Território ocupado

Israel pode julgar crime cometido na Palestina, diz PGR

Autor

15 de fevereiro de 2009, 9h03

A Procuradoria-Geral da República deu parecer favorável à extradição do israelense Elior Noam Hen, que mora no Brasil e é acusado de abuso e violência contra menor e conspiração para cometer crime, delitos previstos na Lei Penal Israelense. A questão ganhou relevância porque o suposto crime praticado contra crianças israelenses aconteceu na cidade de Beitar Illit, território que hoje é administrado pela Palestina, mas à época, estava sob ocupação militar de Israel.

No pedido de extradição, Israel acusa Hen de submeter crianças israelenses a sofrimento físico e mental sob o argumento de que estes seriam métodos de purificação e de castigo. Elas estariam possuídas pelo demônio. Atualmente, ele está preso na Superintendência Regional da Polícia Federal de São Paulo.

O julgamento da Extradição no Supremo Tribunal Federal começou em dezembro de 2008. Apenas o ministro Carlos Britto (relator) votou, a favor da extradição. Para ele, a nacionalidade do réu e das vítimas já autorizaria a Justiça de Israel a cuidar do caso. Britto também registrou em seu voto que a comunidade internacional ainda não reconhece a Palestina como Estado soberano, embora tenha autonomia administrativa.

O advogado Paulo Lavigne, que defende Hen, sustenta que Israel não tem mais competência jurisdicional em território ocupado. Portanto, o pedido deve ser indeferido.

Depois de muitas discussões, os ministros decidiram converter o julgamento em diligência para que o Estado de Israel, o Itamaraty e a Procuradoria-Geral da República se manifestassem até essa quinta-feira (12/2). Israel e Itamaraty só entregaram os documentos na tarde dessa sexta-feira (13/2). A Consultor Jurídico teve acesso a apenas o parecer da PGR, assinado pela subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques. A Procuradoria se manifestou no mesmo sentido do voto do relator. Segundo ela, o inquérito policial foi conduzido pela Polícia de Israel e os mandados de prisão foram expedidos pelo Tribunal de Magistrados de Jerusalém, cuja jurisdição abrange Beitar Illit.

Cláudia explica que a cidade é “um assentamento oficial israelense ultraortodoxo, isto é, integra o Estado israelense, submetendo-se às suas leis, jurisdição e administração política”. Em relação ao argumento de que a Palestina não é reconhecida como Estado soberano, afirmou que cabe à Presidência da República a análise de questões relacionadas à relação com Estados estrangeiros.

Precedente

Durante o julgamento, em dezembro, o ministro Celso de Mello lembrou do julgamento de três pedidos de extradição de um mesmo réu, feitos pela Áustria, Polônia e Alemanha. O réu era o austríaco Franz Paul Stangl, ex-oficial do exército nazista, acusado por crimes de homicídio em massa e genocídio em campos de extermínio comandados por ele em Hartheim (Áustria), Sobibór e Treblinka (ambos na Polônia). Ele foi preso em março de 1967, em São Paulo, onde residia e trabalhava, sem jamais ter mudado de nome.

Ao analisar o pedido, os ministros descartam a extradição para a Polônia porque lá havia a pena da morte. Entre os outros dois pedidos restantes, os ministros decidiram aceitar primeiro o pedido da Alemanha porque a legislação austríaca não permitia a extradição de nacionais. Ele deveria ir para a Alemanha e depois para a Áustria. Em 1970, ele foi condenado a prisão perpétua pelo Judiciário alemão, contrariando dispositivo do mandado de extradição, que não previa esta possibilidade. No ano seguinte, porem, Stangl morreu na prisão de insuficiência cardíaca.

EXT 1.122

Leia o parecer

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Nº 10788/CS

EXTRADIÇÃO Nº 1.122

REQUERENTE: GOVERNO DE ISRAEL

EXTRADITANDO: ELIOR NOAM HEN OU ELIYAHU ABU HAZERA

RELATOR: Ministro Carlos Britto

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em atenção ao Ofício nº 1.143, de 19 de dezembro de 2008, proveniente dessa Corte, vem se manifestar sobre a competência jurisdicional do Estado de Israel para processar e julgar os fatos delituosos ocorridos em território alegadamente administrado pela Autoridade Nacional Palestina.

2. O processo de extradição é um ato de cooperação jurídica internacional em matéria penal que consiste basicamente na entrega de uma pessoa acusada ou condenada por um ou mais crimes ao Estado que a reclama.

3. É pertinente frisar que a cooperação jurídica internacional representa uma garantia da soberania dos países. Isso porque, quando um Estado presta cooperação jurídica a outro, poderá exigir reciprocidade em relação a casos análogos, fazendo com que a sua própria jurisdição penal tenha reflexos em um outro território[1].

4. Decorrência direta do sistema de cooperação jurídica é a aplicação dos princípios da boa-fé internacional e da presunção de veracidade à formulação de um pedido de extradição.

5. Significa dizer que meras suposições ou alegações por parte da defesa do extraditando, quando desprovidas de elementos comprobatóri­os, não têm o condão de desqualificar um pedido de extradição.

6. No caso em análise, o Ministério Público Federal renova seu entendimento de que o Estado de Israel detém competência jurisdicional para processar e julgar os atos criminosos atribuídos a ELIOR NOAM HEN.

7. Os documentos juntados à Nota Verbal TC/028/101.3 demonstram que o inquérito policial foi conduzido pela Polícia de Israel e que os mandados de prisão foram expedidos por autoridade judicial israelense, no caso, o Tribunal de Magistrados de Jerusalém, cuja jurisdição abrange a cidade de BEITAR ILLIT, local onde os delitos ocorreram.

8. Conforme se mencionou, a cidade de BEITAR ILLIT é um assentamento oficial israelense ultraortodoxo, isto é, integra o Estado israelense, submetendo-se às suas leis, jurisdição e administração política.

9. Tanto é assim que, após a construção do chamado “Muro de Separação”, BEITAR ILLIT será incorporada ao território israelense.

10. Evidenciada, portanto, a competência jurisdicional do Estado de Israel, não há qualquer óbice para o deferimento parcial do pedido de extradição.

11. Por fim, reafirma-se que compete privativamente ao Presidente da República a análise de questões atinentes às relações com Estados estrangeiros, inclusive quanto ao reconhecimento ou não de novos países, sob pena de ofensa ao princípio da Separação de Poderes (art. 84, VII, Constituição Federal).

12. Ante o exposto, o Ministério Público Federal reitera seu entendimento de que o Estado de Israel possui competência jurisdicional para processar e julgar os delitos imputados ao extraditando ELIOR NOAM HEN.

Brasília, 11 de fevereiro de 2009.

CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES

SUBPROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA

APROVO:

ANTONIO FERNANDO BARROS E SILVA DE SOUZA

PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA


 

[1] MADRUGA FILHO, Antenor P.; CHAGAS, Cláudia. M. F.. Importância dos Acordos de Cooperação Jurídica Internacional para o Eficaz Combate ao Crime Organizado Transnacional, in Boletim do Ministério da Justiça, v. 51, p. 325-411, 2006.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!