Mercado concentrado

Escritório globalizado é o futuro da advocacia

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20 de dezembro de 2009, 8h55

Spacca
José Luiz Salles Freire - interna - Spacca

O futuro da advocacia se dará através de escritórios mais globalizados e menos regulados. O espaço para os escritórios independentes e que não são organizados em sociedades será cada vez menor. Com um maior desenvolvimento da economia brasileira, haverá uma pressão, vinda dos Estados Unidos e da Inglaterra, para a abertura do mercado, com o objetivo de aumentar o número de associações. O resultado será uma concentração maior do mercado jurídico, no âmbito internacional. O Japão já se abriu para os estrangeiros e a Coreia está se abrindo.

Em pinceladas ligeiras, esse é o cenário do mercado desenhado pela maior liderança dos principais escritórios no Brasil, o advogado José Luis de Salles Freire, presidente do Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados). Profissional tarimbado, Salles Freire capitaneou este ano a operação que viabilizou o maior negócio de varejo já feito no Brasil: a compra das Casas Bahia pelo Grupo Pão de Açúcar. Negócios chamam a atenção pelo vulto. Mas neste caso avultou-se mais pela engenharia jurídica. Caso inédito, o TozziniFreire, casa fundada pelo entrevistado, representou as duas partes e concluiu a obra em 35 dias.

Na análise feita nesta entrevista, o cenário vislumbrado por Salles Freire parte da constatação de que o Direito norteamericano e inglês estão prevalecendo nos contratos empresariais em detrimentos de qualquer outra legislação. Com isso, para o advogado, não existirá um Direito Internacional. “Diferente de um Direito Internacional, é o Direito inglês, o Direito americano sendo usado em diversas partes do mundo”, explicou, em entrevista à revista Consultor Jurídico.

A abertura do mercado, segundo ele, já começou na Grã-Bretanha, onde será permitido até que o proprietário de um escritório de advocacia não seja um advogado. Mas no Brasil, e mais ainda na América Latina, essa realidade de escritórios gigantes com influência internacional ainda está longe de acontecer. O mercado brasileiro é o mais desenvolvido, com mais de 80 sociedades com pelo menos 50 advogados. Nos demais países, os pequenos escritórios familiares são os que compõem o mercado.

Nos Estados Unidos, existem ao menos dez escritórios com mais de mil advogados e mais de 100, com 500 profissionais. Em suas viagens pelo país como presidente do Cesa, Salles Freire percebeu que ainda existem inúmeras dúvidas sobre o que é uma sociedade de advogados. Esse desconhecimento existe mesmo dentro da OAB, que é a responsável por registrar e regular as sociedades de advogados.

Oportunidades
A partir de 2010, as chances de grandes negócios virão de eventos como a Copa, as Olimpíadas e também o início do pré-sal. Independentemente disso, o mercado da advocacia brasileiro está se expandindo em todas as regiões do país, com destaque para o Nordeste e a região Sul. “Proporcionalmente, São Paulo está perdendo a sua posição, o que significa que as oportunidades estão mais indo para fora”, revelou Salles Freire. Segundo ele, há um pleito para a abertura de filiais do Cesa em João Pessoa e em Vitória. No ano passado, a instituição inaugurou a seccional Norte, onde tem surgido sociedades de porte. 

Ao fazer um balanço deste ano que termina, o sócio do TozziniFreire diz que 2009 foi bom. “Começamos com uma expectativa muito baixa. Então, o ano foi melhor do que a gente pensava que fosse”, disse, fazendo referência aos temores gerados com a crise financeira mundial que se iniciou em setembro de 2008. A crise, segundo ele, mudou padrões e deixou sinais. O preço do serviço passou a ser um dos principais itens analisados pelos clientes. A qualidade ficou em segundo plano. Para os escritórios, ficou claro que é preciso ter mais advogados seniores que estagiários e advogados de base. “Mais flexibilidade e menos alavancagem”, sentenciou.

Perfil
José Luis de Salles Freire nunca pensou em ser criminalista, nem mesmo quando era estudante. Naquela época, já alimentava o sonho de ser parecerista. Começou a carreira em uma grande sociedade de advogados, no hoje extinto Moura, Teixeira Gouveia e Silva Advogados.

Também trabalhou em um banco de investimentos e recomenda que todo advogado em início de trabalho passe pelo ao menos um ano em uma empresa. “O advogado ainda tem um pouco dessa característica de indisciplina. É positivo para o tipo de profissão que a gente tem pensar indisciplinadamente. Mas a disciplina das organizações faz bem.”

Depois de se formar na Faculdade de Direito da USP e fazer um curso de extensão em Administração de Empresas na FGV, foi para os Estados Unidos onde trabalhou durante o ano de 1975 em um escritório de 100 advogados. Voltou mestre em Direito Comparado pela Universidade de Nova York para abrir o TozziniFreire, em 1976.

Os jornalistas Maurício Cardoso e Gláucia Milício participaram da entrevista.

Leia a entrevista

ConJur — Dois anos atrás publicamos um artigo dizendo que no futuro não haverá advogados. Qual é o futuro da advocacia?
José Luis de Salles Freire —
Eu acho que o futuro terá advogados. Nos anos 80, discutiu-se muito a questão de escritórios multidisciplinares, com auditores, consultores, advogados, publicitários. Um atendimento global na área de serviços profissionais. Foi uma moda. Abandonou-se a ideia e partiu-se para uma discussão de quão globalizada vai ser a profissão. Para mim, a discussão para o futuro é essa. A profissão vai ser mais globalizada ou menos globalizada? Hoje os grandes escritórios independentes da Europa se juntaram às grandes bancas globais, que se formaram a partir dos ingleses, principalmente, e também dos americanos. Esse é outro ponto de interrogação para o futuro da profissão. Há lugar para escritórios independentes? Outra questão importante é saber se no futuro a profissão vai ser extremamente regulamentada ou a regulamentação vai diminuir.

ConJur — E que o senhor acha?
José Luis de Salles Freire —
Há uma liberalização maior, começando pela Grã Bretanha. No sentido até de permitir que o proprietário de uma sociedade de advogados não seja advogado. Na Inglaterra, essa permissão vai entrar em vigor. A tendência é que os escritórios sejam mais globalizados. Até porque há essa possibilidade de escolher qual legislação deve ser aplicada. Hoje, fazemos contratos aqui que são mais de Direito americano do que de Direito brasileiro. 

ConJur — Então está começando, realmente, a existir um Direito Internacional?
José Luis de Salles Freire —
A expressão Direito Internacional é muito complicada. Sempre vai prevalecer um sistema em detrimento do outro. Diferente de um Direito Internacional, é o Direito inglês, o Direito americano sendo usado em diversas partes do mundo. Na minha visão, o futuro é do escritório mais globalizado com menos regulamentação. E, eventualmente, cuja propriedade não será de um advogado.

ConJur — No Brasil, há essa discussão?
José Luis de Salles Freire —
Está mais longe do que nos centros onde essas coisas estão acontecendo. Mas se a economia acelerar, a discussão também se acelera. Com a melhora na economia, vai haver pressão por um número maior de associações ou até de mudanças na atual regulamentação. Em muitos países houve pressão dos Estados Unidos ou da Inglaterra para abertura de mercado. O Japão abriu para estrangeiros. A Coreia está abrindo. 

ConJur — No Brasil, como o senhor vê a regulamentação para a publicidade e propaganda de escritórios?
José Luis de Salles Freire —
Essa questão da propaganda é mais importante na área do contencioso, relacionada com questões de consumo. Na área corporativa, essa coisa da propaganda de televisão não se coloca muito. Mas certamente as nossas regras de publicidade já são melhores do que eram no passado. A questão não é tanto o quanto a gente possa fazer de publicidade, porque há várias maneiras de se atuar tentando o desenvolvimento de negócios, em que a publicidade seria uma parte muito pequena. Nos Estados Unidos, os escritórios estão vendo que isso é cada vez menos eficaz. Eles também estão procurando outras alternativas direcionadas a marketing, comunicação corporativa e não a publicidade. Por incrível que pareça, estão se aproximando do nosso modelo. A grande discussão lá fora é saber se uma empresa contrata a sociedade de advogados ou um advogado específico. Qual é a força da marca e qual é a força da imagem do advogado? Na minha opinião, é um misto dos dois. Você contrata alguém em quem tem confiança. Mas uma coisa é a qualidade técnica dos advogados que atendem o cliente e outra é todo um contorno de qualidade de atendimento, que depende de uma estrutura, de tecnologia, dos associados serem bons. Não é só aquele advogado que é bom, mas todo mundo que atende o cliente. Então, depende de uma organização por trás, que aí eu acho que é a marca.

ConJur — Com as suas viagens pelo país como presidente do Cesa, como o senhor avalia a informatização dos escritórios?
José Luis de Salles Freire —
É um mercado que tem que ser explorado. O pessoal que hoje está escondido vai estar acessível com o processo digital. Qualquer escritório em qualquer lugar do país vai estar informatizado, vai ter a necessidade de se comunicar online. É um fenômeno interessante.

ConJur — A informatização pode acabar com os correspondentes?
José Luis de Salles Freire —
Não. Há lugar para o correspondente, mesmo com o processo digital. A atuação do advogado no local é importante. O contato com o juiz, nas audiências. Na verdade, o correspondente vai estar mais integrado. Aliás, essa era a proposta dos grandes escritórios quando começaram a pensar na contenção de volume. A ideia era integrar os correspondentes de uma forma online e trabalhar mais com o management do sistema. O que chamamos de patrocínio. Os clientes valorizam a figura do gerenciador de qualidade da contenção do volume que está pelo país inteiro. Muitas empresas, ao invés de terceirizar esse serviço, optaram por ter esse gerenciamento interno. Não sei se é a forma mais eficaz. Talvez escolham essa forma por conta do volume ou por pressão da matriz. O processo digital vai obrigar as pessoas a pensarem na eficiência e os correspondentes certamente terão o seu papel.

ConJur — A edição 2009 do anuário Análise Departamentos Jurídicos mostrou que muitas empresas têm jurídicos maiores que os maiores escritórios de advocacia do país. Como o senhor analisa essa informação?
José Luis de Salles Freire —
É uma opção. Grandes bancos, como o Branco do Brasil e o Bradesco, preferiram atuar dessa forma porque estão espalhados no país inteiro. Mas é preciso fazer uma análise de custo e de qualidade para ver qual a melhor solução. Certamente, no setor público, ainda há os grandes departamentos.

ConJur — Eles gastam menos mantendo um departamento jurídico do que terceirizando o serviço?
José Luis de Salles Freire —
É uma pergunta difícil porque sem essa análise de custo junto com a análise de qualidade não há como sabermos. Mas o que eu vejo é que empresas que têm grande volume de contencioso, infelizmente, estão privilegiando mais custo do que qualidade, mesmo na contratação externa. A crise acelerou esse processo. Tentamos passar ao cliente uma necessidade de olhar o lado da qualidade também, não só do custo. No Brasil, os serviços jurídicos estão disponíveis a diversos custos. Me arrisco a dizer que a qualquer custo. Isso é um problema para o cliente julgar a qualidade. Há também a questão, que deve ser levada em conta, de que a qualidade talvez não seja tão importante nos processos repetitivos, o que permite um gerenciamento interno. Mas ainda acho que a terceirização com um serviço de gerenciamento de qualidade é a melhor saída.

ConJur — Na área consultiva as empresas costumam contratar escritórios?
José Luis de Salles Freire —
Temos notado um aumento grande de arbitragem, que é mais difícil de fazer dentro de casa. São processos maiores, mais complexos. A arbitragem é um território mais do consultor externo do que o consultor interno.

ConJur — Essa concorrência entre vários tipos de escritórios é a grande responsável pela queda no valor dos honorários, ou há outros fatores?
José Luis de Salles Freire —
O mercado jurídico é muito competitivo, o que serve para regular os custos, principalmente, no serviço do contencioso. E os mercados regionais são muito particulares, peculiares. Uma coisa é o mercado de São Paulo, outra coisa é o mercado do nordeste, do sul, onde ainda prevalecem os escritórios menores. As estruturas são muito diferentes entre os diversos escritórios. Tudo isso leva a uma grande concorrência de preços. Torna-se inevitável. Não é uma coisa que a gente gosta de promover, mas é a realidade do mercado. Mesmo do mercado mais corporativo. 

ConJur — As empresas têm pedido descontos na hora de negociar?
José Luis de Salles Freire —
Sempre.

ConJur — Depois da crise aumentaram os pedidos de desconto?
José Luis de Salles Freire —
Não acho que a crise tenha reforçado essa situação. As empresas sempre pediram descontos. Um ou outro cliente, por conta de uma situação peculiar originária da crise, pode ter acelerado um processo de queda do preço. Mas de maneira geral, é um processo contínuo e os escritórios têm de aprender a lidar com isso. As sociedades maiores têm uma pressão de custo maior, porque são tributadas de uma forma diferente e a estrutura é diferente. Elas têm mais advogados contratados sob o regime celetista. Estruturas de custo muito diferentes propiciam maior competição por preço. Se o mercado adotasse estruturas um pouco mais parecidas, facilitaria, não só para o cliente avaliar o preço, mas também para os próprios advogados avaliarem a sua carreira. Se eu estou melhor aqui ou melhor no outro escritório.Se houvesse uniformidade, seria mais fácil para os advogados mais jovens. 

ConJur — Se o senhor fosse entrar no mercado hoje, preferiria entrar num escritório grande ou num pequeno? Especializado ou full service?
José Luis de Salles Freire —
Depende muito da área que a pessoa quer atuar. Mas o futuro da profissão passa pela sociedade de advogados. Não há mais espaço para o eu-sozinho. Se é uma sociedade maior ou se é menor, vai depender da área. Há butiques em alguns setores especializados que são importantes do ponto de vista da carreira, pela recompensa profissional. Já a área de mercado de capitais e áreas mais internacionais têm de ser praticadas em escritórios maiores. É importante que o profissional que está começando a carreira procure estruturas organizadas, sejam elas menores ou maiores. Dá para ser organizado em qualquer nível. Ser organizado consiste em ter regras claras, plano de carreira, eventualmente, critérios escritos. No futuro, as estruturas mais organizadas vão sobreviver melhor que as menos organizadas.

ConJur — O senhor falava da competição de escritórios dos grandes centros com os regionais. Há uma tendência de descentralização na advocacia, de escritórios?
José Luis de Salles Freire —
A prática de contencioso é mais descentralizada. Em diversas regiões existem escritórios grandes e organizados, seja no nordeste, seja no sul. Em áreas mais especializadas é preciso buscar mais em centros como São Paulo e Rio. É difícil essas práticas se descentralizarem e saírem do eixo São Paulo-Rio, porque a demanda vai ser mais ocasional. A área de crédito de carbono, para falar de uma área especializada, dificilmente vai sair desse eixo para ir para o nordeste ou para o sul porque é uma coisa esporádica, especializada. Hoje, escritórios de outros estados têm se instalado em São Paulo e Rio, e com isso têm conseguido entrar em certas áreas que são peculiares da região porque aqui se instalaram e começam a praticá-las. No fim, isso beneficia o escritório na sua cidade matriz. Pode ser que no futuro algumas migrem para escritórios mais regionais, mas é difícil ainda vislumbrar isso.

ConJur — Quais os mercados que estão se desenvolvendo com maior rapidez?
José Luis de Salles Freire —
Há excelentes faculdades de Direito fora do eixo São Paulo e Rio. O nordeste é uma parte do país que está crescendo muito e há várias oportunidades. Na região Norte, na Amazônia, começamos a sentir o surgimento de sociedade maiores, ligadas ao contencioso e, eventualmente, a questões tributárias. Há oportunidades no Brasil inteiro. Proporcionalmente, São Paulo está sempre perdendo a sua posição, o que significa que as oportunidades estão mais indo para fora de São Paulo. O Cesa tem hoje 850 sociedades associadas e boa parte está em outros estados. Estamos sempre abrindo novas seccionais. Há um pleito de abrir uma seccional em João Pessoa, em Vitória. Tenho viajado pelo Brasil falando de sociedade de advogados e o interesse é muito grande.

ConJur — Daqui a alguns anos, o Cesa vai ter mais peso do que a OAB?
José Luis de Salles Freire —
A gente nasceu junto com a OAB, não se contrapõe de jeito nenhum a ela. O que queríamos era uma parceria OAB – sociedade de advogados. O OAB ainda tem um foco muito grande no advogado individual, no advogado do contencioso, no criminalista e a gente precisava divulgar dentro da OAB o que é a sociedade de advogados, até porque é ela que registra e regula as sociedades de advogados. Ao longo desses anos conseguimos uma parceria muito boa tanto com as seccionais quanto com o Conselho Federal. Vários membros do Cesa participam de comissões de sociedades de advogados para dar a sua colaboração na regulamentação das sociedades. Existe até um sistema de arbitragem de conflito entre sócios de sociedades de advogados.

ConJur — Nessas viagens que o senhor tem feito pelo Cesa, quais as principais dúvidas dos advogados em relação às sociedades de advogados?
José Luis de Salles Freire —
A dúvida é geral. Como funciona, se funciona, aspectos tributários, relação entre sócios. Enfatizamos que essa questão da organização da profissão passa pela sociedade de advogados. O cliente corporativo, principalmente quando chega para consultar uma sociedade de advogados, quer mais de uma especialidade e também quer uma visão do negócio dele.

ConJur — Em 2010, quais as áreas do Direito que terão mais demanda?
José Luis de Salles Freire —
Teremos três eventos marcantes: Copa, Olimpíadas e a questão do pré-sal. Essas três áreas claramente vão demandar serviços. O pré-sal é específico, mas atinge diversas prestadoras de serviço. Nesse modelo que o governo está propugnando, os prestadores de serviço são mais importantes até do que as companhias petrolíferas estrangeiras. Haverá muita demanda na área de logística, de navios. As Olimpíadas e a Copa têm muita necessidade de infraestrutura, toda a parte ligada a turismo, hotéis, a companhias aéreas.

ConJur — Esses eventos podem favorecer as fusões entre sociedades de advogados?
José Luis de Salles Freire —
O maior problema de fusões é a disparidade entre os modelos de sociedades. Nos Estados Unidos ou na Europa, apesar dos números de integrantes serem maiores, é bem mais fácil fazer uma fusão porque as estruturas são similares. Há uma fusão muito grande em andamento de um escritório americano chamado Hogan & Hartson com um escritório inglês chamado Lovells. Vai criar um negócio de três mil advogados. Aqui, fazer uma fusão de um escritório de 20 advogados com outro de 20 advogados, provavelmente é mais difícil do que essa. O problema começa com a discussão do nome. E para aí.

ConJur — Essa é uma peculiaridade do mercado brasileiro?
José Luis de Salles Freire —
O mercado brasileiro é o mais evoluído nesse sentido de profissionalização das sociedades do que o resto da América Latina, com exceção da Argentina, onde há um escritório com mais de 100 advogados, e do México, que tem dois, no máximo três acima de 100. Os escritórios em todos os outros países são escritórios pequenos e familiares.

ConJur — Nos Estados Unidos tem quantos acima de mil?
José Luis de Salles Freire —
Ao menos dez. Mas se formos contar os escritórios que têm mais de 500 advogados, o número chega a 100 facilmente. Na Austrália, que também é um país emergente, há escritórios muito grandes, com mil advogados, que são impensáveis aqui no Brasil. Lá, o contencioso é muito forte, a área de Direito Marítimo é bastante demandada e a de seguros é muito maior que aqui. No Brasil há um grande grau de especialização. Temos 88 sociedades com mais de 50 advogados, que é um número fantástico em termos de América Latina.

ConJur — Há alguma tendência de se chegar nesse modelo americano, australiano?
José Luis de Salles Freire —
Tudo depende da economia e a perspectiva é de crescimento. Esse crescimento na sociedade brasileira está muito associado à melhoria do Brasil a partir dos anos 90. Nosso próprio escritório, em 94, tinha 25 advogados. Ao final de 2000, tínhamos 200. Existe um grau de empreendedorismo dos advogados brasileiros de enfrentar as dificuldades para uma estrutura maior, o que não é fácil. Criamos organizações que privilegiam advogados, a carreira, a promoção interna. Mas vai sempre existir boutiques, não tem jeito. O advogado tem sempre essa sensação de que consegue montar o seu próprio escritório, o que é cada vez mais difícil.

ConJur — 2009 foi um ano positivo?
José Luis de Salles Freire —
A satisfação vai de uma relação entre a expectativa e o resultado. Começamos com uma expectativa muito baixa. Então, o ano foi melhor do que a gente pensava que fosse. Quando você tem uma expectativa baixa, é mais fácil ter uma satisfação no final. De maneira geral, vai ser um ano igual a 2008, que foi um ano bom. O ano de 2007 foi o pico para muitos setores. E 2009 acabou sendo melhor do que a gente pensava.

ConJur — A marolinha não atrapalhou?
José Luis de Salles Freire —
A crise mudou padrões e deixa sinais. Hoje, essa questão do custo é muito mais presente. O mundo não será o mesmo daqui pra frente. Isso lá fora é evidente. Os escritórios têm de fazer um esforço muito grande em ajustes, porque estavam muito alavancados em pessoal, salários. Aqui mesmo todos os escritórios procuraram fazer os seus ajustes. Os resultados serão mais ou menos iguais a 2008, mas com mudanças estruturais, buscando o máximo da flexibilidade e menos alavancagem.

ConJur — Há espaço para que escritórios brasileiros entrem no mercado internacional? Com filiais fora do país?
José Luis de Salles Freire —
A regra de ouro é que você não vai abrir um escritório fora para conseguir clientes lá. Você tem que seguir o seu cliente. E nesse sentido, o número de empresas brasileiras que vão para fora ainda é pequeno, porque as multinacionais brasileiras são poucas. Outra questão é que não vamos trabalhar com a lei brasileira lá fora. A vantagem dos escritórios americanos e ingleses é o fato de que os grandes contratos usam as suas legislações. Então, quando a gente vai para fora, não levamos a lei e eles sim. O nosso trabalho no exterior é prestar o melhor serviço para o cliente que está saindo do país. Pegá-lo pela mão e traduzir a cultura e o outro sistema para eles. A maior parte dos escritórios brasileiros que tem clientes no exterior atua via alianças. Quase 100% deles com alianças não-exclusivas. Poucos são os escritórios que tem alianças exclusivas.

ConJur — Quais os setores da economia brasileira estão recebendo mais investimentos estrangeiros e podem gerar demanda para os escritórios?
José Luis de Salles Freire —
Em 2008, o investimento estrangeiro no país bateu recorde: foi de US$ 45 bilhões. O Brasil só perdeu em valor de investimentos para a China. Eu sempre digo que é melhor fazer uma escultura daquele economista do Goldman Sachs que criou o BRIC [grupo dos principais países emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China]. Essa coisa do BRIC pode ser psicológica, mas colocou os países, principalmente a China, entre os grandes. A percepção do Brasil mudou lá fora. Eu encontrei japoneses chegaram ao Brasil com uma ordem: investir em todos os países do BRIC. Vamos ter investimentos dos Estados Unidos em mercado de capitais. Há uma onda alemã de investimentos, da França, Espanha. Há um grande interesse da Europa, e também do Japão e Coreia. A China traz muito comércio e poucos investimentos, mas também há interesse deles.

ConJur — Tem duas áreas que a gente vê muito em jornal, mas vê pouco na área jurídica: agronegócio e ambiental. Essas áreas são promissoras?
José Luis de Salles Freire —
São. A questão está em quanto os advogados conseguem participar. O nosso espaço é menor quando se fala em comércio. E é grande quando se trata de investimentos, transferência de tecnologia. A área de soja, por exemplo, é uma área basicamente de trade. O etanol realmente atraiu investimentos e aí a participação dos advogados é muito maior. Mas agronegócio é uma expressão muito ampla. Dentro do agronegócio, às vezes, é preciso extrapolar para outras áreas. Antes da crise, por exemplo, o negócio de energia no etanol estava ficando mais importante do que o próprio etanol para as empresas. Então, de repente, o agronegócio vira energia, ou, dentro desse setor, a necessidade de logística cria uma oportunidade. O que está no entorno desse setor gera trabalho para os escritórios. O agronegócio é uma vocação do Brasil e acho que foi isso que salvou o país na crise. Mas os investimentos no país estão chegando em todas os setores da economia.

ConJur — Como encontrar advogados para dar conta de todas essas especialidades que estão surgindo? A escola já percebeu essa necessidade?
José Luis de Salles Freire —
A escola não sabe nada disso. Hoje, o conhecimento de Direito é parte de tudo. Você tem que ter conhecimento do negócio, do setor, multidisciplinar. E isso é treinamento, treinamento, treinamento. São as sociedades que investem no advogado e treinam para esses setores mais especializados. Esse fato tem o seu outro lado também. Temos um advogado que enviamos para o exterior para estudar biotecnologia, depois foi para Florianópolis estudar também nessa área. Foi aí que ele conheceu alguém que trabalhava no governo e que fez o convite para ele estar na Casa Civil. Hoje ele é responsável por essa área de licenças ambientais e também por transgênicos. Quando você investe corre o risco de perder para o mercado, porque é uma pessoa treinada.

ConJur — Tem alguma regra para que o escritórios que investe tenha garantia de retorno?
José Luis de Salles Freire —
Não. Há estudos na área de recursos humanos que identificaram as necessidades das diversas gerações de profissionais. A atual, conhecida como geração Y, é a mais móvel de todas. Às vezes a pessoa até está satisfeita onde está, mas tem uma necessidade de mudar. Perdemos muitos advogados para a concorrência e para escritórios menores. Temos admitir que, eventualmente, a gente vai perder, porque somos formadores de mão-de-obra. Normalmente os escritórios maiores têm programas de treinamento e investem bastante. Os menores tentam recrutar aqueles que já estão formados. São consumidores de mão-de-obra, apesar de também treinarem.

ConJur — Essa característica da atual geração é uma forma de explicar as mudanças no tamanho dos escritórios. O anuário Análise Advocacia 2009 mostrou muitas mudanças.
José Luis de Salles Freire —
Essa questão de tamanho depende muito. O TozziniFreire é o que a gente chama de one firm. Nós só temos uma sociedade no Brasil. Quem é sócio do escritório é sócio do todo, não é sócio regional, não é sócio da parte. Tem alguns escritórios que colocam placas. São correspondentes ou escritórios que trabalhavam juntos e que resolvem usar o mesmo nome, mas são sociedades diferentes. De uma hora para outra o escritório cresce. O Siqueira Castro é o exemplo típico, mas não é o único exemplo. Crescer realmente como uma sociedade, como uma firma, requer um pouquinho mais de trabalho, porque você está mais centralizado em administração, etc.

ConJur — É importante ser o número um em tamanho?
José Luis de Salles Freire —
Para os escritórios full service é importante ter tamanho, porque significa que você está englobando diversas especialidades. Oferecer todas as práticas implica ter tamanho, mas não necessariamente ser o maior. Se você for o maior é porque conseguiu englobar todas as especialidades e conseguiu atrair um bom número de clientes.

ConJur — O TozziniFreire pretende crescer ou manter o número de advogados que tem hoje em dia? No ano passado houve uma redução.
José Luis de Salles Freire —
Nós fizemos um ajuste. Geograficamente a gente vai se limitar a algumas cidades e reduzir em outras. Podemos crescer no sentido de chegar a cidades em que não estamos, como Belo Horizonte, que é uma cidade importante. Se continuarmos a ter sucesso, cresceremos. Não temos como meta crescer em número de pessoas. Depois da crise, os escritórios têm que se adaptar à nova realidade de não estar muito alavancado. Alavancado significa que você tem menos advogados ou estagiários. O cliente tem necessidade de gente sênior na frente. Nas épocas de grande crescimento, a tendência é contratar mais gente na base. Mas a meta para 2010 é estar presente nos grandes temas que envolvam Copa, Olimpíada, pré-sal.

ConJur — Os advogados têm metas?
José Luis de Salles Freire —
Os advogados individualmente têm uma meta, mas o que cobramos são as metas da equipe como um todo. O cumprimento do plano de ação.

ConJur — Se vocês forem contratar um advogado hoje, como deve ser o seu perfil, de formação e comportamental?
José Luis de Salles Freire —
Sabemos que o mercado não oferece o profissional que precisamos, então partimos em busca do melhor profissional que as faculdades possam ter. O processo de seleção passa pela qualidade técnica, exigimos ao menos uma língua estrangeira. Se a pessoa fez outro curso, como o de economia, sempre parece interessante. Depois disso, fazemos treinamento. No começo, quanto mais generalista for o advogado, melhor. Depois, em uma certa fase da carreira, ele vai ter que se especializar. Em um momento, ele vai precisar ser especialista não só para o cliente, mas internamente, para se diferenciar: “O cara é bom nisso”.

ConJur — A escola não está formando o profissional que o mercado precisa?
José Luis de Salles Freire —
Não. Há uma tentativa da Fundação Getúlio Vargas, que tem conversado com os escritórios para saber das suas necessidades, discutir currículos, mas sabemos que sempre vai existir a questão do treinamento. Entender sobre energia, telecomunicações é só na prática. Não dá para a faculdade oferecer isso. Nem nos Estados Unidos isso ocorre. Agora, nas matérias fundamentais, o mais importante é a faculdade dar essa visão do consultivo, a visão de que existe um mundo que não é só contencioso. A imprensa é responsável por divulgar o que é uma prática mais empresarial. Quando eu comecei não sabia que existiam escritórios voltados para as atividades empresariais.

ConJur — E como o senhor descobriu que existia?
José Luis de Salles Freire —
Começando a trabalhar. Eu fui trabalhar em um. Aí é que eu descobri que existia. Eu comecei em um escritório que hoje não existe, mas era um dos três escritórios grandes. Chamava-se Moura, Teixeira Gouveia e Silva. Naquela época, os grandes escritórios cresceram em torno de clientes estrangeiros, porque as empresas brasileiras não eram grandes compradoras de serviços.

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