Inocente até o fim

STF acertou ao confirmar presunção da inocência

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14 de fevereiro de 2009, 4h33

Se a pena de morte fosse prevista no Brasil, a execução aconteceria antes do trânsito em julgado da condenação? A pergunta-reflexão é do advogado criminalista Nilo Batista, um dos mais respeitados no Brasil. Para ele, o Supremo Tribunal Federal teve bom-senso ao permitir o cumprimento da pena só após o fim do processo, já que existe no Brasil o princípio constitucional da presunção de inocência. De acordo com o advogado e professor de Direito Penal, havia um mau hábito de se considerar que os recursos especiais e extraordinários não tinham efeitos suspensivos.

Além de Nilo Batista, outros advogados e especialistas consultados pela Consultor Jurídico não vislumbraram na decisão do STF uma brecha para que inúmeros presos deixem a prisão. O que houve, segundo eles, foi uma confirmação do princípio da presunção de inocência ou – como preferem alguns – princípio da não culpabilidade.

"Não se pode confundir presunção de inocência com impunidade. Esta é causada pela demora no julgamento definitivo, não pela presunção de inocência. O ideal seria que os processos durassem de um a quatro anos, não mais nem menos que isso. Se todos os julgamentos definitivos ocorressem nesse período, ninguém falaria em impunidade ou se incomodaria com a presunção de inocência”, afirmou o professor de Processo Penal da FGV Direito Rio, Thiago Bottino. Nilo Batista concorda. Para ele, utilizar o argumento da impunidade não serve já que se aplicara a qualquer questão jurídica

O juiz da Vara de Execuções Penais do Rio, Rafael Estrela, sequer estranhou a decisão. “O Supremo sempre teve a orientação — e a meu ver não está errada, porque se baseia na Constituição Federal — que se é inocente até que se prove o contrário. Há um princípio constitucional que é o da presunção de inocência. Não enxerguei nenhuma revolução, nenhuma mudança”, afirmou. Segundo Estrela, há sempre a possibilidade de o juiz analisar o caso e decidir pela manutenção da prisão preventiva. “Tem de fundamentar e isso também está na Constituição”, constata.

No dia 5 de fevereiro, por sete votos a quatro, os ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que a execução da pena não pode começar enquanto houver recursos pendentes de julgamento. A decisão foi embasada no inciso LVII, do artigo 5º, da Constituição Federal, que trata da presunção de inocência.

Direito comparado

A presunção de inocência é citada por tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção Européia de Direitos Humanos, Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e Convenção Americana de Direitos Humanos. “Considerando que a maioria dos países ocidentais está submetida a um desses pactos internacionais ou a mais de um, é possível afirmar, mesmo sem pesquisar detidamente a Constituição de cada um, que em todos eles há presunção de inocência. Os Estados Unidos são exceção, pois nunca assinam tratados internacionais, menos ainda os de direitos humanos”, afirma o professor Thiago Bottino.

O advogado lembra que os EUA são o país com a maior taxa de encarceramento por habitante. “Superam até a ditadura chinesa e a cubana. Não são, portanto, o melhor exemplo de país para se comparar”, constata. De acordo com a Associated Press, um estudo revelou que a cada 100 americanos mais de um está em na cadeia. O relatório também mostra que os gastos com os presos no último ano chegaram a US$ 49 bilhões.

O problema já começa a chamar a atenção de autoridades americanas. Três juízes da Califórnia, revela o jornal New York Times, decidiram que o estado deve reduzir em cerca de 55 mil o número de presos no estado para garantir um nível mínimo de cuidados com a saúde dos detentos. Para isso, propõe medidas para que os condenados a até três anos de prisão sejam transferidos para os condados ou que haja redução da pena para os que têm bom comportamento.

Segundo um estudo dos procuradores Luiza Frischeisen, Mônica Nicida e Fábio Gusman sobre o assunto, quase todos os países interpretam “a presunção da inocência de modo a compatibilizá-la com a necessidade de efetividade estatal na resposta ao crime”. De acordo com os integrantes do Ministério Público Federal, em países como Argentina, Portugal, Espanha, Alemanha, França, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra, a execução da pena não é aguardada enquanto há ainda recursos pendentes. Neste último, os procuradores afirmam que há possibilidade de se pagar fiança para que se responda o processo em liberdade, mas o direito não é assegurado em todos os casos.

“A Constituição é da República Federativa do Brasil. Vige aqui e não lá”, afirmou o criminalista Luís Guilherme Vieira. Para ele, se querem que isso mude, que se convoque uma Assembléia Constituinte.

“Creio que a grande diferença está no sistema de recursos de cada país. Nem todos possuem um tribunal como o STJ, cujo objetivo é uniformizar a jurisprudência dos tribunais dos estados ou os tribunais regionais”, afirma o professor Thiago Bottino. O advogado lembra que o acesso à Suprema Corte em outros países é muito restrito. “Assim, o trânsito em julgado ocorre mais depressa.”

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