Mensalão mineiro

STF aceita denúncia contra Azeredo por mensalão

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3 de dezembro de 2009, 19h37

O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), acusado de comandar o esquema do mensalão mineiro. Agora, o senador responderá pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia, os crimes foram praticados com o desvio de R$ 3,5 milhões de três empresas estatais, para beneficiar a campanha de Azeredo pela reeleição para o governo de Minas Gerais, em 1998.

O julgamento, que havia sido suspenso depois do voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, e do pedido de vista do ministro Dias Toffoli, recomeçou nesta quinta-feira (3/12) com o voto-vista abrindo divergência. “De tudo o que li dos autos, em 42 volumes, eu não vi um ato sequer praticado por Eduardo Azeredo”, disse Dias Toffoli.

Provocações
O ministro colocou em dúvida a autenticidade de um recibo de R$ 4,5 milhões assinado por Azeredo, que comprovaria o esquema ilegal, além de uma lista assinada pelo ex-tesoureiro do senador, Cláudio Mourão. O documento assinado por Mourão foi entregue à Polícia Federal e à imprensa pelo lobista Nilton Monteiro, que também havia trabalhado na campanha de Azeredo.

O papel, cuja autenticidade foi atestada por peritos do Instituto Nacional de Criminalística da PF, em Brasília, diz que Azeredo recebeu R$ 4,5 milhões para "compromissos diversos (questões pessoais)" e também revela que a arrecadação da campanha teria atingido R$ 100 milhões. "Essa soma de dinheiro não se enquadra nas realidades do país daquela época. Essa lista é produto para outras finalidades. É isso que eu deduzo. Claudio Mourão procurava obter mais vantagem", disse o Dias Toffoli.

Antes mesmo que elei terminasse de ler seu voto, foi interrompido pelo relator. Joaquim Barbosa não gostou das considerações do colega. "Isso é claro. Esses fatos só vieram à tona em 2005, após a eclosão do mensalão", disse ele. Em outro momento, enquanto Toffoli lia o voto, Joaquim Barbosa soltou: "Eita!". O relator questionou a decisão de Toffoli. "Nessa fase não se julga nem se examina se é legitimo ou não. Vossa excelência parece que não me ouviu e não leu os atos", afirmou. Dias Toffoli ignorou o colega e devolveu a provocação. "Eu ouvi o senhor por dois dias. Será que posso continuar meu voto?"

"Não tenho a menor dúvida. Os desvios das estatais estão plenamente documentados. Não há a menor dúvida de que houve aparentemente uma lavagem de dinheiro. Somas expressivas transitaram por essas contas e foram utilizadas para pagar os operadores da campanha por ninguém menos que Marcos Valério’, afirmou o relator.

Aceitação da denúncia
A próxima ministra a votar, Cármen Lúcia, por impedimento, não participou da votação. Após a intervenção de Barbosa, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou seu voto. Ele afirmou que a denúncia do Ministério Público deve observar os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal: a exposição dos fatos criminosos com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol dos acusados.

O ministro acrescentou que a denúncia só pode ser rejeitada, de acordo com o artigo 395 do CPP, se for inepta, se ausente algum dos pressupostos da ação ou se faltar justa causa para a sua instauração.

“A denúncia aqui examinada, a meu ver, não é inepta: descreve pormenorizadamente os fatos e explicita a possível participação do acusado neles, de forma individualizada, aludindo a uma série de indícios que formam um quadro lógico e coerente. A par da inequívoca prova da materialidade dos delitos, há vários indícios de autoria”, concluiu Lewandowski.

O ministro Eros Grau foi o segundo a divergir do relator, ministro Joaquim Barbosa, votando pela rejeição total da denúncia. “Não vejo vínculo do acusado com os crimes de que se cuida”, disse. Grau lembrou que, no julgamento do inquérito que deu origem à Ação Penal 470 — chamado de processo do “mensalão” —, também votou pela rejeição de alguns pontos daquela denúncia porque se baseavam apenas em ilações. Ele concluiu seu voto revelando que, na dúvida, tem preferido seguir a tendência de privilegiar o Estado de Direito, e não o Estado Policial.

O ministro Carlos Britto decidiu receber a denúncia, acompanhando o voto do relator. Ele destacou a qualidade técnica de três peças essenciais submetidas à apreciação: o inquérito policial, a denúncia em si e o relatório do ministro Joaquim Barbosa. “São três peças de grande qualidade e que até sequenciam do ponto de vista mais lógico possível o tracejamento de fatos que, em tese, são criminosos, como o peculato e a lavagem de dinheiro”, disse.

Britto entendeu também, pelo menos nesse juízo primeiro, que se montou mesmo no estado de Minas Gerais um esquema de caixa dois. “Caixa dois costuma ser o início de toda corrupção administrativa no Brasil.” Ele afirmou que o esquema parecia a “reprise de um filme que já foi visto e cujo modelo fez escola. Os protagonistas, o modus operandi, o tipo de benefício, um agente central nesse processo do ponto de vista da operacionalização que não entendia nada de publicidade, mas entendia tudo de finanças e de como obter com extrema facilidade recursos financeiros para campanhas eleitorais”, declarou.

Também acompanhou o voto do relator, pelo recebimento da denúncia, o ministro Cezar Peluso. “Há fortes indícios de participação do denunciado, para efeitos de recebimento da denúncia”, disse o ministro, com base nos longos depoimentos como o de Carlos Henrique Martins Teixeira, Vera Lúcia Mourão de Carvalho Veloso e Nilton Antônio Monteiro. Para Peluso, essas declarações têm em comum a afirmação de que Eduardo Azeredo teria conhecimento da origem ilícita dos recursos empregados em sua campanha à reeleição. 

Quinto ministro a votar pelo recebimento do inquérito, o ministro Marco Aurélio afirmou que a denúncia é uma “peça minuciosa”, que se reporta a depoimentos, elementos e entrelaçamentos de fatos que viabilizam a defesa. “Fica difícil sustentar-se que, na espécie, não se tem dados capazes de conduzir ao recebimento da denúncia”, afirmou.

“O Supremo não é cemitério de inquéritos e ações penais contra quem quer que seja. O Supremo atua a partir dos elementos coligidos nos autos; a partir dos elementos do processo, se já instaurada a ação penal, e chega, num ambiente democrático revelado pelo colegiado, a uma conclusão a respeito, tornando prevalecente a ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica constitucional”, disse.

Ao votar contra a abertura da ação penal, o ministro Gilmar Mendes alertou que, mais que uma peça processual que deve cumprir os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia é um instrumento por meio do qual o órgão julgador pode avaliar a efetiva necessidade de submeter o indivíduo às agruras do processo penal, daí a necessidade de rigor e de prudência por parte não só daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais, mas também daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

“A análise de uma denúncia deve ser revestida dos maiores cuidados por parte de todos nós, julgadores, sempre tendo em vista a imposição constitucional de resguardo dos direitos e garantias individuais. Quando se fazem imputações incabíveis, dando ensejo à persecução criminal injusta, viola-se também o princípio da dignidade da pessoa humana”, disse Mendes.

Questão de ordem
Depois de colhidos os votos, o relator, ministro Joaquim Barbosa, suscitou questão de ordem no sentido de que houvesse início imediato da instrução da ação penal, independentemente da publicação do acórdão. O ministro Marco Aurélio abriu divergência, não concordando com a proposição, tendo sido seguido pelos demais ministros. A questão de ordem foi rejeitada pelo tribunal, ficando vencido o relator.

Assim, para ser iniciada a ação penal (ouvir testemunhas, interrogatório do réu e produção de provas), deverá aguardar-se a publicação do acórdão e o julgamento de eventual recurso a ser oposto contra o recebimento da denúncia. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Clique aqui para ler o voto do ministro Dias Toffoli.

Inq 2.280

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