Linguagem jurídica

Textos objetivos prestam serviço ao cidadão

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10 de dezembro de 2009, 8h19

Assim como outras ciências, o Direito possui linguagem própria, com vocabulário especial, de difícil compreensão, mas não menos justificável que o da Medicina, Informática e outras. Tal especificidade, por sua vez, confere à linguagem jurídica um grau de hermetismo que, embora não de todo inquestionável, explica-se pela necessidade de precisão dos conceitos, para muitos dos quais dificilmente se encontram formas alternativas mais simples de substituição.

No entanto, muitas vezes se nota que do tecnicismo a bom termo desanda-se para o rebuscamento, para o emprego de construções excessivamente requintadas, floreadas, o que até pode dar à forma dos textos uma feição cintilante, porém não raro vazia de substância. Essa inclinação para o ornato se verifica tanto no nível lexical, que é o plano da escolha das palavras, quanto no sintático, em que se trabalha a combinação entre elas e os demais constituintes estruturais do período – e ainda no semântico (nível do significado), visto que é a partir de tais escolhas e combinações que se constroem sentidos.

Na dimensão lexical, isso se observa sobretudo no preciosismo do vocabulário, no uso de expressões latinas e arcaizantes. “Pretório Excelso” no lugar de Supremo Tribunal Federal, “peça exordial” no de petição inicial, “objurgatório” no de censurável; e latinismos do tipo a quo (recorrido), ex vi legis (por força de lei), ab initio (desde o início), quantum satis (quanto baste, suficiente), desideratum decisum (pretendido pela decisão) são apenas algumas das algaravias presentes em diversos textos jurídicos.

No plano sintático, a mesma tendência ao adorno se percebe nas construções invertidas ou fora da ordem direta — não raro com a anteposição desnecessária (ou sem razão estilística) de verbos aos sujeitos —, nas frases e períodos longos, centopéicos, sem economia alguma de subordinações e intercalações, o que quase sempre concorre para a incidência nos vícios linguísticos de prolixidade e verbosidade.

Tudo isso somado — rebuscamento, palavrório e tecnicismo ad nauseam — redunda, no plano semântico, em barreiras de leitura que quase impossibilitam a apreensão do sentido, a recepção do texto, sobretudo pelo leitor médio, pelo homem comum. Daí o questionamento: como pode esse mesmo homem atuar de modo mais efetivo no contexto social, político e econômico em que vive se não decifra mínima ou razoavelmente os signos do Direito?

Contudo, para aqueles mais empedernidos na defesa do juridiquês, convém a sugestão de que restrinjam o hermetismo aos textos jurídicos de natureza acadêmica, científica ou doutrinária, dado o público específico a que se dirigem. Já quanto aos de lavra forense, que se destinam diretamente ao público “normal”, hão de se valer de maior simplicidade, objetividade e clareza, para o fim de se ter uma prestação jurisdicional mais eficiente, legítima, cidadã.

Nesse compasso, é oportuno evocar o discurso de posse da ministra Ellen Gracie como presidente do Supremo Tribunal Federal, importante não apenas pelo caráter histórico de trazer as primeiras palavras de uma mulher à frente da nossa Suprema Corte, mas também por demonstrar, entre outras, preocupação com a acessibilidade da linguagem forense:

“Que a sentença seja compreensível a quem apresentou a demanda e se enderece às partes em litígio. A decisão deve ter caráter esclarecedor e didático. Destinatário de nosso trabalho é o cidadão jurisdicionado, não as academias jurídicas, as publicações especializadas ou as instâncias superiores. Nada deve ser mais claro e acessível do que uma decisão judicial bem fundamentada. E que ela seja, sempre que possível, líquida. Os colegas de primeiro grau terão facilitada, a partir de agora, esta tarefa de fazer chegar as demandas a conclusão.”

[Texto alterado em 15 de março de 2010 para correção de informações.]

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