Condenação suspensa

STF anula julgamento feito só por juízes convocados

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28 de dezembro de 2009, 18h18

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, determinou a nulidade de julgamento de uma das câmaras extraordinárias (11ª Câmara Criminal “B”), do Tribunal de Justiça de São Paulo. Motivo: a turma julgadora era formada exclusivamente por magistrados de primeiro grau convocados. O ministro atendeu pedido da defesa e reconheceu que a decisão dada pela turma julgadora se caracterizou como flagrante violação do princípio do juiz natural e do duplo grau de jurisdição.

“Segue em fita magnética fundamentação. A liminar é deferida para suspender, até a decisão final deste habeas corpus, a eficácia de condenação imposta ao paciente no Processo 171/04 da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santos. Lancem no sistema. Tomem as providências cabíveis”, afirmou o ministro no despacho.

A jurisprudência sobre a legalidade desse tipo de convocação tem sido motivo de polêmica, uma vez que existem entendimentos diferentes sobre a questão no Supremo Tribunal Federal e em outros tribunais. Não há uniformidade se as turmas extraordinárias (formadas por juízes de primeiro grau) viola ou não regras estabelecidas na Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e a LC nº 646/90 (norma paulista que criou 60 cargos de juiz substituto de segundo grau para atual na corte estadual). O ministro Marco Aurélio enviou ofícios ao STJ, à corte paulista e ao juiz da 4ª Vara Criminal de Santos comunicando sua decisão cautelar.

A decisão assegurou, temporariamente até o julgamento de mérito do Habeas Corpus, o direito do acusado não cumprir a pena imposta que Tribunal de Justiça de São Paulo. O ministro entendeu que, a princípio o julgamento feito pela corte paulista pode ter ferido os princípios constitucionais que asseguram que não haverá tribunal de exceção e de que ninguém poderá ser processado e sentenciado senão por autoridade competente.

O Habeas Corpus foi apresentado ao STF pelo advogado Ricardo Ponzetto a favor de um moto-boy. Ele foi condenado pela Justiça de Santos (no Litoral paulista) a pena de dois anos de reclusão por porte ilegal de arma (Lei nº 10.826/06 – Estatuto do Desarmamento). Ele portava um revólver calibre 38, de uso permitido. A sentença de primeira instância foi confirmada pela 11ª Câmara Criminal “B”. A defesa alega que o julgamento deve ser nulo porque a turma julgadora era formada exclusivamente por magistrados de primeiro grau.

Para a defesa, seria manifesta a violação do princípio do juiz natural e do duplo grau de jurisdição. No pedido apresentado ao STF, o advogado destacou que apesar de louvável a intenção do Tribunal de Justiça de São Paulo na tentativa de debelar a enxurrada de processos que se estocam nos cartórios aguardando providências, os fins perseguidos pela corte paulista não justificam os meios usados pelo tribunal para dar celeridade aos julgamentos dos recursos.

A câmara que julgou a apelação era formação, de acordo com a defesa, com exceção do seu presidente, por juízes convocados. A turma julgadora reconheceu do recurso e negou provimento, mantendo a condenação imposta pelo magistrado de primeiro grau.

“O Judiciário, instituição democrática, que possui por obrigação a composição de lides e a pacificação social, deverá atender às regras da Carta Republicana, que determina que não haverá tribunal de exceção e que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, afirmou o advogado em seu pedido ao STF.

Segundo a defesa, a convocação dos juízes não se deu por meio de sorteio ou concurso de remoção, como manda os artigos 117 e 118 da Loman. Ao contrário, os magistrados das câmaras extraordinárias assumiram os cargos por um sistema voluntariado o que, no entendimento da defesa, tornaria nula a atuação e decisão, proferida por juízes de primeiro grau no julgamento de recursos de apelação.

A defesa ainda sustentou que o magistrado convocado, que atuou como relator do recurso, sequer seria lotado em uma das varas as da comarca da capital, sendo apenas juiz da comarca de Guarulhos. Esse quadro, na opinião do advogado, não apenas fere o princípio do juiz natural, mas ainda os artigos 93, 94 e 98 da Constituição Federal – que tratam de matérias como disposição, atuação e convocação de magistrados.

Há julgadores dos tribunais superiores que entendem que a convocação não ofende o princípio do juiz natural, desde que seja feita nos casos de afastamento eventual do desembargador titular. Outra ressalva para a convocação é que respeite as regras federais ou estaduais. A questão é que, no caso específico da corte paulista, o tribunal convocou juízes de primeiro grau para formação de câmaras julgadoras por meio de um sistema de voluntariado, sem a observância da regra legal instituída, ou seja: a de realização de concurso de remoção.

No TJ paulista, portanto, sobrevivem dois modelos de convocação de juízes. Uma se dá de acordo com a Lei Complementar Estadual 646, de 8 de janeiro de 1990, que criou o sistema de substituição dos desembargadores por juízes de primeiro grau convocados. A outra é por edital interno, em que os magistrados são convidados a colaborar e se apresentam voluntariamente.

No primeiro caso, estão hoje dezenas de magistrados (eles já foram 303 juízes, que são conhecidos como “bagrinhos”). Para neutralizar qualquer tentativa de nulidade do julgamento, o presidente da câmara extraordinária – que é um desembargador – participa das decisões de todos os recursos.

No segundo caso, estão os 78 juízes substitutos em segundo grau (conhecidos como “pingüins”, por conta da toga usada para diferenciar dos desembargadores), que completam a composição das câmaras regularmente constituídas do tribunal. Nesses casos, há um ou no máximo dois juízes por câmara que tem maioria de desembargadores.

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