SEGUNDA LEITURA

Corrupção é um problema que vai além da lei

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

13 de dezembro de 2009, 12h52

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As últimas notícias sobre corrupção, vindas de Brasília e envolvendo ocupantes de elevados cargos no Distrito Federal, obrigam posicionamento de todos os brasileiros. Não sobre o caso em si ─ apenas mais um ─ mas sim sobre o tema.

Iniciemos por nossa colonização. Alguns atribuem a culpa de nossa corrupção à nossa origem lusitana. Discordo. E não vou à análise de serem ou não as práticas portuguesas o início de nossos maus hábitos. É que, a quase 200 anos da Independência, já estamos mais do que emancipados e, se os defeitos persistem, a culpa é nossa. Só nossa.

Em um segundo passo, uso a primeira pessoa do plural. Nós, nosso, não ele ou eles. Vamos assumir que o problema não é desse ou daquele governante, dessa ou daquela instituição, do partido político X ou Y. É de todos os brasileiros. Como sujeito passivo (recebendo a vantagem indevida), como sujeito ativo (corrompendo para obter algo em troca) ou por omissão (tolerância, covardia, descrença, egoísmo, etc.).

Partindo destas duas premissas, podemos avançar em direção a outras considerações. A primeira delas é que a corrupção sempre existiu. E sempre existirá. É da condição humana. O problema ocorre quando ela excede os limites, ultrapassa o razoável, passa a ser uma epidemia. Aí as coisas vão mal e afetam o Estado. Põem em risco a própria democracia.

E como o Brasil se situa no cenário internacional? Anualmente é feito um ranking de corrupção dos países. Na relação feita neste ano de 2009, dos 180 constantes a Nova Zelândia foi considerada o 1º lugar, o menos corrupto, e a Somália em 180º, o pior (veja mais aqui). O Brasil ficou em 75º lugar, ou seja, em uma posição intermediária.

Na América Latina o mais bem colocado foi o Chile (25º), seguido pelo Uruguai (26º). Não é novidade alguma. Quem se dispõe a estudar e conhecer a colonização ibérica sabe que nesses dois países há maior consideração  com o dinheiro público e as instituições são mais respeitadas (por exemplo, a polícia chilena, carabineiros). Ao contrário, Venezuela e Paraguai ficaram em posição pouco honrosa (162º e 154º).

Qual o resultado da corrupção em nossas vidas?  Segundo Eduardo Salgado “Estima-se que, em economias nas quais a corrupção tem padrão intermediário em termos internacionais – como é o caso do Brasil –, os investimentos sejam 2,6 pontos porcentuais mais baixos que em nações com índice ético mais elevado, como no Chile” (veja mais aqui). Isto, evidentemente, desestimula investimentos, diminui a arrecadação tributária e fragiliza políticas públicas (por exemplo, saúde). E não é só isso. Atinge diretamente nossa juventude, que passa a descrer de nossas instituições.

Na China (79ª. colocada), em 10.7.2007, foi aplicada pena de morte a Zheng Xiaoyu, ex-ministro de Estado (veja mais aqui). Na Espanha (32º classificada), o principal foco de corrupção é o setor imobiliário e, segundo  relato de Patrícia Viegas em 2.11.2009,  “Juan Antonio Roca, ex-assessor para o Urbanismo em Marbella, foi condenado a seis anos e dez meses de prisão. O antigo assessor jurídico do autarca Jesús Gil, José Luis Sierra, a nove anos. E Manuel Castel, o contabilista, levou oito anos de prisão” (veja mais aqui). Na Rússia (146ª. colocada), segundo reportagem de 6.6.2008, “Dados do Comitê de Investigação da Procuradoria-Geral da Rússia mostram que “no primeiro trimestre do ano corrente, foram registrados mais de 14 mil crimes de corrupção, ou seja, mais 10 por cento do que em igual período do ano passado” (veja mais aqui).

No Brasil, classificado no 75º lugar no ranking, não estamos no inferno, muito embora longe do paraíso. E sem perder de vista que a corrupção não é a mesma em toda parte. Conhecendo todos os estados deste país, posso afirmar que ela  é menor no Rio Grande do Sul. E o faço, esclarecendo que não sou gaúcho.

No Brasil, na repressão penal temos o  velho Código de 1941. As penas (artigos 317 e 333)  vão de 2 a 12 anos. Agravar a legislação, tornando o crime hediondo, como mencionado em entrevista do Ministro da Justiça na imprensa (Estado, 11.12.2209, A11), pode ajudar, mas não resolverá. Criar outros órgãos de investigação é desperdício de dinheiro público, pois já temos a Polícia Judiciária, o MP, CGR, TCU e TCEs. 

Na verdade, o combate à corrupção vai além da alteração da lei. Como lembra Ana Lúcia Sabadell, “não se coloca em dúvida que o direito tenha incentivado muitas transformações nas sociedades modernas” (Manual de Sociologia Jurídica, RT, 4. ed., 107). Mas, no caso, a transformação deve vir das pessoas.  Na ação diária, por vezes pouco perceptível, muito se pode fazer. Vejamos, com foco no mundo jurídico:

Quem gosta de ação pode, entre outras iniciativas, denunciar fatos às autoridades, resistir às investidas do corruptor, filmar ou gravar tentativas de extorsão, atuar em ONGs respeitadas, provocar os meios de comunicação ou participar de grupos de protestos.

Quem não gosta de se expor, pode votar nos melhores candidatos, apontá-los a terceiros, não participar de qualquer ato de corrupção, ainda que mínimo, evitar contatos profissionais ou de amizade com os que corrompem (mesmo que residam no prédio, sejam simpaticíssimos e promovam agradáveis churrascos).

Na vida judiciária o cuidado é dobrado. Magistrados devem ser cuidadosos na escolha das amizades, não se deixando envolver pelos que lhe surjam no destino, esmerando-se em favores. Financiamento de congressos exige atenção especial. Para ficar em um só exemplo, nada justifica que entidades interessadas em determinada tese promovam seminários jurídicos em “resorts” caríssimos, cuja única finalidade é induzir juízes a tomar determinada posição. Aposentados não devem se prestar a fazer lobby com os companheiros em atividade e, se o fizerem, devem ser ostensivamente repelidos. 

Não é difícil discordar de tais posições. Há mil argumentos. Por exemplo, “não vou reformar o mundo”, “não é uma pequena ação minha que mudará o Brasil” ou “tenho que defender meu cliente a qualquer custo”. Mas, a quem assim pensa, cabe um pedido: ao ver os fatos deploráveis que a TV retrata, por favor, cale-se, não proteste, se possível saia discretamente do recinto, porque está colaborando, sabendo ou não, para que assim seja.

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