Fã da corte

Nem liberal, nem linha-dura, apenas constitucional

Autor

  • José Luís Oliveira Lima

    é advogado criminalista ex-presidente da CAASP e da Comissão de Prerrogativas da OAB/SP e membro do Instituto dos Advogados e do Conselho Fiscal do Innocence Project Brasil.

17 de agosto de 2009, 17h35

O Supremo Tribunal Federal era bem diferente em 1989, quando ali ingressou o ministro Celso de Mello. A distribuição não se dava em escala industrial, as pilhas de processos eram bem menores e não se falava em filtro de repercussão geral e nem em súmula vinculante. Os advogados podiam despachar com os ministros de acordo com a necessidade e urgência do caso, tranquilamente recebidos em seus gabinetes, sem que esse vital contato fosse encarado como um estorvo.

Vinte anos se passaram e muita coisa mudou, mas o ministro Celso de Mello permanece recebendo advogados em seu gabinete, conforme sua atarefada pauta permite, claro, mas com a mesma atenção de antes. Escuta, indaga, discute, cita precedentes da Casa. Não se mostra aborrecido, como se estivesse perdendo tempo, ao contrário, demonstra aproveitar para ampliar sua visão do caso e melhorar a qualidade do julgamento.

Os minutos passados com os advogados, como se sabe, não tiram a qualidade de seus votos. Incrivelmente fundamentados, com profundas pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais, equivalem muitas vezes a uma obra jurídica. Usando grifos e negritos, sua indefectível marca pessoal, o ministro Celso de Mello vai construindo a “jurisprudência das liberdades”. Não transige com valores fundamentais. Defende a plena vigência do princípio da presunção de inocência, vota contra a prisão antes do trânsito da sentença e permite a candidatura de cidadãos ainda não definitivamente julgados. Foi contra a prisão do depositário infiel ao mesmo tempo em que entendeu que a Lei dos Crimes Hediondos estava constitucionalmente adequada ao restringir a progressão de regime. Não pode receber rótulos superficiais, como “liberal” ou “linha-dura”, é guiado somente pela Constituição Federal e nada mais. Sem se deixar levar pela vaidade, ou pela imponência do cargo, trabalha imune a críticas ou aplausos.

É inspirador observar o ministro Celso de Mello lendo seus votos com seu peculiar entusiasmo — sempre interessado pela matéria em pauta, seja lá qual for. Age como se sua vida jurídica, iniciada em 1970, como promotor de Justiça, não o tivesse cansado, vivenciando o Direito como um eterno e fascinante desafio.

Além do escancarado amor à Magistratura, o ministro também não esconde a afeição à sua Casa. É de sua autoria o trabalho Notas sobre o Supremo Tribunal Federal, disponível no site da instituição, onde se reúnem curiosidades da antiga “Casa de Suplicação do Brasil”. Quem, senão um verdadeiro fã, listaria as últimas causas de Rui Barbosa no STF ou o nome do ministro que nunca foi vencido como relator?

Nesses vinte anos, o Estado Democrático de Direito tem muito a agradecer ao ministro Celso de Mello. Por mais seis anos, nós, operadores do Direito, teremos o privilégio de aprender ainda mais com seus votos e tê-lo como exemplo impecável de profissional e homem público.

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