Regra morta

STF irá recuar sobre norma para receber advogado

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11 de fevereiro de 2009, 21h19

A norma que cria obstáculos para recebimento de advogados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal deve ser abortada. Segundo o ministro Marco Aurélio, presidente da Comissão de Regimento Interno, a repercussão negativa deve fazer com que os seus dois colegas de comissão — Cármen Lúcia e Cezar Peluso — recuem da iniciativa. “Eles caíram em si”, afirma.

Conforme revelou a Consultor Jurídico, na semana passada, sete dos 11 ministros subscreveram proposta de emenda regimental com o seguinte teor: “Nenhum ministro é obrigado a receber parte ou advogado, senão na presença do advogado da parte contrária, ou, quando seja o caso, do representante do Ministério Público”.

A proposta deveria passar pelo Comissão de Regimento Interno antes de ser aprovada em sessão administrativa com todos os integrantes. Inicialmente, a ideia tinha o apoio dos ministros Cezar Peluso, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Carlos Britto. Para ser aprovada, a mudança, que inclui o artigo 20-A no Regimento Interno do Supremo, precisa ter seis votos favoráveis.

Nesta quarta-feira (11/2), em sessão administrativa, os ministros também chegaram a discutir a possibilidade de o relator apresentar os votos aos colegas antes das sessões. A nova iniciativa foi descartada de pronto pelo ministros. “Em 40 anos de magistratura nunca fiz. Não aceitarei adiantar os meus votos. No Supremo, temos que observar os princípios”, afirma Marco Aurélio.

Já a iniciativa de criar normas que podem restringir o acesso dos advogados aos ministros foi criticada por ex-ministros do próprio Supremo e por advogados. O advogado Carlos Velloso, ministro aposentado que presidiu o Supremo entre 1999 e 2001, disse que a preocupação dos ministros com o contraditório e o equilíbrio processual é compreensível, mas vai além do que dispõe o Estatuto da Advocacia.

“Eu compreendo os bons propósitos da corte, no sentido de estabelecer o contraditório no encontro, mas a regra se choca com o que determina o estatuto dos advogados”, afirmou. “A lei assegura o encontro do advogado com o juiz sem nenhuma formalidade”, ressalta Carlos Velloso.

O advogado Maurício Corrêa, também ministro aposentado que presidiu o tribunal por um ano entre 2003 e 2004, considera que o acúmulo de processos faz com que os ministros estejam cada vez mais sobrecarregados. E isso motiva a criação de soluções para aproveitar melhor o tempo. “Se os ministros se dedicassem a conceder audiências na mesma medida em que são procurados, ficaria muito difícil o exercício da atividade julgadora”, afirma.

Contudo, para Corrêa, se por um lado a proposta faz com que os ministros não deixem de cumprir a lei, por outro cria imensas dificuldades para que as audiências sejam feitas. “O ideal é criar um critério que atenda à falta de tempo e se conforme melhor à exigência legal”, opina. Do jeito que está proposta, a mudança pode “inviabilizar as audiências”.

Já o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, afirmou que compreende as razões que levaram seus colegas a subscrever a proposta que desobriga os ministros de receber advogados sem a presença da parte contrária, mas não vai subscrevê-la. “O importante é que todos possam ter a possibilidade de acesso ao juiz do Supremo”, disse o ministro.

Celso de Mello ressaltou que não critica a iniciativa, mas não acha necessário corroborá-la porque não alterará seu modo de atender aos pedidos de audiências. “Recebo abertamente em meu gabinete todos os advogados e representantes do Ministério Público que me procuram. E esse é um sistema que, no que me concerne, não tem revelado qualquer tipo de constrangimento ou de comportamentos inoportunos ou inadequados.”

O ministro Ricardo Lewandowski explicou que a regra não fará com que ele mude a forma de tratar ou receber os advogados. “O Supremo não está criando obstáculos para receber os advogados. Está fazendo valer o princípio processual da paridade de armas. Eu garanto que não mudarei os procedimentos que sempre adotei para atender advogados”, disse Lewandowski.

O ministro Lewandowski defendeu a mudança e lembrou que o Supremo não está criando uma regra sem precedentes. Ele citou o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos e da Câmara de Lordes da Inglaterra, onde a regra é a parte adversária sempre ser ouvida.

Para o secretário-geral da Ordem dos Advogados do Brasil, Alberto Zacharias Toron, a regra favorecia quem aposta na falta de informações para conseguir vitórias no STF. "Se uma parte não quiser que a situação seja esclarecida, basta não comparecer à reunião com o ministro, para que a outra parte também não seja recebida”, disse.

A prática dos advogados de visitar os julgadores em seus gabinetes para esclarecer dúvidas sobre os processos é comum. “No Supremo, todos os ministros me recebem normalmente, com exceção do ministro Joaquim Barbosa”, conta Toron. A atitude de Barbosa já é famosa — e bastante questionada — entre os advogados.

Na opinião do presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, a proposta “fere de morte o Estatuto da Advocacia” por criar dificuldade de acesso aos ministros. “É uma atitude de desrespeito à advocacia, e lamentável”, disse ele. O que surpreende, segundo o presidente da seccional, é o fato de essa atitude vir justo do STF, onde muitos dos ministros são considerados acessíveis.

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