Pessoas jurídicas

Lei de crimes ambientais precisa evoluir

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19 de agosto de 2009, 9h29

A Constituição Federal de 1988, atenta à moderna tendência mundial de se estabelecer mecanismos aptos a coibir a neocriminalidade e as violações aos direitos pertencentes à coletividade, inovou o sistema de responsabilização penal até então existente em nosso país e possibilitou a responsabilização penal da pessoa jurídica em matéria ambiental no seu artigo 225, parágrafo 3º, que dispõe: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

Em 1998, com o advento da Lei 9.605, chamada de Lei dos Crimes Ambientais, tornou-se possível a efetivação da responsabilização criminal dos entes coletivos por ações cometidas em detrimento do meio ambiente, uma vez que, além de estabelecer tipos penais incriminadores, a novel legislação previu expressamente os requisitos para a imputação (artigo 3º) bem como sanções penais peculiares à natureza jurídica das empresas (artigos 21 a 23).

Compreendendo a opção política do legislador constituinte no sentido de se responsabilizar a pessoa jurídica por crimes ambientais, hodiernamente a grande maioria da doutrina brasileira, bem como a jurisprudência dominante de nossos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (v.g. REsp 847476/SC, HC 93867/GO e RHC 19119 / MG) e do Supremo Tribunal Federal (Habeas Corpus 92921/BA), têm assegurado o cumprimento da legislação vigente, viabilizando o processo e a condenação de pessoas jurídicas que praticam condutas lesivas ao meio ambiente natural, cultural, urbanístico e à administração ambiental, tipificadas na Lei 9605/98.

Entretanto, uma questão que ainda não foi objeto de análise detida pela doutrina e jurisprudência pátrias diz respeito à possibilidade de se responsabilizar a pessoa jurídica por condutas criminosas violadoras do bem jurídico meio ambiente, mas que não estão tipificadas na Lei de Crimes Ambientais.

Seria isso possível ?

Particularmente pensamos que sim, pois a Constituição Federal foi absolutamente clara em dizer que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais .

Percebe-se sem esforços que o texto constitucional não é restritivo e nem tampouco faz menção a um diploma incriminador específico, de forma que, pela teleologia da norma constitucional, basta que determinada conduta efetivamente lesiva ao meio ambiente encontre tipicidade em qualquer norma penal incriminadora vigente no país para que seja possível, em tese, a responsabilização penal da pessoa jurídica.

Tanto isso é certo que, em termos infraconstitucionais, admite-se que foi a Lei 8.213 de 24/07/1991, em seu artigo 19, parágrafo 2º, que dispôs pioneiramente sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em nosso país, tratando da proteção ao meio ambiente do trabalho. O dispositivo legal diz: "Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho".

Entretanto, a falta de um sistema próprio de responsabilização criminal tornou inócua a sobredita norma penal incriminadora até que adveio o artigo 3º da Lei 9605/98, dispondo que: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”

Nota-se que tal dispositivo estabeleceu os requisitos infraconstitucionais necessários para a imputação da conduta criminosa à pessoa jurídica, e que, somado às penas específicas tratadas nos artigos 21 a 23 da Lei 9605/98 compõem um micro-sistema específico de responsabilização penal dos entes coletivos pela prática de condutas criminosas lesivas ao meio ambiente.

O fato da conduta lesiva encontrar adequação típica em um outro diploma legal (v.g. Lei de Parcelamento do Solo Urbano – 6.766/76; Lei de Agrotóxicos – 7.802/89; Lei de Biossegurança – 11.105/2005, e mesmo em alguns tipos previstos no na Lei de Contravenções Penais e no Código Penal Brasileiro) não se mostra como óbice à imputação contra a pessoa jurídica, pois o artigo 3º. da Lei 9.605/98 em momento algum disse que a possibilidade de penalização se restringia aos crimes previstos naquela lei, mas sim que a responsabilização penal (o que é coisa sabidamente diversa) se daria conforme aquela norma.

Desta forma, não há se falar em interpretação extensiva de norma penal incriminadora, até porque o artigo 3º acima transcrito, repise-se, não trata de hipótese de criminalização (a respeito do que a Constituição Federal foi expressa e abrangente), mas de mero sistema de responsabilização penal, viabilizando a aplicação do sistema repressivo pelo qual optou soberanamente o constituinte brasileiro.

Se a responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de crimes tipificados na Lei 9.605/98, superados mais de dez anos de acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais, já pode ser considerada atualmente como uma realidade, a extensão dessa responsabilização para outras condutas altamente lesivas ao meio ambiente e tipificadas como delitos em outras normas mostra-se como um avanço necessário para a maior proteção do meio ambiente.

Eis um tema novidadeiro e que certamente merece maior reflexão por parte dos operadores do Direito Penal Ambiental, embora possa parecer, de início, heterodoxo. Afinal, as novas concepções em geral surgem como heresias mas logo se dissipam e aos poucos se incorporam no campo da ortodoxia.

Autores

  • Brave

    é coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais e professor de Direito Processual Ambiental no Curso de Pós-Graduação do Centro de Atualização em Direito de Belo Horizonte

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