Evolução do STF

A transformação no controle de constitucionalidade

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17 de agosto de 2009, 10h26

Ao enfatizar a importância do controle abstrato de constitucionalidade (através de instrumentos como Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade) e criar instrumentos como a Repercussão Geral para a filtragem de Recursos Extraordinários, o Supremo Tribunal Federal iniciou o processo para se tornar de fato uma corte constitucional. O que fará reduzir o grande número de recursos em que a decisão, até então, só valia para as partes envolvidas.

Ao fazer esta análise, o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, afirma que o Recurso Extraordinário não pode ser tratado como mero instrumento de defesa de posições subjetivas. Em 2007, chegaram quase 160 mil processos no Supremo. “Não eram 160 mil causas constitucionais, mas processos”, reclamou o ministro.

A Constituição Federal não permitia restringir a chegada de recursos ao STF, apesar de as questões se repetirem sempre e os entendimentos, em sua maioria, já estarem consolidados. Isso gerou uma "crise numérica" que precisou ser enfrentada. A Emenda Constitucional 45/2004 inovou ao permitir a filtragem dos recursos. Mas a lei que regulamentou a Repercussão Geral só entrou em vigor em 2007. A partir daquele ano, todos os recursos deveriam chegar com uma justificativa de existência de relevância do ponto de vista social, econômico, político ou jurídico.

Essa exigência, entretanto, não tem sido observada pelos advogados, de acordo com números do STF. De julho de 2007 a julho de 2009, 73,2% do REs distribuídos não continham justificativa de que a matéria discutida no processo teria repercussão geral. Logo, foram automaticamente rejeitados. Para Gilmar Mendes, é fundamental estar atento às transformações pelas quais está passando o controle de constitucionalidade no país, entre as quais se inclui o processo de objetivação do RE.

Alcance da decisão
Durante o 3º Congresso LFG de Estudos de Casos Jurídicos, em São Paulo, o presidente do STF questionou a necessidade de intervenção do Senado quando o Supremo reconhecer a inconstitucionalidade de normas através de RE. De acordo com o artigo 52, X, da Constituição Federal, a declaração incidental de inconstitucionalidade só terá eficácia para todos quando o Senado chancelar a decisão do Supremo.

Para Gilmar Mendes, o controle de constitucionalidade incidental deveria ser equiparado ao controle direto. Isto é, deveria ter eficácia geral, sem passar pelo crivo do Senado. Esta questão entrou na pauta do Supremo na Reclamação 4.335, em que um cidadão preso pedia a aplicação no seu caso da decisão de fevereiro de 2006, e, por seis votos a cinco, os ministros do STF declararam a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que proibia a progressão do regime de cumprimento da pena (parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90). A decisão havia sido tomada em Habeas Corpus.

Os ministros do Supremo também analisaram se a decisão teria caráter retroativo. Concluíram que não porque a posição anterior da corte era pela constitucionalidade da lei. Para Gilmar Mendes, com isso, criou-se uma contradição: se o Supremo pode modular os efeitos da decisão em controle incidental de constitucionalidade, por que seria indispensável a comunicação ao Senado? Esta discussão ainda está em aberto. “Na prática, o Supremo já vem reconhecendo a eficácia erga omnes de suas decisões em sede de controle incidental”, afirma o presidente da corte.

Uma saída para que decisões em HC ou Recursos Extraordinários ganham eficácia geral é a edição de uma Súmula Vinculante. Prevista na Emenda Constitucional 45, assim como a Repercussão Geral, o instrumento foi regulamentado pela Lei 11.418/06. Hoje, 14 enunciados estão em vigor, devendo ser respeitadas por todo o Judiciário e também pela administração pública. A edição da súmula não precisa passar pelo crivo do Congresso.

Controle abstrato
A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi a primeira a permitir o controle abstrato de leis e normas. Nasceu, sem esse nome, como forma de regular a intervenção do Executivo, mas apenas o procurador-geral da República poderia usá-la. Fato bastante contestado, já que ele era também quem defendia o governo. De acordo com a Emenda Constitucional 16, de 1965, a decisão sobre a inconstitucionalidade da lei cabia ao Supremo. O reconhecimento da competência da corte para conceder liminar nesse tipo de ação veio depois, com a Emenda 7, de 1977, à Constituição de 1967.

O fim da restrição à propositura de ADIs veio com a Constituição de 88. A partir de então, o presidente da República, a Mesa do Senado, da Câmara, de Assembleias Legislativas, governadores, OAB, partidos políticos, sindicatos e entidades de classe também foram legitimados a pedir o controle abstrato da constitucionalidade de leis. A ADI, assim como a Ação Declaratória de Constitucionalidade, foi regulamentada através da Lei 9.868 de 1999.

A discussão sobre a necessidade de criação de um instrumento para declarar a constitucionalidade de uma lei começou em 1970. O MDB, único partido da oposição representado no Congresso Nacional, pediu ao procurador-geral da República que contestasse o decreto-lei, editado pela então presidente Garrastazu Médici, que legitimava a censura prévia de livros e jornais. O PGR não era obrigado a propor a ação e ele decidiu que não o faria. O partido entrou com uma reclamação no Supremo.

A corte a rejeitou, por entender que o só procurador-geral poderia decidir se deveria oferecer representação para verificar a constitucionalidade da lei.  O único a votar contra foi o ministro Adauto Cardoso. Começou entre os juristas da época um debate sobre a discricionariedade do procurador-geral para propor este tipo de ação.

Segundo Gilmar Mendes, “aos poucos, as pessoas foram vendo a necessidade de obrigar o procurador-geral a propor a ação. O Supremo começou a entender que ele tinha que encaminhar a ação e depois apresentar parecer contrário à declaração de inconstitucionalidade”. O PGR estaria, então, pedindo a declaração da constitucionalidade da lei, observa o atual presidente do STF.

Em 1990, Gilmar Mendes e Ives Gandra se juntaram para pensar uma forma de declarar a constitucionalidade de uma norma. Escreveram o projeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade e levaram ao deputado federal Roberto Campos, que apresentou a proposta ao Congresso.

Gilmar Mendes lembra que a tramitação do projeto foi muito lenta, porque não havia muita simpatia à figura de Roberto Campos. “Ele era visto pela esquerda brasileira como o diabo humanizado”, segundo o ministro. “Quando o presidente Itamar se engajou na aprovação da PEC da mini reforma fiscal, aprovou uma versão minimalista da proposta inicial. O Congresso limitou o seu uso e não permitiu que tivesse efeito vinculante. Na reforma de 2003, isso acabou. Hoje, todos que podem entrar com ADI podem entrar com ADC e os efeitos são os mesmos.”

A regulamentação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental veio em seguida, através da Lei 9.882/1999. Este instrumento veio para preencher a lacuna deixada pela ADI e a ADC, que preveem o controle de constitucionalidade de leis anteriores à Constituição de 88. As discussões sobre o monopólio dos Correios e a Lei de Imprensa se deram por meio deste instrumento.

Para o ministro Gilmar Mendes, a instituição desses meios trouxe uma mudança radical no controle de constitucionalidade no país. Trata-se de uma revolução, afirma.

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