Dados precisos

Meta 2 mirou no que viu e acertou o que não viu

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

28 de dezembro de 2009, 10h04

[Artigo publicado originalmente no Blog do Noblat]

Ao contrário do que em geral se acredita, não existe um só responsável pela lentidão e alto custo da Justiça. No Poder Judiciário, os magistrados evidentemente são os responsáveis mais visíveis. Mas existem muitos outros. Muitos até hoje invisíveis. Mas que começam a ficar visíveis.

“Uma grande quantidade, talvez mais de 20% dos quase 4 milhões e meio de processos distribuídos até 2005 e que até agora estavam aguardando uma decisão de mérito, estavam parados não por inação do juiz ou do serventuário. Mas porque as partes perderam o interesse por algum motivo. Abandonaram o processo”, afirma uma das maiores especialistas em gestão do Judiciário, a desembargadora Leila Mariano, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e professora do Mestrado da FGV Direito Rio.

E comenta: "Esses processos ficam parados no arquivo provisório. Mesmo parados, representam custos. Engarrafam a administração. É proporcionalmente grande a quantidade. Agora os tribunais estão despachando-os e arquivando-os. Se mais tarde as partes quiserem movimentá-los, podem pedir seu desarquivamento. Haverá grande diferença nas estatísticas judiciais e nos custos de gestão dos processos. Com impacto no orçamento dos tribunais".

Basta pensar que em janeiro de 2009, os processos com distribuição anterior a 31/12/2005, no Estado do Rio de Janeiro, eram mais de 900 mil. Custo médio de aproximadamente R$ 150 por mês cada um, segundo a desembargadora Leila Mariano. Estamos falando em mais de R$ 135 milhões por mês. O simples fato de os juízes limparem suas estantes gerará essa enorme economia.

Em outras palavras, administrar é um serviço público cuja eficiência não depende apenas dos magistrados e serventuários. Depende também de como e para quê os usuários, as partes, os advogados e o Ministério Público usam e eventualmente abusam desse serviço.

Como sempre lembra a ministra Ellen Gracie, existe um sistema nacional de justiça. E desse sistema vários participam e vários são os responsáveis. Ou seja, vários podem provocar a lentidão e elevar custos, e vice versa. O Ministério Público, os advogados, os legisladores, e cada dia mais evidente, as partes inclusive: os cidadãos e as empresas.

Outra consequência do tremendo esforço que o Poder Judiciário está fazendo para alcançar a famosa Meta 2 (julgar até dezembro de 2009 todos os processos distribuídos até final de 2005) é também apontada por Leila Mariano.

A Meta 2 está provocando uma revisão e correção das estatísticas. Após a uniformização das tabelas processuais pelo CNJ, muitos processos mudaram de categoria e acabaram, por falhas na migração, aparecendo de forma duplicada nos sistemas. Isto aumentou as estatísticas irrealmente. Essa correção provocada pela Meta 2 atirou no que viu e acertou no que não viu. Trará mais credibilidade às estatísticas.

Até o final do ano, a Meta era julgar 4.352.761 processos. Ao final de novembro haviam sido julgados 2.368.493. Grande sucesso.

A Meta 2, assim como outras nove, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça e todos os demais tribunais brasileiros em fevereiro, no 2º Encontro Nacional do Poder Judiciário em Belo Horizonte.

Alguns tribunais vão ter melhor desempenho, outros não irão tão bem. A análise dos resultados mostrará inclusive os que estão em situação mais avançada tanto em gestão quanto em tecnologia. E gestão não se faz da noite para o dia, é resultado do trabalho contínuo de alguns anos.

É difícil imaginar que tamanha disposição para reformar esteja presente nos outros poderes. Acredito que não. O clima e a disposição de mudança burocrática ainda não se expandiram. Não é tarefa fácil.

Os bons resultados da Meta 2 devem-se à obstinação política do presidente do Conselho Nacional de Justiça, ministro Gilmar Mendes. Sem obstinação política é difícil reformar hábitos jurídico e burocráticos que nos modelam há décadas. Décadas? Séculos, talvez.

Autores

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    é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

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