Conversa franca

Ministro desiste de regra que cria obstáculo para advogados

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14 de fevereiro de 2009, 21h29

O ministro Carlos Britto, do Supremo Tribunal Federal, decidiu retirar sua assinatura da proposta de emenda ao Regimento Interno da corte, que fixa regras para que os ministros recebam advogados em seu gabinete. O texto da proposta estabelece que “nenhum ministro é obrigado a receber parte ou advogado, senão na presença do advogado da parte contrária, ou, quando seja o caso, do representante do Ministério Público”.

De acordo com Britto, os argumentos que ouviu de advogados contra a proposta o fizeram rever sua posição. Segundo o ministro, a intenção nunca foi criar obstáculos. “A ideia era a de discutir um novo modo de recebimento de advogados, na linha do que acontece na Justiça norte-americana, numa tentativa de racionalizar os procedimentos e garantir isonomia ao processo”, disse o ministro à revista Consultor Jurídico neste sábado (14/2).

Contudo, o ministro, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral, disse que advogados mostraram a ele os pontos negativos do projeto e o fizeram perceber que ele traz muitos inconvenientes. Um deles é a operacionalização das audiências. Advogados ponderaram que, em alguns casos, bastaria o patrono da parte contrária não comparecer para que não houvesse audiência. Ou seja, a parte que agiu de boa-fé seria prejudicada.

Outro inconveniente reside no fato de que, na maioria dos processos, as partes são de estados diferentes. “Seria difícil conciliar a vinda de dois advogados de estados diferentes para que estejam no mesmo dia e na mesma hora no gabinete do ministro”, afirmou Britto.

“De inconveniente em inconveniente, decidi retirar minha assinatura da proposta. Comuniquei minha decisão ao ministro Gilmar Mendes na sexta-feira (13/2) e continuarei recebendo advogados como vinha fazendo até agora”, disse o ministro. De acordo com avaliação dos próprios advogados, ouvidos em pesquisa para o Anuário da Justiça 2009, que será publicado em março, o ministro Carlos Britto é um dos que melhor os recebe no Supremo Tribunal Federal.

Proposta polêmica

Na quinta-feira (12/2), o ministro Marco Aurélio, presidente da Comissão de Regimento Interno, disse que a repercussão negativa deve fazer com que seus colegas recuem da iniciativa. Conforme revelou a ConJur na semana passada, sete dos 11 ministros haviam assinado a proposta. Como o ministro Britto retirou a assinatura, restaram seis: Cezar Peluso, Cármen Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Menezes Direito e Ricardo Lewandowski.

A proposta deve passar pela Comissão de Regimento Interno antes de ser aprovada em sessão administrativa com todos os integrantes. Para ser aprovada, a mudança, que inclui o artigo 20-A no Regimento Interno do Supremo, precisa ter seis votos favoráveis.

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, afirmou na terça-feira (10/2) que compreende as razões que levaram seus colegas a subscrever a proposta que desobriga os ministros de receber advogados sem a presença da parte contrária, mas não vai subscrevê-la. “O importante é que todos possam ter a possibilidade de acesso ao juiz do Supremo”, disse.

O ministro ressaltou que não critica a iniciativa, mas não acha necessário corroborá-la porque não alterará seu modo de atender aos pedidos de audiências. “Recebo abertamente em meu gabinete todos os advogados e representantes do Ministério Público que me procuram. E esse é um sistema que, no que me concerne, não tem revelado qualquer tipo de constrangimento ou de comportamentos inoportunos ou inadequados.”

Celso de Mello afirmou que, a rigor, o advogado nem precisaria solicitar audiências. “A lei dá aos advogados a prerrogativa de simplesmente chegar ao gabinete e serem atendidos. Mas a agenda sobrecarregada exige que marquemos horário para poder atendê-los”, disse.

Já o ministro Ricardo Lewandowski explicou, na segunda-feira (9/2), que a regra não fará com que ele mude a forma de tratar ou receber os advogados. “O Supremo não está criando obstáculos para receber os advogados. Está fazendo valer o princípio processual da paridade de armas. Eu garanto que não mudarei os procedimentos que sempre adotei para atender advogados”, disse.

Lewandowski defendeu a mudança e lembrou que o Supremo não está criando uma regra sem precedentes. Ele citou o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos e da Câmara de Lordes da Inglaterra, onde a regra é a parte adversária sempre ser ouvida.

No caso do Supremo, diz o ministro, essa nem deverá ser a regra. “Os ministros apenas terão a discricionariedade, garantida pelo regimento, de chamar à audiência a parte contrária”, disse. Lewandowski lembra que é um dos deveres do juiz suprir as deficiências da parte em desvantagem e garante que esse é o principal motivo da proposta.

Reação da advocacia

A advocacia não recebeu bem a notícia de que o Supremo pretende incluir a emenda ao Regimento interno e reagiu. A Associação dos Advogados de São Paulo, o Conselho Federal e as seccionais fluminense e paulista da Ordem dos Advogados do Brasil se colocaram contra a medida. A avaliação geral é a de que a medida deve dificultar as audiências.

Advogados temem, principalmente, o efeito dominó que a atitude dos ministros pode causar porque sabe-se que é mais fácil ter acesso à cúpula da Justiça do que a muitos juízes de primeira instância. E os juízes poderiam se sentir incentivados com o exemplo do Supremo e dificultar ainda mais as conversas com advogados.

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