Além de intérprete

Advogados não devem atuar só para clientes

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31 de agosto de 2009, 10h10

A velocidade da informação nos dias de hoje não encontra precedente na História. A cada instante, em qualquer lugar e pelos mais variados modos, o ser humano tem acesso a uma quantidade imensa, quase infinita, de notícias, opiniões, análises, críticas, sugestões, orientações, enfim, uma torrente alucinante de dados a lhe ocupar o cotidiano.

Vivemos um tempo de pessoas capazes de falar sobre quase tudo: do debate político em Brasília à crise política em Honduras; da gripe suína ao happy hour do Obama; da crise da Bolsa de Valores, passando pela reeleição do Lula, até a estreia do novo filme Harry Potter — nada escapa ao amplo conhecimento adquirido quase instantaneamente.

Amplitude não é, contudo, sinônimo de profundidade. Tampouco conhecimento pode ser confundido com sabedoria.

O conhecimento sobre algo, sobre determinado fato ou assunto, muitas vezes não ultrapassa os limites da curiosidade. Não seria correto, sequer, tratar este nível de informação como empírica, porque não advém de experiências, conclusões, mas sua fonte é unicamente a curiosidade. É cada vez mais comum nos vermos entre pessoas — e, porque não, dentre elas — em meio a um acalorado debate sobre um tema relevante, como economia, política, saúde, informática, Justiça, só para citar alguns, cuja origem não é outra senão uma nota de uma revista semanal. E o combustível da controvérsia daquela roda de pseudoespecialistas, notas de alguma página de internet, de blogs, um comentário em um telejornal noturno, nada além disso.

O homem comum parece não só acostumado a este ambiente, como ter suas ideias e, infelizmente, seus ideais amortecidos, estagnados, como se anestesiados por esta situação. Uma espécie de conformismo causado pelo muito ouvir, muito repercutir, mas pouco pensar. Muita informação, quase nenhuma reflexão.

Não é necessária uma explanação filosófica para justificar o distanciamento entre este tipo de conhecimento e a especialização, cuja gênese é o estudo sério, pausado, cauteloso, remansoso, e em cujo exercício diuturno reside o caminho único, sem par, para a sabedoria.

Reside neste ponto o motivo deste artigo.

Como advogado militante há alguns anos — sócio de um escritório pelo qual passaram acadêmicos de Direito e hoje também advogados atuantes, magistrados, procuradores, operários do Direito, por assim dizer —  noto, e me confesso por vezes perturbado, a falta de percepção de muitos daqueles que hoje dão os primeiros passos nas letras Jurídicas sobre o real mister da profissão de advogado.

Não é o advogado um homem comum. Ao menos, não deveria, nem deve ser. O advogado não pode, nunca, se conformar em conhecer as coisas perfunctoriamente. Não pode se conformar com uma pesquisa, sobre um tema jurídico, feita em alguns minutos, no Google. Jamais deve se conformar em ser apenas um curioso em sua profissão. O advogado deve se conformar com pouquíssimas situações, aliás. Ou não será um advogado.

É condição de nossa profissão o estudo incessante, a busca inebriante e incansável pela evolução do Direito e, corolário lógico, da sociedade como um todo. Não se pode conceber uma sociedade equilibrada sem ser Justa. Jamais será justa se nós, advogados, não levarmos adiante nossa missão de colaboradores do Poder Judiciário, de criadores de argumentos, calcados na interpretação das Leis, capazes de fazerem refletir juízes, desembargadores, ministros. Porque se nos Tribunais se dá a interpretação das Leis, constitucionais ou não, isso só ocorre porque lá chegam nossos argumentos, imortalizados em processos judiciais desgastantes, mas profícuos. Esta, aliás, a força motriz de um verdadeiro Advogado — saber estar atuando não apenas para seu cliente, mas para a sociedade como um todo.

Nada disso se faz, porém, sem estudo, especialização, sabedoria. Sem isso, o advogado deixa de ser um intérprete da Lei, de ser o fio condutor da formação de uma sociedade mais justa, para ser apenas um repetidor do que já é considerado justo. Deixa de ser um personagem desafiador, questionador, para ser um reles leitor de acórdãos, de posicionamentos preexistentes à formação de sua própria convicção, que nunca chegará, nem mesmo, a nascer.

É cada vez mais comum ouvirmos de jovens estudantes afirmações como “neste caso o STJ ou o STF entende assim” e mais raro questionamentos saudáveis como “porque o STJ julga assim?“ Vivemos tempo de pragmatismo. De paixão e festejos por Súmulas.

Longe de se querer questionar a capacidade de nossos Tribunais em dar ao Direito a correta interpretação, motivou este arrazoado a preocupação com uma possível futura carência de advogados capazes construir argumentos firmes, análises bem construídas, aptos a desafiar eventuais posições aparentemente definitivas do Poder Judiciário sobre determinado assunto e, porque não, permitir a evolução daquela interpretação da norma para outra, mais adequada, mais justa.

Sem o estudo constante, sem aprofundamento do conhecimento da Ciência Jurídica, viveremos um mundo de Súmulas. Talvez um mundo positivista, onde o advogado se contentará em ser informado da existência de uma Lei, da interpretação tida como correta desta Lei.

É importante, pois, para afastar esta hipótese terrível, lembrarmos a cada neófito, em cada Faculdade de Direito, da estirpe à qual decidiu pertencer. De que deve se preparar para pertencer a uma categoria de indivíduos cuja profissão se confunde com a missão de construir o Estado de Direito, combater o arbítrio e a injustiça e desenvolver a Ciência Jurídica.

[Título corrigido em 15 de janeiro de 2010, às 18h23.]

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