Os donos da voz

Manter rádio no ar sem autorização é crime

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13 de dezembro de 2009, 8h04

Manter emissora de rádio sem autorização da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) é crime. Com esse entendimento, a 1ª Vara Criminal de São Paulo determinou a apreensão de bens de uma rádio comunitária e condenou seus dois administradores a pena de dois anos e quatro meses de prisão, em regime semi-aberto, transformada em obrigação de prestar de serviços à comunidade por dois anos. A rádio Nova Filadélfia FM operava na estação 102,9 MHz, na Região Sul de São Paulo, e era mantida pela igreja Assembleia de Deus. Sem autorização de funcionamento da Anatel, a frequência invadia a faixa de outras rádios e, durante a programação, os pedidos de doação em dinheiro eram frequentes.

O pastor Ananias Gomes foi condenado a dois anos e quatros meses de prisão em regime semi-aberto. O seu secretário, Robson Silveiro dos Santos, foi apenado com dois anos. As penas restritivas de liberdade foram transformadas em penas restritivas de direito e os dois pastores terão de prestar serviços à comunidae. De acordo com a sentença, eles violaram o artigo 183 da Lei 9.942/97.

A rádio foi descoberta a partir de acusações da Rádio Bandeirantes encaminhadas à polícia. Fazendo-se passar por pastores de outra igreja evangélica, os policiais marcaram uma visita no endereço da rádio e confirmaram o pleno funcionamento da estação. A acusação incluiu folhetos da rádio informando que a estação divulgava a palavra de Deus e pedia donativos, com um número de conta bancária.

A defesa negou todas as acusações. O agente da Anatel ouvido disse que se tratava de uma rádio de grande estrutura em pleno funcionamento. A casa que abrigava os equipamentos funcionava também como escola teológica. O pastor Gomes afirmou que adquiriu a rádio de Valter Guimarães, pelo valor de R$ 8 mil, e que a estação ainda não estava em operação, pois aguardava documentação para entrar no ar. A casa onde ela estava instalada pertencia aos dois acusados. “Ora, o acusado não tem qualquer contrato com Valter, não possui contrato a respeito do imóvel, e parece pouco crível, consoante o documento de fls. 53, que alguém iria divulgar uma rádio com a indicação de conta bancária para que outro se beneficiasse”, afirmou ele na sentença.

Segundo a defesa, a intenção de Ananias era divulgar a palavra de Deus. “Resta claro que não havendo qualquer notificação e interferência nas redes de comunicações e aeroportos não sofreu a sociedade nenhum dano, uma vez que o direito de comunicação está previsto no artigo 5º, IX, da Constituição Federal”, sustentou a defesa. Mas, para o juiz, a liberdade de expressão é válida até o ponto em que não prejudica um terceiro. Como a rádio estava afetando o sinal de outras estações, esse tipo de justificativa não pode ser válida.

Leia a sentença:

Aos 03 de dezembro de 2009, às 15:00 horas, nesta  cidade e Comarca da Capital do Estado de São Paulo,  na Sala de Audiências da Primeira Vara Criminal do Foro Regional III – Jabaquara e Saúde, sob a presidência do Meritíssimo Juiz de Direito, Dr. Helio Narvaez, comigo Escrevente Técnico Judiciário abaixo assinado, foi aberta audiência de instrução e julgamento, constatando-se a presença das partes acima mencionadas, bem como da testemunha de acusação Daniel Eduardo Calza. Ausente, no entanto as testemunhas de acusação Rogério Luis de Andrade e Gerson Luis de Moura Junior. Ato contínuo passou o MM. Juiz a inquirir a testemunha, que consta em termo apartado. Em seguida foi dada a palavra ao Representante do Ministério Público para manifestar-se com relação as testemunhas de acusação faltantes.

Pelo PROMOTOR(A) DE JUSTIÇA, foi dito que: “MM. Juiz, desisto da oitiva das testemunhas e acusação Rogério Luis de Andrade e Gerson Luis de Moura Junior. A seguir, pelo MM. Juiz foi dito que homologava a desistência das testemunhas de acusação Rogério Luis de Andrade e Gerson Luis de Moura Junior, interrogando-se os réus e determinado que as partes debatessem a causa, uma vez encerrada a instrução e sem mais provas a serem produzidas.


Pela ordem foi dada a palavra ao PROMOTOR DE JUSTIÇA, que alegou: "MM. Juiz, Robson Silveiro da Silva e Ananias Gomes foram denunciados como incursos no artigo 183, "caput", da Lei 9472/97, porque, em dia, hora e local mencionados na denuncia, desenvolveram clandestinamente atividades de telecomunicação. Narra a denuncia que, há aproximadamente um ano e meio os denunciados vinham mantendo na garagem da residência de Robson uma rádio clandestina com conteúdo evangélico. Ainda segundo a denúncia o parecer técnico da ANATEL concluiu que a rádio denominada Nova Filadélfia FM operava na freqüência 102,9 MHz e o equipamento, o sistema de irradiação e os objetos relacionados à prática delitiva eram irregulares. A denuncia foi recebida em 22/12/2008. A instrução criminal consistiu na oitiva de uma testemunha de acusação, seguindo-se os interrogatórios dos réus.

É o breve relatório.

Passo a analise do mérito: A materialidade delitiva restou comprovada pelo parecer técnico da ANATEL, juntado as fls. 33/36 , do qual consta que a auto denominada rádio Nova Filadélfia FM operava na freqüência de 102,9 nhz, modulada em FM e localizada na rua Francisco Silveira, 19-A, V. Livieiro, nesta Capital, sendo certo que a emissora em questão instalada e em funcionamento, não possuía a devida licença expedida pela ANATEL, não tendo sido apresentado, no ato da vistoria, nenhum outro documento legal que amparasse o funcionamento da mesma, caracterizando, assim, a ilegalidade da emissora.

O referido parecer técnico, por si só, desmente o contido nos interrogatórios de ambos os acusados, segundo os quais o pastor Ananias havia adquirido os direitos de transmissão da referida emissora, visando à divulgação da palavra evangélica, tendo, porém, afirmado os acusados que a rádio ainda não estava em funcionamento, sendo certo que dependiam ainda de regularizar a documentação necessária para que a emissora pudesse efetivamente funcionar.

Acrescente-se o depoimento prestado pelo agente de fiscalização da ANATEL, Daniel Eduardo Calza, o qual relatou que havia uma informação da rádio Bandeirantes de São Paulo, dirigida à ANATEL, no sentido de que havia uma rádio clandestina de nome, salvo engano, Filadelfia, operando na zona sul. O depoente diligenciou no endereço indicado, acompanhado de policiais civis, sendo certo que ao chegarem ao local, constataram que a rádio estava em pleno funcionamento. Acrescentou a referida testemunha que a parte administrativa, a cargo da ANATEL, foi realizada com a interrupção da radio clandestina, bem como com a elaboração de auto de infração. Disse ainda que os acusados, encaminhados ao 26º DP para autuação, não apresentaram qualquer justificativa ou motivo de a rádio estar em funcionamento, sendo que o papel do depoente referiu-se ao funcionamento da rádio clandestina, dentro dos parâmetros técnicos desta questão. Por fim, esclareceu, que de fato, tratava-se de uma rádio clandestina, haja vista que estava funcionando sem a outorga do Ministério das Comunicações e sem a autorização de uso de radio frequência expedida pela ANATEL.

Como se vê, a rádio clandestina, ao contrário do que alegam os acusados, estava em pleno funcionamento, tanto é que a própria rádio Bandeirantes detectou aquele funcionamento ilegal da rádio e acionou a ANATEL. Não há duvida também de que era o acusado Ananias o principal responsável pela rádio clandestina, uma vez que admitiu este em juízo ter adquirido os direitos de transmissão daquela rádio, sendo também indubitável a co-autoria em relação ao acusado Robson, o qual admitiu que desempenhava a função de secretário da igreja presidida por Ananias, tendo sido, inclusive, a pessoa contatada pela autoridade policial, visando à realização do flagrante.

É o quanto basta para a condenação dos acusados. Posto isso, requeiro seja a presente ação penal julgada procedente, condenando-se os acusados pela pratica do crime que lhes é imputado na denuncia, nos precisos termos desta. Trata-se de réus primários, de bons antecedentes criminais, nada impedindo que lhes seja aplicada a pena mínima cominada para o delito, para cada um deles, sendo possível a concessão da suspensão condicional da pena em favor de ambos.


A seguir foi dada a palavra à DEFESA, que alegou: MM.Juiz, Robson Silveiro da Silva e Ananias Gomes estão sendo acusados de desenvolverem clandestinamente atividade de telecomunicação. Com base no depoimento de Daniel Eduardo Calza não há nenhum registro acerca da interferência nas redes de telecomunicações do aeroporto de Congonhas. Declara o réu Ananias Gomes que adquiriu a rádio do Sr. Valter Guimarães, pelo valor de oito mil reais que o Sr. Valter foi até o local dos fatos e instalou a rádio, não a colocando em funcionamento esperando a documentação prometida pelo vendedor. Alega ainda que com base no que conversou com o senhor Valter a radio funcionava há mais de trinta anos não havendo qualquer contrato entre as partes. O réu tinha sim a intenção de colocar em funcionamento a rádio, mas estava apenas instalada e aguardando a documentação devida. O depoimento de Robson deixa claro que neste local não era sua residência, apenas funcionava a escola teológica e futuramente funcionaria a rádio da igreja.

O réu Robson Silveiro da Silva, recebeu uma ligação de um individuo que se apresentou como pastor “Henrique”, a fim de conhecer a escola teológica e as futuras instalações da rádio. O local foi apresentado a ele e posteriormente se apresentou como repórter da rede Bandeirantes e acompanhado de um delegado. A intenção de Ananias era de divulgar a palavra de Deus. Resta claro que não havendo qualquer notificação e interferência nas redes de comunicações e aeroportos não sofreu a sociedade nenhum dano, uma vez que o direito de comunicação está previsto no artigo 5º, IX, da Constituição Federal, onde é livre a expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação independentemente de censura ou licença. Aqueles que se interessassem pela futura divulgação da rádio teriam a liberdade de escolher em ouvi-la ou mudar de estação. Diante do exposto, requer a absolvição dos acusados uma vez que a rádio se encontrava apenas instalada e não em funcionamento. Caso não seja esse o entendimento do nobre julgador, conceda a eles o beneficio pedido pelo I. promotor de justiça da suspensão condicional da pena. Em seguida, pelo MM. Juiz foi proferida sentença. 

V I S TOS. Trata-se de ação penal que visa apurar a conduta de Robson Silverio e Ananias Gomes, que teriam, no dia 09 de junho de 2008, por volta das 10 horas, na rua Professor Francisco Silveira Bueno, 19, Capital, violado o disposto na Lei que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações. Consta dos autos que os réus ha aproximadamente um ano e meio, estariam no imóvel de propriedade do réu Robson, mantendo em atividade uma rádio clandestina, para divulgação de conteúdo evangélico. Referida rádio operava sem a autorização do Ministério das Comunicações, ou da ANATEL, na freqüência 102,9 MHz, por meio de equipamento de irradiação irregular. Em diligência realizada pela polícia e por agentes da ANATEL, foi descoberta a rádio em atividade, sob o nome de Nova Filadélfia, sendo que o acusado Robson foi autuado em flagrante, e o outro acusado Ananias, por meio de diligência policial em data futura à lavratura do flagrante. Ambos foram denunciados por violação ao art. 183 da Lei 9472/97. A denúncia foi precedida de Inquérito policial relatado a fls. 107/109. Em Juízo foi produzida prova testemunhal com a inquirição de um agente da ANATEL. Na oportunidade os acusados foram interrogados e as partes produziram os debates, ora pela condenação ora pela absolvição.

É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.
Em que pese à acurada defesa realizada pela digna advogada dos réus, forçoso reconhecer que prospera a denúncia. Os requisitos de autoria e de materialidade delitivas se fazem presentes pelo que dos autos consta. A materialidade delitiva foi comprovada por meio do auto de exibição e apreensão de fls. 14/21, em que inúmeros aparelhos, inclusive transmissores e computadores empregados na difusão por ondas de rádio, foram apreendidos pela autoridade policial por meio de diligência que não enfrentou qualquer recurso administrativo, ou judicial, quanto a sua regularidade. No mesmo bordo é o parecer técnico formulado pela ANATEL em que, está registrado que a rádio estava em atividade, operando na frequência indicada na denúncia, sem qualquer autorização ou licença, expedida pela autoridade publica. Com efeito, a materialidade está consubstanciada no documento de fls. 53/54 em que, a rádio Nova Filadélfia indica sua freqüência e pede, de maneira indireta, doações, por conta de o informativo  indicar conta bancária da instituição Itaú. Nessa esteira, está provada a materialidade do evento, que a rádio clandestina operava sem a devida autorização legal, levando a sua programação a quem não estava interessado em ouvi-la, desenvolvendo, clandestinamente, Sua atividade de telecomunicação. Fixada essa premissa, a autoria também é serena, posto que os réus, em juízo, limitaram-se a negar o funcionamento da rádio, cabalmente demonstrado. Na polícia, a fls. 06, Robson Silvério da Silva aduziu: “Que essa rádio transmitia a pregação de Deus e louvores, sendo certo que não havia espaço pra programação publicitária”. Com efeito, o réu confessou o fato de a rádio estar em funcionamento, admitindo também ser o secretário na missão do pastor Ananias. De outra parte, Ananias, em seu interrogatório policial feito um mês após a autuação, negou produzir os programas, e afirmou que Valter seria o responsável por eles, aludida versão foi trazida em juízo, contudo cai por terra por seus fracos argumentos. Ora, o acusado não tem qualquer contrato com Valter, não possui contrato a respeito do imóvel, e parece pouco crível, consoante o documento de fls. 53, que alguém iria divulgar uma rádio com a indicação de conta bancária para que outro se beneficiasse.


Prospera a denúncia, conquanto o depoimento de Daniel Eduardo Calza, prestado nesta oportunidade foi firme e sereno ao apontar que a rádio operava de maneira plena, sem qualquer autorização pública, divulgando clandestinamente informação. Nem se alegue desconhecimento da Lei, posto que a primeira parte do art. 21 do CP é clara ao asseverar “ o desconhecimento da Lei é inescusável”, bem como não se pode alegar a liberdade constitucional de informação ou divulgação de cultura, visto que se trata de uma norma de eficácia contida, e por isso, com a edição da lei 9472/97, a plena liberdade do cidadão acaba sendo limitada conforme o mandamento legal. Prospera a denúncia. Passo a dosimetria da pena. Analisando a culpabilidade de Ananias Gomes, responsável pela rádio, idealizador do projeto, seus antecedentes, sua conduta social, as conseqüências do delito fixo a pena para a violação ao artigo 183 da lei 9472/97 em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção. O regime para o cumprimento da medida será o aberto, conforme a redação do artigo 33, § 2º, do CP.

Deixo de aplicar o sursis, por que a redação do artigo 77, III, do CP é mais benéfica e remete à regra do artigo 44 do mesmo diploma material. Portanto, com fundamento no artigo 44, I, II, e III, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a primeira perdimento dos bens que foram apreendidos e utilizados na rádio clandestina, arrolados a fls. 14/18, com fundamento no art. 45 §3° do CP e 91, II, “a” do CP, referidos aparelhos serão destinados ao fundo penitenciário nacional, bem como prestação de serviços à comunidade pelo período de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses conforme a medida do artigo 183 da lei 9472/97.Passo a dosimetria da pena. Analisando a culpabilidade de Robson Silvério da Silva, secretário do responsável pela rádio, cumpridor das idéias do realizador do projeto, seus antecedentes, sua conduta social, as conseqüências do delito fixo a pena para a violação ao artigo 183 da lei 9472/97 em 02 (dois) anos de detenção. O regime para o cumprimento da medida será o aberto, conforme a redação do artigo 33, § 2º, do CP. Deixo de aplicar o sursis, por que a redação do artigo 77, III, do CP é mais benéfica e remete à regra do artigo 44 do mesmo diploma material. Portanto, com fundamento no artigo 44, I, II, e III, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a primeira perdimento dos bens que foram apreendidos e utilizados na rádio clandestina, arrolados a fls. 14/18, com fundamento no art. 45 §3° do CP e 91, II, “a” do CP, referidos aparelhos serão destinados ao fundo penitenciário nacional, bem como prestação de serviços à comunidade pelo período de 02 (dois) anos conforme a medida do artigo 183 da lei 9472/97.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA e CONDENO os acusados ANANIAS GOMES, a pena de 02 anos e quatro meses de detenção, no regime aberto, por violação ao art. 183 da lei 9472/97, medida esta substituída por 2 restritivas de direito, perdimento dos bens apreendidos e prestação de serviços a comunidade pelo período de 2 (dois) anos e 04 (quatro) meses; e para condenar ROBSON SILVERIO DA SILVA a pena de 02 anos de detenção, no regime aberto, por violação ao art. 183 da lei 9472/97, medida esta substituída por 02 (duas) restritivas de direito, perdimento dos bens apreendidos e prestação de serviços a comunidade pelo período de 02 (dois) anos. Publicada em audiência, saem cientes e devidamente intimados os presentes abaixo assinados. Registre-se" Nada mais.  Eu,________,Décio Delfini Maziero,  Escrevente, digitei e providenciei a impressão.

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