Adulteração de combustível

Adulteração de combustível e o Judiciário

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21 de fevereiro de 2009, 18h34

Adulteração de combustíveis é sempre um tema polêmico. As decisões do Judiciário do Estado de São Paulo a favor dos comerciantes, que tiveram sua inscrição estadual cassada por venda de combustível “batizado”, ampliam as discussões sobre o assunto. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo tenta revogar na Justiça 110 liminares concedidas a postos que operam mesmo após serem flagrados com a venda de produto irregular. Os postos dizem que não estão tendo o amplo direito de defesa. Porém, esta tese não é a correta.

A Lei Federal 9.478/97, que criou a Agência Nacional do Petróleo(ANP), estabeleceu dentre as competências do órgão, em seu artigo 8º, inciso I, a fiscalização de atividades econômicas decorrentes da indústria de petróleo, atuando na defesa dos consumidores quanto ao preço, qualidade e oferta de produtos. Por sua vez a Lei Federal 9.847/99 dispôs especificamente sobre a fiscalização da venda de combustíveis, instituindo procedimentos e sanções, permitindo ainda, a realização de convênios da Agência com órgãos da administração pública direta de Estados e Municípios.

O Estado de São Paulo, através da Lei Estadual 11.929/2005, instituiu como penalidade a cassação do registro estadual do estabelecimento flagrado vendendo combustíveis adulterados ou fora dos padrões estabelecidos pela ANP.

E a Lei Estadual 12.675/2007, instituída com o intuito de preservar os direitos dos consumidores, estabelece sanções administrativas e hipóteses de aplicação, bem como os procedimentos de fiscalização e atuação do agente infrator. Importante destacar que esta lei determina o recolhimento de três amostras do combustível analisado, sendo a primeira enviada para análise da ANP e entidade por ela conveniada; a segunda entregue ao próprio estabelecimento autuado, com o objetivo de permitir a ampla defesa e o contraditório e, a terceira ao Procon, para conservação e eventual utilização como contraprova.

Se exames preliminares realizados no ato da coleta do material já demonstrarem a existência de adulteração, o agente fiscal deverá interditar imediatamente o local, lacrando-o, além de determinar a apreensão do produto, por um prazo inicial de 30 dias, prorrogáveis caso haja requerimento do interessado para realização de nova prova.

O estabelecimento autuado será notificado e poderá apresentar defesa prévia contra o ato administrativo em cinco dias.

A legislação que regulamenta a questão, tanto na esfera federal quanto estadual, concede ao estabelecimento autuado todas as condições e meios para exercer sua defesa, inclusive lhe concedendo uma amostra do material coletado, respeitando assim o devido processo legal.

Os estabelecimentos têm se socorrido do Judiciário, pleiteando liminares para restabelecer suas atividades. Para tanto, dentre outros argumentos particulares a cada caso concreto, alegam cerceamento de defesa e o desrespeito ao contraditório, especialmente em razão de não poderem acompanhar in loco a realização da prova do material coletado.

Segundo os órgãos que realizam os testes, não é permitido o acompanhamento de responsáveis técnicos indicados pelos estabelecimentos em razão das particularidades do exame, com o intuito de evitar que os possíveis infratores descubram novos meios de burlar ou contornar a detecção da adulteração. Assim, a legislação somente admite a presença dos interessados na coleta e lacre do material, bem como na abertura do recipiente.

De fato, os solventes, produtos que são utilizados normalmente na adulteração de combustíveis, são produzidos com uma espécie de marcador, isto é, um componente químico adicionado justamente com o intuito de permitir a sua identificação nos combustíveis. Se os estabelecimentos infratores tiverem acesso ao citado componente ou fórmula utilizada pela ANP, estará abrindo-se oportunidade para descoberta de meios que impossibilitem aos órgãos reguladores identificar a ocorrência de ilícitos não somente civis, no âmbito do consumidor, mas também penais e tributários.

Há que se ter em mente, e cabe ao Poder Judiciário pacificar tal entendimento, de que o exercício da ampla defesa e do contraditório não pode sobrepor-se injustificadamente sobre outros princípios igualmente importantes e primordiais. O direito à defesa tem seus limites instituídos pelo devido processo legal, que estabelece os meios, procedimentos e mecanismos em que a autuação e as provas são realizadas.

Não é possível vislumbrar, ou melhor, permitir, que o direito à defesa se transforme em meio pelo qual sejam aprimoradas as fraudes e ilícitos que nossa legislação pretende coibir.

Vale ressaltar que aos estabelecimentos autuados é concedida uma amostra do material coletado, permitindo a eles mesmos realizarem o exame junto ao órgão técnico conveniado à ANP, mas logicamente sem acompanhar a realização do exame.

A adulteração de combustíveis constitui um ato ilícito que lesa a sociedade de diversas maneiras, violando o direito do consumidor, a ordem econômica e até mesmo causando danos ambientais, em virtude de sua utilização fora dos parâmetros ambientais. Assim, verifica-se que o interesse coletivo, ou seja, a supremacia do interesse público não pode ser sobrepujada pelo interesse particular do comerciante.

Obviamente, a adoção de novos critérios mais rígidos na coleta, transporte e abertura do material coletado poderão auxiliar o Poder Judiciário na análise de ações e pedidos de liminares. Porém, cabe ressalvar, que os critérios atuais e a legislação que regulamenta todo o processo administrativo, permitem sim aos comerciantes exercerem a sua defesa plenamente.

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