Longe do Judiciário

OIT vê progresso em acordos coletivos no Brasil

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16 de dezembro de 2009, 23h30

O sucesso contínuo na reposição salarial por meio de acordos coletivos nos últimos anos abre caminho para formas não judiciais de solução de conflitos. Acordos e convenções coletivas cada vez mais efetivos, firmados longe dos tribunais, refletem o amadurecimento de empresas, empregados e sindicatos na negociação de interesses, o que pavimenta o caminho para a aceitação da arbitragem e da conciliação para resolver divergências trabalhistas.

A opinião é de especialistas no Direito do Trabalho que se depararam com os números mais recentes da Organização Internacional do Trabalho sobre a qualidade de trabalho no Brasil. Em relatório divulgado nesta quarta-feira (16/12), a entidade aponta que, em 2007, 88% dos acordos e convenções coletivas acompanhadas pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) asseguraram a recomposição de perdas salariais ao menos referentes ao ano-base anterior. Foi o melhor resultado desde 1996, sendo 2007 o quarto ano seguido em que as perdas foram compensadas dessa forma, o maior período em que essas negociações garantiram reposições e aumento real de salários. A pesquisa avaliou dados de 1992 a 2007.

Os acordos foram mais frequentes na indústria (94%), em seguida no comércio (85%) e no setor de serviços (81%). Entre os reajustes que superaram a inflação, 70% ficaram abaixo de 2% de ganho real, e 2,5% conseguiram superar os 4% de aumento.

“Há um amadurecimento de ambos os lados”, diz o advogado Geraldo Baraldi, do escritório Demarest & Almeida Advogados. Na sua opinião, trabalhadores, empresas e sindicatos demonstram entender que é mais fácil lavar a roupa suja dentro de casa do que ter de chamar um terceiro distante do assunto. “Às vezes a decisão da Justiça não agrada nem o empregador, nem o trabalhador. Ninguém melhor do que as próprias partes para saber o que lhes interessa”, diz.

Para Orlando Almeida, do Homero Costa Advogados, o que existe é uma especialização nas discussões. “O costume em negociar está ensinando negociação”, afirma. Segundo ele, o hábito pode abrir caminho para derrubar a resistência contra a arbitragem na área trabalhista. O meio é muito usado na área civil e comercial por ser mais rápido, mas ainda não é bem visto principalmente pela Justiça, que entende que essa é uma forma de transacionar direitos, o que é ilegal. “Quando as partes começam a verificar que negociar é evitar litígios, a tendência é que formas alternativas de solução ganhem espaço”, diz ele.

A Justiça também é responsável por esse resultado, segundo o juiz Rogério Neiva Pinheiro, da 20ª Vara do Trabalho de Brasília. Ele explica que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu o parágrafo 2º ao artigo 114 da Constituição Federal, determinando que, para o prosseguimento dos julgamentos de dissídios coletivos na Justiça, é necessária a concordância entre as partes. “A intenção do legislador foi de que houvesse acordo, caso contrário, não existiria solução”, diz. O próprio Tribunal Superior do Trabalho, segundo ele, também vem flexibilizando antigas determinações, o que tem ajudado nas negociações. “A corte já admite que o adicional de periculosidade seja pago em valor abaixo do legal, e que o intervalo entre as jornadas seja fracionado, por exemplo”.

Trabalho pioneiro
O Perfil do Trabalho Decente no Brasil, relatório divulgado nesta quarta, foi construído pela OIT com base em dados apurados até 2007 pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE. O estudo analisou oportunidades de emprego, jornada de trabalho, combinação entre trabalho e vida familiar, trabalho infantil e forçado e ambiente de trabalho seguro. O relatório é um dos projetos-piloto para avaliar os programas de Trabalho Decente. O Brasil participa como voluntário juntamente com Áustria, Ucrânia, Malásia e Tanzânia. O projeto foi financiado pela União Europeia.

O estudo foi apresentado no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada pelo especialista da OIT José Ribeiro, coordenador nacional do projeto Monitorando e Avaliando o Progresso do Trabalho Decente, e teve a participação do diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea, Jorge Abrahão de Castro.

Entre as boas notícias estão a diminuição do trabalho infantil, o maior número de trabalhadores registrados e a maior quantidade de idosos que recebem benefícios como aposentadoria ou pensão, o que contribui para a aceleração da economia. De 2003 e 2007, a queda na taxa de desemprego foi constante. Entre as ruins, a persistência de trabalho forçado, a constante diferença no salário pago a homens e mulheres e a negros e brancos na mesma função, e o alto número de jovens e adolescentes que não estudam nem trabalham.

Jornada estendida
Embora tenha registrado uma queda na quantidade de horas trabalhadas acima do permitido semanalmente, o levantamento ainda aponta números expressivos. Até 2007, a jornada semanal de trabalho era maior que 44 horas para 35% dos empregados com carteira assinada, e estava acima de 48 horas para 20% deles.

De acordo com o juiz Rogério Pinheiro, no entanto, essa realidade tem mudado visivelmente nos últimos dois anos. “A quantidade de processos sobre horas extras caiu bastante, principalmente em relação a bancos e supermercados”, diz. “As Casas Bahia são a única exceção no segmento, já que esse comportamento hoje é mais comum em médias e pequenas empresas. Não são raras médias de quatro horas extras diárias nesses casos”.

Geraldo Baraldi acredita que o abuso nas horas extras é praticado, na maioria das vezes, por empresas que já cometem outras irregularidades, como não registrar funcionários. "Quem desrespeita direitos básicos tem tendência grande de também não respeitar a jornada", diz.

Para ele, reduzir a jornada legal de trabalho abrindo espaço para a contratação de mais empregados pode não ser a melhor solução. "O motivo talvez seja o excesso de encargos trabalhistas e previdenciários, o que encarece as contratações. É a razão pela qual as empresas têm usado mão-de-obra terceirizada".

Outro aspecto que acompanha a exploração vem do que os juízes têm chamado de dumping social, segundo o advogado. "Os produtos dessas empresas são mais baratos e mais procurados. Quem desprestigia o trabalhador acaba prestigiado", afirma.

Clique aqui para ler a pesquisa.

[Notícia alterada em 17 de dezembro de 2009, às 12h17, para acréscimo de informações.]

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