Evolução jurídica

Clientes empurram escritórios à modernização

Autor

  • Marco Antonio P. Gonçalves

    é sócio da Gonçalves & Gonçalves Marketing Jurídico e especialista em marketing para advogados e escritórios de advocacia. Pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas é autor do blog marketingLEGAL e do pioneiro estudo “O Estado do Marketing Jurídico na América Latina”.

16 de fevereiro de 2009, 8h00

Há 200 anos nascia Charles Darwin, famoso por seu pioneiro trabalho e pela célebre frase "não são os mais fortes de uma espécie que sobrevivem, nem os mais inteligentes, mas os que melhor respondem às mudanças". Passados tantos anos, a frase continua mais atual do que nunca e aplica-se a qualquer negócio que opere no complexo e dinâmico mundo moderno, em especial os escritórios de advocacia empresarial. 

A advocacia, seja no Brasil ou em outros países, evoluiu muito ao longo das últimas décadas, mas atualmente passa por um momento de transformação sem precedentes. Inúmeras forças já impactam o cotidiano dos escritórios, algumas há mais de uma década, e várias outras se encontram em plena ebulição. Quer você goste ou não de mudanças, fato é que elas agora ocorrem em ritmo alucinante e o seu escritório deve acompanhá-las sob o risco de ficar no meio do caminho. Literalmente.

São muitas as forças em movimento, mas é possível elencar as de maior impacto no meio jurídico brasileiro: globalização; evolução tecnológica; clientela; concorrência; fusões e aquisições entre escritórios; bancas estrangeiras no país; escritórios multidisciplinares e/ou de capital aberto e crise econômica mundial.

De impacto amplo e sem precedentes, a globalização é um assunto já antigo e muito batido (e debatido). Mas é fundamental entendê-la como o “big bang” que deu origem ao mundo altamente complexo em que vivemos e trabalhamos. Mais especificamente, podemos citar o papel desempenhado pela tecnologia no processo de globalização. A evolução tecnológica é indiscutivelmente o principal catalisador das transformações em curso, cada vez mais rápidas e intensas. 

Hoje em dia os clientes têm fácil acesso ao andamento processual pela internet e muitas vezes fazem pressão em seus advogados por uma comunicação mais ágil. Por outro lado, temos o advento do processo judicial eletrônico que, esperamos, irá acelerar as decisões jurídicas, tirando a "culpa" dos escritórios pela demora no andamento dos processos. A tecnologia também permite que se faça mais com menos, o que pode ter os resultados mais variados, entre os quais a "commoditização" de serviços jurídicos mais comuns e uma consequente redução de honorários. 

Uma questão importante, e ainda pouco debatida, diz respeito às novas e tecnológicas gerações de profissionais que já estão no mercado de trabalho ou nele entrarão em breve. Como lidar com os profissionais das gerações Y (nascidos entre 1980 e 2001) e Z (nascidos desde setembro de 2001), que vivem e respiram tecnologia? Afinal, eles ocuparão posições no seu escritório, nos seus concorrentes e nos seus clientes atuais e potenciais, sem falar em parceiros, fornecedores etc. A geração Z, em especial, nasceu com internet de alta velocidade saindo da parede que nem eletricidade e, mais impressionante, do ar à nossa volta! Como o seu escritório irá lidar com esses e outros desafios se mal consegue compreender a própria tecnologia?

Talvez uma boa forma de lidar com o desafio das gerações seja respondendo ao desafio proposto pelo "polêmico" professor inglês Richard Susskind, muito mal interpretado pelas idéias de seu livro "The end of lawyers?" (em português, "O fim dos advogados?"). A proposta de Richard nada mais é do que uma providencial provocação para que os advogados repensem a sua profissão frente ao contexto atual e futuro de mercado, principalmente no que tange ao crescente avanço tecnológico. Em outras palavras, quais são as suas habilidades e talentos distintos que não podem ser substituídos por sistemas tecnológicos, por mão-de-obra barata amparada por tecnologia ou mesmo pelo Dr. Google?

Se o mundo mudou, isso significa que a clientela também mudou. E o mesmo aconteceu com o relacionamento entre os escritórios e seus clientes corporativos. Mas há um pequeno detalhe. As mudanças nos relacionamentos escritório-empresa, em sua maioria, aconteceram por iniciativa dos próprios clientes. A clientela sempre foi um fator impactante, mas já há algum tempo vem exercendo um impacto expressivo e bastante diverso nos escritórios. Nos dias atuais uma empresa tem toda a informação de que precisa para escolher e controlar os escritórios com os quais irá terceirizar suas demandas jurídicas. A pressão é contínua e muitos departamentos jurídicos seguem a religião da convergência, que prega a distribuição do trabalho jurídico, sempre que possível, por um número reduzido de escritórios externos. 


Os departamentos jurídicos modernos tendem a uma atuação estratégica e, como resultado, demandam maior retorno pelos serviços contratados junto aos escritórios. E como a união faz a força, surgem iniciativas como o "ACC Value Challenge", movimento iniciado em 2008 pelos mais de 25 mil membros de departamentos jurídicos que integram a Association of Corporate Counsel. O objetivo da iniciativa? Realinhar os interesses entre clientes corporativos e escritórios, reconectando valor aos custos dos serviços jurídicos. Pois é, os clientes seguem adiante propondo mudanças. Algo aparentemente continua faltando na relação com os escritórios.

A concorrência, por sua vez, está mais acirrada do que em qualquer outra época. Parte da "culpa" reside na evolução tecnológica, que encolheu o mundo e, consequentemente, o nosso país. Escritórios geograficamente distantes e de portes distintos, seja no Brasil ou no exterior, podem concorrer entre si ou, é claro, trabalhar de forma cooperativa. Mas a questão principal reside no crescente número de advogados existentes no mercado brasileiro. Já são mais de 635 mil advogados, um número que tem aumentado como resultado do “despejo” regular de bacharéis, muitas vezes despreparados, pelas inúmeras faculdades espalhadas pelo país. Os efeitos colaterais são muito sérios, entre os quais uma "commoditização” generalizada de serviços jurídicos e uma consequente redução de honorários. Seria isso o que a regulamentação da OAB chama de mercantilização da advocacia?

Ainda no campo da concorrência, fusões e aquisições tomam corpo entre os escritórios brasileiros. É difícil saber se o mercado de advocacia brasileiro vivencia uma situação similar ao intenso mercado norte-americano, pois tais operações são muito pouco noticiadas por aqui. Mas elas acontecem. Seja envolvendo escritórios maiores e/ou menores, ocorrem pelas mais variadas razões, entre as quais expansão geográfica, ampliação das áreas de atuação e aumento da carteira de clientes. Para escritórios menores, uma fusão pode agregar competitividade para enfrentar estruturas maiores ou até mesmo as bancas estrangeiras.

Bancas estrangeiras? Algumas já atuam no país há vários anos, mas para muitos essa informação ainda é novidade. Mesmo com as restrições impostas pela OAB, que limitam sua atuação ao direito estrangeiro, fato é que alguns "pequenos" escritórios norte-americanos e ingleses já se encontram entre nós. O Clifford Chance, um dos maiores escritórios do mundo, com 3,8 mil advogados, mantém escritório próprio no país desde 2002. Já o Simpson Thacher & Bartlett, banca com 800 advogados, simplesmente acabou de aportar no país. Ainda que alguns considerem que o momento atual não é recomendável para esse tipo de expansão, os estrangeiros pensam o contrário e tudo indica que muitos outros virão. As restrições permanecerão? Só o tempo dirá, mas dificilmente durarão para sempre. Contar com isso será pura ingenuidade.

Em 21 de maio de 2007 o Slater & Gordon tornou-se o primeiro escritório de advocacia no mundo a ter ações negociadas em bolsa de valores. Aconteceu lá do outro lado do mundo, na Austrália. Até o presente momento permanece como “filho único”, mas essa é uma condição que não se manterá por muito tempo. Em 30 de outubro de 2007 o Legal Services Act tornou-se lei no Reino Unido, tendo como objetivo liberalizar e regular o mercado jurídico local. Certamente nada mais será como antes. Se a globalização foi o "big bang" do mundo moderno, o advento de tal legislação tem o potencial de ser o "big bang" da advocacia moderna.

De maneira resumida, o Legal Services Act permitirá a criação de novas formas de organização para os escritórios de advocacia. Como resultado, os escritórios poderão receber investimentos de não-advogados, ter sócios não-advogados e oferecer serviços jurídicos e não-jurídicos conjuntamente ao mercado. O processo de implementação da nova lei é gradual e as primeiras estruturas alternativas devem entrar em operação apenas em 2011. A grande questão do momento reside na reação dos EUA para essa nova realidade, mas tudo isso está bem longe do Brasil, não? Segundo os especialistas, será apenas uma questão de tempo até que outras jurisdições ao redor do globo iniciem um processo de desregulamentação de seus mercados jurídicos de maneira similar. Acontecerá no Brasil? Pode ser que sim, pode ser que não. O certo é que escritórios provenientes do Reino Unido já atuam no país e outros virão ao longo dos próximos anos. Se eles já são grandes sem capitalização externa, o que eles não poderão fazer se alavancados financeiramente?


Além das diversas forças citadas anteriormente, ainda temos que encarar a crise econômica global (que crise?). Até alguns meses atrás vivíamos em um mundo complexo, de muitas mudanças, é claro, mas também de certa calmaria (ou seria previsibilidade?). Mas isso agora é passado. Tudo mudou e o que já era complexo ficou ainda mais complexo! Mas a crise não é necessariamente algo exclusivamente negativo. Ela traz oportunidades e ameaças para os escritórios de advocacia que souberem lidar como esse momento especial de nossa história recente. Afinal, enquanto a mídia estrangeira noticia o fechamento de escritórios centenários, entre tantos outros efeitos negativos da crise sobre os escritórios, a mídia nacional tem mostrado uma realidade mais positiva para os escritórios brasileiros.

Enfim, o mercado de advocacia mudou muito nas últimas duas décadas… e continuará mudando! O impacto de todas essas mudanças no seu escritório pode ser positivo ou negativo. Na prática, só depende de você! Mas lembre: encarar mudanças de tal magnitude fazendo o mesmo de sempre não trará resultados diferentes. Albert Einstein já dizia que "loucura é querer resultados diferentes fazendo tudo exatamente igual". Ou seja, você deve pensar e agir diferente. Hoje e sempre. Qual a solução? 

Uma boa fatia da solução certamente reside na adoção da gestão profissional pelos escritórios de advocacia. O investimento efetivo nas várias disciplinas oriundas do universo da administração é essencial para garantir o sucesso do seu escritório no admirável e inevitável mundo novo da advocacia empresarial. Sendo ainda mais específico, podemos destacar duas disciplinas que têm sido extremamente negligenciadas pelos escritórios brasileiros. Uma delas é a tecnologia da informação. Todo escritório moderno tem rede, computadores desktop, notebooks, smartphones, correio eletrônico, acesso com banda larga à internet etc. Com certeza não é muito diferente no seu escritório. Tudo isso é, sem dúvida alguma, muito importante, mas não se traduz em diferenciais competitivos. Acima de tudo, é mandatório integrar todas as informações existentes sobre o seu escritório em sistemas tecnológicos, de modo a gerar inteligência para uma melhor tomada de decisão e gestão do negócio. Esse é um dos melhores caminhos para você desenvolver fortes diferenciais perante os seus concorrentes.

A outra disciplina que merece a nossa atenção é o marketing, geralmente a mais incompreendida de todas. É mais do que chegado o momento de encararmos o marketing como algo além de brochuras, informativos, anúncios, sites, patrocínios etc. Marketing é, pode e deve ser muito mais. Deve ser estratégico e orientado ao desenvolvimento de relacionamentos duradouros e mutuamente proveitosos com clientes, clientes em potencial e o mercado com vistas à geração de oportunidades e novos negócios. Sendo bastante franco, a ausência de marketing estratégico simplesmente limita o futuro do seu escritório.

Mais do que investir em gestão profissional, é fundamental enfrentar um dos gargalos característicos dos escritórios brasileiros: a falta de planejamento. É muito difícil garantir a continuidade de um negócio em um mercado complexo e intensamente dinâmico. Você deve repensar o seu escritório regularmente para sempre estar em sintonia com o mercado. Para tanto, adote o seguinte mantra: planejar e executar, planejar e executar, planejar e executar.

Seja bem-vindo(a) ao admirável e inevitável mundo novo da advocacia empresarial.

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    é sócio da Gonçalves & Gonçalves Marketing Jurídico e especialista em marketing para advogados e escritórios de advocacia. Pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, é autor do blog marketingLEGAL e do pioneiro estudo “O Estado do Marketing Jurídico na América Latina”.

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