Quebrar a letargia

Judiciário combate distribuição desigual da Justiça

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18 de fevereiro de 2009, 10h12

Editorial da Folha de S. Paulo*

A cúpula do Judiciário dá à sociedade alguns motivos para acreditar que a modernização dos padrões gerenciais e de eficácia na distribuição da Justiça brasileira, plataforma que em geral só embeleza discursos, vai se tornando um compromisso.

O 2º Encontro Nacional do Judiciário, que reuniu 280 ministros, desembargadores e juízes em Belo Horizonte, fixou uma meta ambiciosa de resolução de processos no país. A proposta é julgar neste ano todas as ações distribuídas até o final de 2005.

Seriam ao menos 40 milhões, dos 67 milhões de processos ativos no Brasil. A fim de cumprir o objetivo, os juízes brasileiros teriam de dobrar a sua produtividade, pois hoje resolvem cerca de 20 milhões de casos ao ano. Adotar uma meta quantitativa, ainda que de difícil realização, indica a existência de um pacto para enfrentar uma situação sobre a qual só se ouviam lamúrias.

Decerto será preciso fornecer os meios, materiais, legais e organizacionais. De cada 100 varas de Justiça no país, 80 carecem de um sistema integrado de informações com seus respectivos tribunais. Mas a proposta de liquidar, em um ano, 60% do estoque atual de processos tem o grande mérito de romper a letargia do Poder togado, como afirmou o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

À frente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Mendes -responsável, anteriormente, por uma reforma que modernizou a Advocacia Geral da União- deslancha um programa que busca induzir saltos de eficiência no Judiciário. Desde agosto, o CNJ revisou sistematicamente os processos de execução criminal de quatro Estados (RJ, PI, PA e MA).

O mutirão detectou uma taxa aviltante de pessoas presas indevidamente: um terço. Favorece tamanha injustiça, sem dúvida, a ineficácia na prestação do serviço gratuito de defesa a acusados carentes. "Réu pobre não é problema de ninguém", disse Mendes, identificando no jogo de empurra entre advogados e defensores públicos um fator que ajuda a explicar a desigualdade no acesso à Justiça no Brasil.

Resolver a pendência e cobrar responsabilidades é urgente; assim como implantar em âmbito nacional a gestão eletrônica da execução penal. Esta medida garantiria a soltura do preso assim que a pena estivesse cumprida, postulado básico da punição judicial que, espantosamente, não se aplica em 100% dos casos no nosso cotidiano carcerário.

Felizmente, outras avenidas de modernização já são desbravadas. A fim de agilizar a ação penal e evitar prescrições, o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão no Supremo, autorizou inovações como a digitalização total do processo, inédita na corte, e a intimação de testemunhas por telefone.

Tão ou mais importante é a determinação de Barbosa de evitar atrasos desnecessários, ao impedir que recursos dos advogados de defesa paralisem a ação. Existe aí um campo vasto para que magistrados combatam a cultura protelatória, enraizada no meio jurídico nacional.

Determinar e perseguir metas de resolução de processos; assegurar a defesa gratuita e de qualidade para os mais pobres; restringir a margem de litigância procrastinadora dos mais ricos. Eis um programa que, se efetivado, tornará a distribuição da Justiça, a um só tempo, mais justa e eficiente.

* Editorial publicado na Folha de S. Paulo, na edição de 18 de fevereiro de 2009.

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