Lei de Imprensa

Publicação de sentença não caiu com Lei de Imprensa

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7 de dezembro de 2009, 13h33

A partir da decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 130, que declarou a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição Federal de 1988, as empresas jornalísticas têm questionado a validade de decisões condenatórias que contemplem a obrigação de publicação da sentença pelo veículo de mídia.

Para muito além de toda a discussão que envolve a coisa julgada e os efeitos da declaração de não recepção de uma norma pela nova ordem constitucional, a questão de fundo é de extrema relevância para a construção do Estado Democrático de Direito, na medida em que se coloca para a Corte Suprema a tarefa de efetivar a harmônica convivência imaginada pela Constituição entre dois direitos fundamentais: liberdade plena de manifestação do pensamento e proteção aos direitos de personalidade.

Nesse contexto, não se sustenta o entendimento manifestado pelo eminente Doutor Alexandre Fidalgo, em artigo publicado na Revista Consultor Jurídico, no sentido de que o “Fim da Lei de Imprensa aboliu a publicação de sentença”.

A determinação de publicar decisão judicial condenatória em decorrência de ofensa perpetrada por veículos de comunicação encontra amparo na Constituição Federal e na legislação ordinária, não tendo sido alcançada pela decisão do STF na ADPF 130.

Efetivamente, a ordem constitucional de 1988 garante como direito fundamental do cidadão a livre manifestação do pensamento, e proclama, em patamar de absoluta igualdade, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art 5º, V, X), assegurado “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou a imagem”.

A sistemática adotada pela CF de reparação do dano a posteriori, como forma de garantia plena da liberdade de manifestação do pensamento, conferiu ao Poder Judiciário a tarefa de, em cada caso concreto, garantir a reparação da lesão através do efetivo direito de resposta além da indenização.

Desse modo, não há medida mais perfeita de proporcionalidade para concretizar o direito de resposta do que a determinação de publicação, com o mesmo destaque dado à matéria ofensiva, da sentença judicial que reconheceu a violação do direito e a consequente condenação imposta ao agressor.

Nesse sentido, é evidente o equívoco do entendimento que limita o alcance do dispositivo constitucional à definição do direito de resposta contemplado na Lei de Imprensa. Tal construção contém equívoco insuperável de premissa, ao pretender conformar a interpretação da Constituição Federal às disposições de lei não recepcionada, exatamente por ser incompatível com a Carta da República.

De outro lado, a legislação ordinária, em absoluta consonância com as disposições constitucionais, assegura a plena reparação do dano causado por ato ilícito (artigos 186, 187 e 927, do Código Civil).

Nas hipóteses de dano moral decorrente de abuso do direito de informar por veículo de imprensa, é inquestionável que a recomposição da lesão causada ao ofendido será, na maior parte das vezes, alcançada de forma muito mais efetiva pela publicidade dada ao reconhecimento do ilícito cometido pelo ofensor, propiciando uma reflexão da opinião pública acerca das infâmias divulgadas.

Essa, inclusive a advertência do Ministro Aldir Passarinho Júnior, em voto proferido no julgamento do processo movido por Eduardo Jorge contra a Editora Abril, por publicações pela Revista Veja (REsp 957.343/DF, DJe 25/04/2008), verbis:

No julgamento do Resp n. 579.157/MT, destaquei em voto vogal, ao acompanhar o eminente relator, o saudoso Min. Hélio Quaglia Barbosa, o seguinte:

"A grande reparação que deve existir, e não vejo porque as partes não procuram se preocupar com isso quando ajuízam a ação, é

obrigar judicialmente que, no mesmo espaço de tempo, houvesse o desmentido formal por parte da mídia responsabilizada pelo ilícito.

Não, é claro, em notas de rodapé ou na seção de cartas ao leitor, mas, efetivamente, no mesmo espaço de página ou programa, ser desmentido o fato que não correspondia à realidade que a imprensa divulgou. Essa é, para mim, a grande reparação."

Tenho, portanto, como integrante do direito à reparação do dano moral a desconstituição pública, geral, das notícias anteriores causadoras da lesão, independentemente da compensação financeira pela dor, humilhação e sofrimento impostos à pessoa atingida. Não há bis in idem, nem condenação não prevista em lei, tampouco transmudação em direito de resposta, e de modo algum excesso. O que há, isto sim, pela conjugação da indenização com o esclarecimento público sobre a erronia e injustiça da matéria lesiva, uma reparação mais eficiente do dano causado.” (grifo nosso)

O artigo 461 do Código de Processo Civil, a seu turno, instrumentalizando a proteção conferida pelas normas de direito material, prevê a concessão de tutela específica pelo Juízo, no caso de obrigação de fazer, evidenciando que a publicação da decisão judicial depende apenas, e tão somente, de pedido específico da parte ofendida.

Portanto, à vista das disposições constitucionais e legais sobre a matéria, não há que se falar em impossibilidade de publicação de sentença por ausência de previsão legal. Essa ressalva, inclusive, constou expressamente do próprio acórdão lavrado na ADPF nº 130, de cuja ementa se extrai o seguinte trecho:

11. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição Federal. Norma, essa, ‘de eficácia plena e de aplicabilidade imediata’, conforme classificação de José Afonso da Silva. “Norma de pronta aplicação”, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.

Como se vê, o Ordenamento Jurídico pátrio contempla arcabouço normativo capaz de equacionar os conflitos decorrentes do abuso do exercício do direito de informar, sendo certo que a Lei de Imprensa há muito não se prestava a tal fim, razão pela qual sua aplicação era reiteradamente afastada em sede de controle difuso de constitucionalidade e servia, apenas, à tentativa dos veículos de mídia de se esquivarem de suas responsabilidades.

No Estado de Direito, onde a censura é inaceitável, a liberdade de imprensa tem como corolário a responsabilidade pelos desvios praticados, cabendo ao Poder Judiciário a missão institucional de impor os limites indispensáveis à construção de uma imprensa livre e verdadeiramente democrática, por meio condenações que representem efetiva reparação do dano moral.

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