve-se buscar a mens lege em atenção à realidade econômica e social, considerando-se as dificuldades enfrentadas pelos empregadores em localizar mão de obra qualificada, adaptando-a às necessidades funcionais da empresa e do próprio empregado portador de deficiência”.

Verifica-se, diante da decisão acima, que vai ao encontro de outras decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho e do próprio Tribunal Superior do Trabalho, que o Poder Judiciário tem cumprido, de forma irretocável, sua função maior de pacificação social e aplicado os princípios gerais de direito, conferindo aos jurisdicionados um sentimento maior de justiça.

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