A política e o STF

Eliminar vitaliciedade de ministro representa risco

Autor

13 de fevereiro de 2009, 11h41

Em seguidas manifestações durante o recesso parlamentar, o deputado federal Flávio Dino (PC do B-MA) afirmou que encaminhará proposta de emenda constitucional com o objetivo de estabelecer mandato para os ministros do Supremo Tribunal Federal. O prazo seria de 11 anos, sem direito a reeleição. Também mudaria a forma de ascensão: além do presidente da República, Senado e Câmara iriam nomear os membros da Suprema Corte.

O parlamentar argumenta que o STF “tem se tornado órgão político” e “tem feito normas, por meio das súmulas vinculantes”. Afirma, ainda, que “tem que haver uma alternância para quem exerce tarefa política”. O ex-magistrado afirma que vários países adotam o modelo proposto e lembra que o Supremo Tribunal da Alemanha fixa o prazo de 12 anos para cada um dos seus oito ministros.

Entre nós já existe um limitador natural, que é a idade de 70 anos, o que não existe no Legislativo, no qual a possibilidade de permanência é ilimitada. Importante lembrar que emenda constitucional com o conteúdo preconizado estaria fadada a trazer para a sociedade mais uma norma inconstitucional, na dinâmica prevista no artigo 60, parágrafo 4º, incisos III e IV, da Constituição Federal.

A iniciativa conta com apoio de setores importantes no cenário jurídico, como o presidente da OAB, Cezar Britto. O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros chegou a se manifestar sobre o tema, com base em pesquisa realizada pela entidade. Porém, sem debate mais profundo com a classe.

Não obstante os argumentos utilizados, a ideia de um Supremo atrelado apenas a injunções políticas causa profundo receio. Eliminar garantias constitucionais duramente alcançadas, como a vitaliciedade, é enorme risco -basta olhar nossos vizinhos, onde tais instrumentos são utilizados para aniquilar o Estado de Direito. O sistema de repartição dos Poderes existente na Constituição se assenta na necessidade de um Judiciário verdadeiramente forte e independente. A vitaliciedade é uma das poucas garantias efetivas do magistrado para que ele possa julgar com imparcialidade plena, muitas vezes contrariando os detentores de poderes político e econômico.

Evidentemente o espírito do constituinte foi o de trazer equilíbrio ao Estado Democrático de Direito. Delineou características distintas aos membros de cada um dos Poderes. Assegurou, por exemplo, imunidades aos parlamentares que não se estendem aos ocupantes dos outros Poderes. Também o Executivo possui funções que lhe são intrínsecas. É preocupante que uma alteração tão substancial, que certamente diminuirá a independência dos julgadores, seja aventada sem profunda análise das perigosas consequências.

A atuação política apontada pelo parlamentar como suporte à pretendida alteração constitucional não possui o alcance que se pretende dar. O ministro do STF não exerce a imaginada atividade legislativa, nem mesmo quando cria súmula vinculante. A interpretação das leis e normas constitucionais e a correlata prolação de decisões de grande repercussão é tarefa que exige predicados próprios dos magistrados, especialmente dos julgadores da Corte Suprema.

A afirmação de que o sistema é adotado na Alemanha não significa necessariamente que seja o melhor modelo para o Brasil. São países que apresentam características distintas, como estabilidade político-institucional, dimensões territoriais e aspectos culturais. Poder-se-ia apresentar como réplica a forma de composição da Suprema Corte dos EUA, que em muito se assemelha ao perfil da nossa. Entretanto, os contornos dados pela Constituição brasileira possuem elementos próprios, oriundos das aspirações de nosso povo e captados pelo legislador constituinte de 1988 após profundos debates.

Em verdade, o caminho deve ser oposto ao sugerido, pois, como consequência, poderá vir a pretensão de abolição da vitaliciedade para o restante da magistratura, sonho de todos os que almejam poderes totalitários. É preciso lutar para que os Poderes se fortaleçam. Seria altamente produtivo para a sociedade e para o Estado Democrático de Direito que ocorresse um debate amplo para buscar soluções sobre como evitar, por exemplo, a edição desenfreada de medidas provisórias, um problema que muitas vezes tira do Legislativo uma atividade que lhe é primordial.

No Judiciário, é imperioso criar mecanismos de combate à abominável morosidade na tramitação dos feitos. Sem atacar as verdadeiras causas dos problemas, persistirão as apontadas discrepâncias entre os Poderes e as correlatas dificuldades para o exercício pleno de suas funções.

Artigo publicado na edição desta sexta-feira (13/2) do jornal Folha de S. Paulo.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!