Direitos Autorais

Advogados querem mais mudanças em nova lei

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25 de agosto de 2009, 1h26

O Ministério da Cultura abriu para debate público a reforma da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98). Além de revisar trechos desatualizados como o que trata de reprodução de obras na internet, o ministério também estuda a criação de um conselho que possa agir como moderador de conflitos. Na visão dos especialistas que participaram da discussão sobre o tema durante o XXIX Seminário e Congresso Internacional da Propriedade Intelectual, no Rio de Janeiro, há outros pontos importantes que não estão contemplados no último relatório publicado pelo Ministério, como a melhor definição do conceito de execução pública de música, regulamentação para obras de encomenda e tempo de prescrição. O Ministério espera encerrar o debate até o final deste ano.

Para o advogado Manoel Joaquim Pereira dos Santos, da Santos & Furriela Advogados, que apresentou suas propostas de mudança na lei durante o seminário, uma das principais questões não levadas em conta pelo Ministério é a que trata do entendimento sobre o que deve ser considerado execução pública, principalmente quando se trata de música tocada em recinto fechado de caráter privado. Hoje é polêmica na Justiça se festas de casamento ou consultórios médicos, por exemplo, devem pagar pela execução musical. (Clique aqui para ler mais). A arrecadação por meio de “direitos gerais”, relacionados a sonorização ambiental, foi uma das  maiores arrecadações do Ecad Escritório Central de Arrecadação e Distribuição em 2008: 27% dos R$ 271 milhões arrecadados.

As inadequações da legislação em vigor se estendem também ao mundo virtual. Hoje se reconhece a disponibilização de obras na internet como execução pública. Uma interpretação contraditória na opinião de Pereira. Para ele, as hoje chamadas rádios e TVs virtuais não fazem uma exibição simultânea, apenas disponibilizam seus arquivos em formato de vídeo e áudio para exibições únicas e individuais, por isso, não cabem no conceito de execução pública.

Ele entende ainda que há diferença entre as rádios e TVs na web que usam o sistema webcasting – que utiliza o formato streaming de exibição (execução da música, sem permitir o download) e o simulcasting – versão virtual de uma emissora. Para ele, o Youtube, por exemplo, deve ser considerado uma biblioteca virtual, já que o usuário acessa no seu tempo, individualmente. Ele ainda aplicaria o mesmo conceito às rádios que criam playlists (listas de música) a gosto do usuário como a Last FM e a Pandora, esta última que somente opera nos Estados Unidos por contar lá com uma legislação mais flexível, tornando o negócio acessível e viável financeiramente.

Na exposição de Steve Solot, presidente da Latin America Training Center, consultoria que gerencia direitos digitais, há outros exemplos de portais de conteúdo que se restringem ao território norte-americano, como o Hulu (similar ao YouTube) e o Movielink, que vende filmes por download (on demand).

Para se ter uma ideia da confusão criada com as novas tecnologias, segundo Pereira, o “ringtone” (toque de celular) já foi considerado execução pública, até que se entendeu ser “direito de reprodução”. Em sites de venda de música, por exemplo, o streaming  é considerado hoje como demonstração, mas os podcasts (arquivos de áudio publicados na internet) também hoje são considerados execução pública.

Outro ponto destacado por Manoel Pereira é em relação à penalidade para quem comete a infração de execução pública. Hoje ela é relativa ao valor pago por uso autorizado. “A quantia é tão fora da realidade, que a jurisprudência de tribunais superiores desconsidera a lei na hora de afirmar o valor a ser pago pelo infrator”, comenta o advogado.  

A ConJur procurou o Ecad para mais esclarecimentos sobre esses temas, mas a entidade preferiu não se pronunciar porque não havia nenhum representante seu no painel do seminário que tratou do assunto.

Outro ponto polêmico são as restrições impostas a cópias privadas e formatos digitais, considerando ilegal até a transformação de um CD legalmente adquirido para o formato MP3. O ato só é permitido com a autorização dos titulares. Além disso, bibliotecas e museus não estão autorizados a fazer cópias de segurança de seus acervos. Na análise do Ministério, a ideia é que se escolha entre a medida radical de eliminar da lei todas as medidas de proteção tecnológicas ou permitir, de forma moderada, o uso de ferramentas de proteção de arquivos contra cópia. É previsto também dar uma diferenciação mais clara entre os conceitos de interesse público e privado.

Na opinião de Manoel Pereira, a lei deveria deixar de criminalizar algumas condutas já aceitáveis na era digital e complementa ainda que as obras devem ser mais abertas para fins didáticos. “Já há inclusive jurisprudência que assegura essa prática. O problema da lei hoje é que o texto permite a utilização de pequeno trecho, o que inviabiliza o uso de algumas obras para esse fim. Há certos tipos de textos e vídeos que não fazem sentido educacional se não utilizados na íntegra”.

Compartilha dessa opinião o advogado Álvaro Loureiro, sócio do Dannemann Siemsen Bigler. Para ele, os conteúdos on demand na internet devem ser remunerados de outra forma e não pela ideia de execução pública. “O grande problema é que essa outra forma de pensamento deveria ter sido adotada desde o início da internet, mas as gravadoras e produtoras resolveram bater de frente contra essas tecnologias e, hoje, está mais difícil de adaptar a lei às novas necessidades”. Ele acredita que os anúncios nestes sites podem ser fonte de renda para o pagamento dos direitos autorais de quem os publica.

Loureiro complementa ainda a necessidade de uma regulamentação sobre a prescrição de infrações no direito autoral. “O texto que trazia o prazo de prescrição foi vetado e o tema passou a ser remetido ao Código Civil, mas com o novo Código em 2002, o tema foi enterrado e não há em que se basear”, explicar.

A diferença entre cessão (transmissão do direito) e licença (uso ou gozo do direito) também foi levantada como falha na legislação vigente por Manoel Pereira. Por não diferenciar os conceitos com clareza, a elgislação acaba provocando conflitos e longos debates judiciais. “É preciso entender que há uma grande diferença entre estes dois conceitos, pois a cessão gera receita para a empresa e a licença, despesa”.

Os especialistas em direito autoral na área de audiovisual também têm suas reclamações. Para Ivana Crivelli, da Crivelli & Carvalho Advogados Associados, a lei hoje deixa o produtor e o roteirista na dependência apenas de  bons contratos, já que a lei não deixa claro a importância que estes dois cargos têm na criação intelectual de um filme. “O roteirista é confundido com o argumentista – sendo que o roteirista cria seu texto com base num argumento pré-definido –  e o produtor é diferenciado de organizador, sendo que ele, muitas vezes, acumula as duas funções. “Como a legislação é bastante aberta e possibilita muitos formatos de contratos, é disso que os profissionais do cinema devem tirar proveito para garantir seus direitos posteriores sobre a obra”, explica.

Ministério como moderador
O Ministério da Cultura afirma, em seu diagnóstico, que seu principal desafio na reforma é “atualizar a legislação e retomar a função do Estado como responsável pela supervisão e fiscalização das atividades do setor no país.” Tanto os especialistas como o Ministério concordam que o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), que foi instituído em 73 e desativado em 1990, deixou um vácuo na estrutura administrativa do órgão. O Conselho atuava no papel de arbitragem e moderador de conflitos, mas hoje, as demandas vão direto para a Justiça.

A proposta do Ministério é criar um novo conselho. Advogados especializados da área, contudo, preferem a ideia de uma agência, em que se corre o risco de serem criadas mais regras restritivas, mas, ao menos, centraliza os assuntos relacionados aos Direitos Autorais. De acordo com o ministério, esse vácuo causa milhares de processos judiciais por conta da inadimplência de usuários e de abusos na cobrança do uso de obras intelectuais, dúvidas quanto ao critério de distribuição e risco de represálias contra o Brasil na OMC por conta do descontrole no repasse de direitos autorais a titulares estrangeiros.

Para Álvaro Loureiro, o conselho deveria ser recriado como era descrito na antiga lei em que o órgão compunha “membros de notório saber sobre o tema”. “Sendo composto por juristas, advogados especialistas, com apenas a representação do Ministério, esse conselho pode servir bem como moderador de conflitos”.

O Ministério ainda entende que essa “entidade” pode acumular funções como coordenar negociações internacionais, promover e difundir o direito autoral, organizare dados junto ao Banco Central e à Receita Federal, registrar obras e regular e proteger o domínio público. Segundo Álvaro Loureiro, para agir como centralizador de registros, é preciso uma agência, como é o INPI, por exemplo, mas é nítido que hoje há uma completa desorganização e descentralização dos registros que são essenciais para a produção de provas”, expllica.

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