Memória desprotegida

Leia voto que diz que lei não pune injúria contra morto

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17 de agosto de 2009, 19h43

“Nos crimes contra a honra que o nosso diploma penal tipifica, a injúria e a difamação contra a memória dos mortos não são punidas, impossibilitando a aplicação subsidiária das regras ali contidas.” O entendimento é do desembargador Antonio José Ferreira Carvalho, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao negar provimento ao recurso de Regina Célia da Silva, mãe do ex-marido da atriz Suzana Vieira, contra a também atriz Maitê Proença. O voto foi acompanhado pelos demais desembargadores que compõem a Câmara.

Em primeira instância, o juiz Marcel Duque Estrada, da 36ª Vara Criminal do Rio, havia julgado extinto o processo sem resolução do mérito. Isso porque, explicou, a ação foi proposta em janeiro de 2009 com base na Lei de Imprensa, que já estava suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal.

“O pedido de suspensão ou mesmo de aplicação da legislação comum seria cabível em se tratando de processos em curso. Nestes casos, os feitos enquadrados nesta situação podem prosseguir sem prejuízo aos interessados. Mas ajuizar uma ação com base na lei suspensa é diferente, sendo esta a presente hipótese. Aqui, então, a queixa-crime ressente-se em seu ajuizamento de requisito necessário para a existência da relação processual, daí porque nada pode (nem deve) ser aproveitado”, explicou o juiz. Ao analisar o recurso da mãe do ex-marido de Suzana Veira, o desembargador Antonio Carvalho entendeu que, de fato, quando a ação penal foi distribuída, a Lei de Imprensa já estava com sua eficácia suspensa. 

Logo após a morte de Marcelo Silva, vítima de overdose em dezembro de 2008, Maitê Proença fez o seguinte comentário no programa Saia Justa, do canal GNT: "Morre tanta gente legal. Quando morre uma porcaria como essa, é muito bom".

“Depreende-se que teria ela ofendido a dignidade ou o decoro do falecido, o que caracterizaria o crime de injúria”, disse o desembargador ao analisar as frases atribuídas à atriz. Entretanto, negou o recurso por atipicidade da conduta.

Leia o voto

TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª CÂMARA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO nº 2009.051.00380
Recorrente: REGINA CÉLIA DA SILVA
Recorrido: MAITÊ PROENÇA GALLO
Relator: Des. ANTONIO JOSÉ FERREIRA CARVALHO

EMENTA – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – REJEIÇÃO DE QUEIXA-CRIME – IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NOS ARTIGOS 21 E 22 DA REVOGADA LEI Nº 5.250/67 – ATRIZ TELEVISIVA QUE EM PROGRAMA DE EMISSORA TERIA INJURIADO A MEMÓRIA DO FILHO DA QUERELANTE, EX-MARIDO DE OUTRA ATRIZ – AÇÃO PENAL PRIVADA QUE, EM TESE, PODERIA PROSSEGUIR APLICANDO-SE AS NORMAS DO CÓDIGO PENAL – FRASES QUE TERIAM SIDO PROFERIDAS QUE CONFIGURARIAM INJÚRIA E DIFAMAÇÃO CONTRA A MEMÓRIA DOS MORTOS, QUE NÃO SÃO PUNÍVEIS PELO DIPLOMA REPRESSIVO – MANUTENÇÃO DO DECISUM – RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, EM RAZÃO DA ATIPICIDADE DA CONDUTA.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito nº 2009.051.00380, em que é Recorrente REGINA CÉLIA DA SILVA e Recorrido MAITÊ PROENÇA GALLO,

ACORDAM os Desembargadores que compõem a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO ao Recurso interposto, na forma do voto do Des. Relator.

Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2009.

Desembargador ANTONIO JOSÉ CARVALHO

Relator

RELATÓRIO

Recurso em Sentido Estrito interposto por REGINA CÉLIA DA SILVA (fls. 48), irresignada com a r. decisão do MM. Juiz de Direito da 36ª Vara Criminal da Comarca de Capital/RJ (fls. 43/44), que rejeitou a queixa ofertada em face da Recorrida, que a ela imputava a prática dos delitos previstos nos artigos 21 e 22, ambos da Lei nº 5.250/67, ante a falta de pressuposto processual inerente ao exercício da ação penal, posto que lastreada em lei com eficácia suspensa, através de decisão liminar em sede de ADPF 130-7/DF, pela Corte Constitucional.

Razões de recurso apresentadas pela Recorrente, às fls. 52/53, pugnando pela reforma do decisum vergastado, para que seja recebida a queixa-crime, nos termos da exordial, mantendo-se a competência do Juízo a quo, e que seu trâmite se dê na forma da lei processual penal.

Alega em auxílio a seu pleito que, apesar de estar a decisão hostilizada em consonância com posicionamento do Pretório Excelso, entende que a suspensão da Lei nº 5.250/67 é, em verdade, um engodo (sic) consentindo que a imprensa, veículos de comunicação, jornalistas e demais comunicadores atinjam qualquer pessoa, a qualquer tempo e de qualquer modo, sem que lhes seja imposta qualquer punição.

Contrarrazões ofertadas pela Recorrida, fls. 56/57, manifestando-se pela improcedência do recurso, em prestígio a decisão monocrática, aduzindo, ainda, que o fundamento para rejeição da queixa-crime é a impossibilidade jurídica do pedido, em razão do pleito condenatório ter se baseado em delito não previsto em lei ou em lei com eficácia suspensa.

Às fls. 60 foi exercido o juízo de retratação, sendo mantida a decisão hostilizada pelos seus próprios fundamentos.

Parecer da douta Procuradoria de Justiça às fls. 65/66, com cópia reprográfica da certidão de julgamento da ADPF 130-7/DF do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser conhecido e improvido o recurso interposto.

É o relatório.

VOTO

Do que se depreende dos autos, a Recorrente ofertou Queixa-Crime em face de MAITÊ PROENÇA GALLO porque a Recorrida teria ofendido a reputação e a dignidade do filho dela, já falecido, no canal de TV a cabo GNT, fulcrando a referida Queixa-Crime nos artigos 21 e 22 da Lei nº 5.250/67, conhecida como Lei de Imprensa.

Ocorre que, à época da distribuição da ação penal privada, a referida lei estava com sua eficácia suspensa em razão de decisão liminar tomada pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal na ADPF 130-7/DF, sendo certo que a liminar veio a ser consolidada pelo v. Acórdão do Egrégio Supremo Tribunal Federal da lavra do Eminente Ministro Carlos Ayres Britto em 24 de junho de 2009, declarando a não-recepção daquela vetusta lei, considerando-a incompatível com a Carta Magna.

Entretanto, lendo-se as frases que a Querelante, ora Recorrente, fez transcrever e que supostamente teriam sido ditas pela Querelada, ora Recorrida, depreende-se que teria ela ofendido a dignidade ou o decoro do falecido, o que caracterizaria o crime de injúria.

Todavia, nos crimes contra a honra que o nosso Diploma Penal tipifica, a injúria e a difamação contra a memória dos mortos não são punidas, impossibilitando a aplicação subsidiária das regras ali contidas.

VOTO, pois, em CONHECENDO do recurso, no sentido de a ele NEGAR PROVIMENTO, em razão da atipicidade da conduta.

Rio de Janeiro, 11 de agosto de 2009.

Des. Antonio José F. Carvalho

Relator

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