Os cupins na Constituição

CF tem sido atacada por interesses dos mais variados

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24 de agosto de 2009, 16h13

A Constituição é o fundamento sobre o qual se assenta a ordem jurídica brasileira. Ela contém ou deveria conter aquelas normas que são fundamentais a vida do país. Ainda que muitos a critiquem por ser casuística e chegar a detalhes que não deveria tratar em muitas matérias, no bojo da Constituição há certos princípios extremamente importantes, ligados a garantia dos direitos individuais e à manutenção da segurança jurídica.

Realmente, não há um Estado Democrático de Direito (Constituição artigo1, caput) sem que exista segurança jurídica e os direitos individuais sejam garantidos, o que é reforçado pela chamada cláusula pétrea (CF artigo 60, parágrafo 4º). Todavia, ao longo do tempo, interesses, os mais variados, tem atacado a Constituição. Agem como cupins na viga que sustenta um imóvel. Vão fazendo buraquinhos que na aparência não causam danos, mas quando atingem um ponto a estrutura perde resistência e esboroa-se.

Há cupins atacando a Constituição
Um deles é a chamada teoria da relativização da coisa julgada. Quando o legislador constitucional, na esteira dos estados de direito democráticos erigiu a coisa julgada em garantia individual (CF, artigo 5º, XXXVI) a sua intenção era assegurar a estabilidade jurídica. A Constituição não distingue se a coisa julgada foi justa ou injusta. Estabelece um momento a partir do qual a decisão judicial não pode mais ser tocada, nem ser mexida. A vedação é absoluta e da mais alta hierarquia no sistema jurídico.

Sem dúvida, decisões judiciais nulas por não terem os pressupostos processuais de existência não geram coisa julgada (porque lhe falta condição essencial para a sua existência). Por serem nulas não existem e não dão azo a coisa julgada.

O remédio para as injustiças, para os vícios não insanáveis, sempre foi a ação rescisória colocada como derradeira etapa a ser eventualmente superada antes de a decisão consolidar-se em coisa julgada.

A maioria avassaladora das decisões, no Brasil, só adquire o status de coisa julgada depois de cumprido longo percurso que vai do primeiro grau até o Supremo Tribunal passando pelos Tribunais de Justiça dos estados ou pelos Tribunais Regionais Federais e pelo STJ. Percorrem o iter, não uma nem duas, mas cinco ou seis vezes, e são discutidas todas as questões que a imaginação dos advogados e partes possa inventar. Mas os partidários da relativização da coisa julgada desejam fazer tabula da coisa julgada, com base em noções subjetivas, como o conceito de justiça, ou a suposta ocorrência de prejuízos para o Estado e por ai afora.

De relativização em relativização a coisa julgada deixará de existir, e a Constituição será letra morta, pois os buracos do cupim abalam as garantias individuais.

Outro exemplo são os cupins que devoram o direito de propriedade. O direito à propriedade é garantido, com seu exercício limitado à função social que tem ou deve ter. Os cupins agem criando restrições não previstas constitucionalmente ou criando obrigações que não são do proprietário. É o caso da interpretação que alguns deram ao dispositivo do código florestal que impõe que terras agricultáveis sejam transformadas em floresta.

Ela ignora que o custo do reflorestamento deve ser suportado pela União (CF artigo 225, 1º.) porque compete a esta o dever de reflorestar. Ignorando essa norma pipocam ações propostas pelo Ministério Público (supostamente guardião da Constituição) impondo aos proprietários não só suportar o ônus da diminuição da área agricultável que se transformará em floresta, e também o de reflorestá-la as suas custas. Essas ações levam a uma diminuição do patrimônio daqueles que já detinham a propriedade, estabelecendo uma servidão em favor do Estado.

Se estamos, todos, de acordo quanto a importância do reflorestamento, também ninguém pode negar que o benefício é difuso, e cabe constitucionalmente ao Estado, representando a coletividade, pagar por ele.

Outro cupim ataca a garantia de acesso ao Poder Judiciário (CF, artigo XXXV). Ele veda expressamente a edição de lei que exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Um Estado estrangeiro, eventualmente, vem postular a extradição de determinada pessoa. A questão é apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (Constituição artigo 102 I, g), inclusive para fazer com que se siga o devido processo legal e proteger a pessoa objeto do pedido. O Estado que pleiteia a extradição é parte no processo e tem o direito à decisão, o extraditando tem o direito de defesa e sabe que depende de regras objetivas e garantidoras dos sues direitos como pessoa.

Mas, uma interpretação canhestra da lei levou a se conceder refugio a alguém que já é objeto de uma ação de extradição. Ora, como sabemos, a interpretação de uma norma não pode servir para negar efeito a Constituição, nem para invalidar a lei objeto da interpretação isso é cediço. Ocorre que se tem concedido o refúgio (ou ás vezes devolvido pessoas ao arrepio da lei) ignorando que a concessão do refúgio depende do momento em que é concedida. Antes do processo de extradição, cabe; depois, caberá também, mas iniciado o processo de extradição, não pode ocorrer. Não pode porque obstaculiza o curso da Justiça, e impede ou frustra o acesso a mesma.

Outro cupim ataca a liberdade de expressão e o direito dos jornais de informar, Medidas liminares funcionam como a censura, recorrente nos surtos ditatoriais ao longo de nossa história. Nem é preciso dizer mais. O leitor terá visto outros cupins, Mas basta refletirmos sobre esses para perceber que podem destruir a constituição e acabar com nossos direitos fundamentais.

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