Presunção de impunidade

Sociedade está surpresa com mudanças no Supremo

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10 de fevereiro de 2009, 8h39

A sociedade foi surpreendida por uma mudança substancial na jurisprudência: por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal determinou que, para alguém ser preso, o processo tem que percorrer todas as instâncias, até chegar ao STF.

O Supremo tem chamado para si medidas tidas como destinadas a suprir omissões de outros poderes, como a vergonhosa situação do sistema carcerário. Mas não são os presos por "crimes de bagatela", como furtos de escova de dentes e de chinelos, lembrados pelo ministro Celso de Mello, que entopem os tribunais de recursos. Tem faltado ao Judiciário disposição para conter a avalanche de recursos protelatórios em benefício de réus que podem contratar bons advogados.

O princípio da presunção de inocência está na Constituição desde 1988, mas a grita pelo respeito ao cidadão ganhou eco quando advogados criticaram, no ano passado, os excessos da Polícia Federal.

Vieram, então, a "Súmula das Algemas" e outras medidas que motivaram resistências da corporação policial, do Ministério Público Federal e de juízes do primeiro grau. O que surpreendeu no julgamento da última quinta-feira foi o alerta de ministros do próprio STF, talvez preocupados com os efeitos do passo dado pela corte. Joaquim Barbosa advertiu para a criação de um sistema penal de "faz-de-conta", em que o processo jamais chegará ao fim. Foram também votos vencidos os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ellen Gracie.

Em 2005, a ex-presidente do STF já afirmara que "em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa, aguardando referendo da Corte Suprema". Estudo do MPF, que analisou a execução da pena em Portugal, Espanha, França, Inglaterra, EUA e Alemanha, confirma o que disse a ministra.

Brasília parece ter ficado mais distante do país real. A sociedade aplaudiu quando a Justiça Federal condenou responsáveis pela monumental lavagem de dinheiro no caso Banestado. E quando o inquérito do mensalão resultou em Ação Penal contra parlamentares da base de apoio do governo Lula.

É preocupante a reação dos juízes desses dois casos. "É um retrocesso. A sensação de impunidade vai aumentar", diz o juiz federal Jorge Gustavo Macedo Costa (mensalão). "Estou me questionando, como juiz criminal, se vale a pena dar impulso a ações penais em relação a crimes de colarinho branco, já que, de antemão, sei que estão fadadas ao fracasso", diz Sergio Fernando Moro (Banestado).

Embora a decisão do STF seja "juridicamente sustentável" (segundo Costa) e "juridicamente razoável" (segundo Moro), a bandidagem de alto calibre -e seus defensores- devem estar exultantes.

[Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo, em 10/2/2009].

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