Calote público

A EC 62 é um atentado à democracia brasileira

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24 de dezembro de 2009, 6h59

Envergonhados, os brasileiros assistiram no último dia 9 a promulgação pelo Congresso Nacional da Emenda Constitucional 62, que altera substancialmente a forma de pagamento dos precatórios, palavra como são chamadas as dívidas judiciais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para com seus contribuintes.

Envergonhados porque o nosso Congresso Nacional, composto de inúmeros “caloteiros” em conluio com presidente, governadores e prefeitos conseguiram transformar em norma constitucional (pasmem!) uma aberração jurídica repleta de incontáveis inconstitucionalidades, que dá aos nossos governantes o direito de só cumprirem parcialmente, e dentro de determinados limites, no prazo mínimo de quinze anos, as decisões judiciais condenatórias que lhes foram e doravante forem impostas pelo Poder Judiciário.

Com a nova “emenda”, governadores e prefeitos só necessitam pagar as dividas que eles contraírem e que acharem conveniente pagar. As demais, principalmente de adversários políticos, serão acumuladas para, talvez, serem amortizadas em percentuais anuais que, por sorte, cobrirão a correção monetária e os juros.

Também, definido está que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios cobrarão seus créditos utilizando-se da taxa Selic e multas, entretanto, pagará seus débitos de precatório quando quiser e por atualização pelos juros da poupança. Nada mais arbitrário e danoso ao credor.

Vejam que somente o estado de São Paulo levará mais de trinta anos para pagar o que já deve, isto se não for mais condenado em qualquer outra ação. Ou seja, iremos ver e assistir a União, Estados, Distrito Federal e Municípios praticando o “calote constitucional”, ao mesmo tempo em que iremos ver nossos governantes encherem com dinheiro público as suas burras particulares, com escândalo atrás de escândalo.

O calote agora é legal e passará a constar de nossa Constituição que de tanto ser prostituída por “emendas” (já são 62) merece mesmo é ser rasgada e jogada em uma latrina qualquer. Tal fato é de uma gravidade sem precedentes no mundo civilizado. Dizemos mundo civilizado porque precatório só tem existência neste país tupiniquim.

Alguns dizem que o problema é de cultura política, sempre acostumada a conchavos desde os primórdios de nosso descobrimento, quando faziam negociatas para pagar as dividas públicas, daí a criação de uma fila de ordem cronológica para os credores. Assim, se tivéssemos sido criados em uma cultura honesta, não haveria dividas públicas a serem pagas e, portanto, nenhum precatório.

Mas como a desonestidade sempre foi a tônica de nosso país (que nos digam as Repúblicas do Maranhão e das Alagoas) criaram o instituto do precatório que nada mais é do que uma moeda podre, um cheque sem fundos recebido após anos e anos de luta na justiça. Quem o tem, deve colocá-lo em uma moldura e afixá-lo na parede, imitando um diploma universitário alterando apenas o titulo para “Diploma de Otário expedido pelo Judiciário”.

Entretanto, nós, pobres contribuintes mortais e votantes obrigatórios dos caloteiros que ai se encontram, se deixarmos de pagar o tributo a que somos obrigados, corremos o risco de sermos esquartejados moralmente que nem Tiradentes, com negativação de nossos nomes e, se bobearmos, sermos até presos.

Vivemos com a espada de Dâmocles sobre nossas cabeças. Teremos apenas duas opções, ou negociamos através de leilão o nosso direito obtido após anos e anos de luta na Justiça ou simplesmente optar pelo direito de nunca mais receber o que ganhamos honradamente, pois nunca haverá dinheiro para nos pagar.

Acabou-se a ordem cronológica de pagamentos, recebe primeiro aquele que der o maior desconto nos leilões a serem realizados. Aviltante! O mais grave de tudo é que referida “emenda constitucional” quebrou a regra de boa convivência entre os três poderes. Isto porque ao estabelecer que as decisões judiciais condenatórias de pagamento contra União, Estados, Distrito Federal e Municípios, sejam atos corriqueiros e sem força legal, a “emenda” simplesmente desmoralizou o Poder Judiciário, tornou-o impotente, totalmente submisso às regras do Executivo e do Legislativo, um verdadeiro lacaio destes poderes.

Suas decisões e suas determinações serão nada mais nada menos que reles papeis sem qualquer valor executivo. É o fim? Não! Ao Supremo Tribunal Federal caberá mostrar a sua real grandeza, julgando com rapidez e isenção as inúmeras ações diretas de inconstitucionalidades que, com certeza serão interpostas em pouco tempo.

Aos Magistrados, Advogados, Membros do Ministério Público e demais Entidades representativas da sociedade cabe se unirem para fazer acordar o bravo povo brasileiro e juntos organizarem a reação que deve começar por deixarmos de eleger, já nas próximas eleições, executivos e legisladores corruptos e caloteiros que desprezam o poder da Justiça.

Caso contrário, estaremos diante do que Ruy Barbosa em celebre discurso dito a exatos noventa e cinco anos enfatizou ao afirmar que “de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se da Justiça e ter vergonha de ser honesto”. Não deixemos chegar a isto, o nosso Brasil não merece tamanha injustiça.

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