Doutor do mundo

Quem não gosta de gente não pode ser advogado

Autores

16 de agosto de 2009, 9h55

Spacca
Luiz Olavo Baptista - SpaccaNão foi só o Brasil que perdeu com a derrota da ministra Ellen Gracie na disputa por uma vaga no Órgão de Apelação da Organização Mundial do Comércio. Perdeu toda a América do Sul, região que ficou sem representação na corte de comércio internacional e que dificilmente terá oportunidade de recuperar. A opinião é do advogado Luiz Olavo Baptista, que até o final do ano passado, era o ocupante da vaga.

L. O. Baptista, como é mais conhecido, sustenta ainda que, ao contrário do que muitos pensam, Ellen Gracie era uma candidato com todas as credenciais e habilidades para ocupar o posto. “A OMC precisa de pessoas com a experiência de julgador, que desenvolvem bom raciocínio, mesmo que não tenham experiência em Direito do Comércio Internacional”, explica o ex-titular. “A ministra tem esse perfil e tenho certeza que daria uma grande contribuição ao Órgão de Apelação”, diz L. O.

Embora reconheça que o Brasil não tem tido competência para exercer a liderança regional que merece, L. O. diz que nesse caso a derrota não foi resultado da falta de habilidade política do Brasil. Ele entende que o que aconteceu foi uma bem articulada manobra dos países da América do Norte para conquistar a vaga, mesmo quebrando o protocolo e subvertendo as regras do jogo.

Membro do tribunal da OMC por oito anos, árbitro internacional de renome, Luiz Olavo Baptista é uma das maiores autoridades do país em Direito de Comércio Internacional. A especialização e a excelência na matéria não aconteceram por acaso. Começaram a se formar logo depois que ele se formou em Direito pela PUC de São Paulo, há mais de 40 anos. Na luta para entrar no mercado, foi parar num pequeno escritório que tinha como clientes exportadores de algodão e de café. Como sabia linguas – fala inglês, francês, espanhol e italiano, foi designado para cuidar da matéria. Estudioso, passou a ler mais e mais. Em seguida montou sua biblioteca especializada.

“Em minhas leituras, percebi que o Brasil estava passando por uma mudança. Já em 1967, a política do governo militar tinha uma forte tendência internacionalizante”, diz. Nasceu daí a determinação em se tornar um advogado internacionalizado e não um advogado-turista. “O turista é o que simplesmente viaja para o exterior. O advogado internacionalizado é o que domina efetivamente o Direito Internacional”. Seu objetivo, desde o começo, foi o de montar um pequeno escritório que não fosse o maior, mas que oferecesse qualidade e lhe reservasse tempo para ter boa literatura, ouvir boa música e conviver com a família.

Depois de voltar ao Brasil, viúvo, septuagenário e aposentado da cátedra de Direito do Comércio Internacional e Direito Internacional Privado na Faculdade de Direito da USP, L. O. continua acrescentando atividades à sua agenda sempre lotada. Uma das últimas iniciativas foi a criação de uma Universidade dentro do escritório, o L. O. Baptista Advogados.  Lá ele dá cursos  práticos para alunos e advogados recém-formados.

O objetivo é ensinar os iniciantes a diagnosticar os sofismas da profissão. “Sem bater, sem matar, eu criei um verdadeiro treinamento da Tropa de Elite”, brinca. A vantagem, segundo ele, de se criar uma universidade interna, é a de que ele pode dar aulas sem burocracia. “Na universidade, o grande fantasma que enfrentei foi a selva burocrática. Hoje em dia, o professor é um fazedor de relatórios e freqüentador de conselhos”, ressaltou. Como ele ensina aos seus alunos, um advogado tem de ir muito além disso: "Para ser um bom advogado é preciso gostar da humanidade, porque ele vai passar a vida tratando de resolver os problemas dos outros".

Leia a entrevista:
ConJur — O que representa para o Brasil a derrota da indicação da ministra Ellen Gracie para ocupar uma vaga no Órgão de Apelação da OMC?
Luiz Olavo Baptista — A perda da vaga do Brasil para o México não significa derrota apenas para o nosso país, mas para todos os países da America do Sul, que ficou sem nenhum representante no órgão de apelação. Na disputa tínhamos muitos candidatos qualificados. O Hector Torres, que era o candidato argentino,  conhece profundamente a legislação da OMC. Ele foi advogado no próprio órgão. Por isso, podia ter sido escolhido. A Ellen também poderia. Ela corresponde a um perfil de ser humano que sempre existiu no órgão. São pessoas que têm experiência de julgador, que desenvolvem bom raciocínio, sem necessariamente ter grande experiência em Direito do Comércio Internacional. Quando se tem uma experiência como essa, se consegue julgar bem em qualquer assunto.

ConJur — O senhor ficou surpreso com o resultado?
L.O. Baptista — Sim. Foi extremamente surpreendente. A escolha do candidato mexicano Ricardo Ramirez foi apadrinhada pelo embaixador do Canadá, o que é perfeitamente explicável porque é da America do Norte. Com certeza, na próxima vaga, o Canadá vai pedir o apóio do México. E teve, ainda, o apoio discreto do embaixador do Chile, Mario Mattos, que é amigo do candidato escolhido. O Brasil não contou também com o voto americano e nem com o chinês.

ConJur — O que pesou quando o senhor foi escolhido para ser um dos juízes da OMC?
L.O. Baptista — Uma das coisas que influenciou na indicação foi a minha experiência como árbitro. Eu já tinha bastante familiaridade com a arbitragem internacional, além de treinamento para julgar. Até hoje essa habilidade me vale muito como advogado. A experiência na OMC me simplificou e me tornou um advogado melhor do que eu era.

ConJur — Como é o processo de escolha dos membros do Órgão de Apelação?
L.O. Baptista O processo dessa vez não obedeceu ao ritual das eleições anteriores. Antes era feita uma apreciação dos candidatos e distribuíam-se as entrevistas feitas com eles aos membros da comissão de seleção. A Comissão indicava mais candidatos do que o o número de vagas abertas. Por exemplo, se havia três vagas a Comissão indicava quatro ou cinco candidatos. Logo depois, os países membros eram consultados pelo presidente da comissão ou pelo diretor-geral, que recolhia as opiniões. Aquele que recebesse o maior número de apoio e que não suscitasse objeções fortes era o escolhido. Eu, depois de ter sido entrevistado pela Comissão, ainda fui recebido por mais de 60 embaixadores.

ConJur — Como foi feita a escolha desta última vez?
L.O. Baptista As entrevistas foram feitas pelos embaixadores. Em seguida, passadas uma ou duas semanas, a Comissão se reuniu e apresentou formalmente ao conselho e aos embaixadores não aquilo que eles estavam esperando, mas o que era a escolha dela. Então, foi uma escolha altamente politizada e direcionada para uma coisa concreta que era dar à América do Norte duas cadeiras na OMC. A escolha representou a eliminação da América Central e da América do Sul, que não estão mais representadas no órgão de apelação e que dificilmente vão recuperar essa perda.

ConJur — Como foi a sua experiência na OMC?
L.O. Baptista Reencontrei no órgão o comportamento que via nos juízes quando eu ainda era jovem. Tive muito contato com juízes, primeiro quando era criança. Em Itu [SP], onde eu morava, meu pai era médico e atendia quase todos os juízes que chegavam à cidade. Numa ocasião, um morador resolveu ser gentil com um juiz que estava para julgar a sua causa e levou de presente, uma cesta de jabuticabas. O juiz o prendeu no ato por tentativa de suborno. Era um tempo em que havia juízes rígidos. Depois, quando ainda era estudante fiz concurso e fui trabalhar no Tribunal de Alçada. Lá era assim também. Eram homens que tinham uma vida de classe média modesta. O juiz ganhava menos do que ganha hoje. Eles estudavam bem os casos, não havia grandes citações de doutrina. Era mais o pensamento do juiz na sentença, e a qualidade era muito boa. Depois passei a advogar na parte consultiva e  perdi contato com a magistratura. Agora, vez ou outra, me deparo com uma coisa que não via antes. É aquele juiz que gosta de aparecer em jornal ou que faz declaração sobre casos que vai julgar. Isso me escandaliza profundamente, mas pode ser uma reação de gente que esteja mais idosa. Talvez o mundo tenha mudado.

ConJur — Então a OMC é um órgão mais rígido?
L.O. Baptista Por isso fiquei contente quando cheguei lá. Dos juízes com quem eu convivi, nenhum fez qualquer declaração sobre qualquer caso que ele estivesse julgando ou que fosse julgar. Nunca fomos a festas de embaixada que não fosse todo mundo incorporado. Se, por exemplo, era uma grande festa, uma comemoração de uma independência, a posse de um presidente, qualquer coisa do tipo, o juiz tinha de ir porque era um evento oficial e todos eram convidados. Mas não se aceitava nenhum convite direto para um ou para outro. Essas coisas todas marcam não só a atitude de independência, mas, sobretudo, a projeção pública disso.

ConJur — Qual era o ritmo de trabalho dos juízes no órgão?
L.O. Baptista Os juízes trabalhavam muito e arduamente. Lia em média uma página em 1 minuto e meio, considerando que eu tomava nota e sublinhava o que estava lendo. Gastei horas infindáveis nos casos. Então, todas essas coisas foram importantes na minha vida. A outra foi que a decisão é tomada com toda independência. Outra conclusão que me impressionou foi a modéstia das instalações. O órgão de apelação tinha uma área muito pequena e os móveis eram velhos. Outro fator importante era que o número de assessores de lá não chega nem perto do que se tem no nosso Senado, por exemplo. Esses assessores eram escolhidos por um processo totalmente independente. O nosso diretor-geral participava da seleção junto com um dos advogados sênior para garantir, como em um concurso público, que o pessoal escolhido não tinha ligação com ninguém.

ConJur — O juiz do órgão de apelação não pode nomear seus assessores?
L.O. Baptista Nem pensar. Lá não existe cargo comissionado e não podemos interferir na escolha. Se o escolhido não for um bom assessor até podemos dispensá-lo, mas não temos qualquer participação no processo de escolha. O bom é que existe uma rotatividade desses assessores. Outra coisa que me impressionou muito é que eu pensava, por exemplo, que eu iria ter pelo menos um carro coletivo para me levar de um lado para o outro e não tive. Andava de taxi e de ônibus mesmo.

ConJur — Existem sete julgadores no órgão. Essa estrutura enxuta não afeta o seu desempenho?
L.O. Baptista Não. O serviço médico da OMC inteira, por exemplo, era uma enfermeira de plantão. Só chamavam o médico para atender alguém se houvesse alguma urgência. Eles são muito cuidadosos com o uso do dinheiro público. Muitas vezes eu subia os degraus de um andar para o outro a pé. Era muito raro eu tomar um elevador. Lá existem poucos e são antigos demais. Esse procedimento, de cuidado, atingia a tudo. O orçamento inteiro da OMC era pequeno. Era o equivalente ao da Corte Internacional de Justiça, cerca de 1,5 milhão de francos suíços por ano. Foi uma experiência incrível fazer parte do órgão, mas perdi dinheiro. O que eu cobrava no Brasil, por três horas de trabalho, era o que eu ganhava por um dia trabalhado na OMC.

ConJur — Existe algum tribunal no mundo que tenha um perfil parecido no processo de escolha dos membros?
L.O. Baptista Não, mas existe um processo curioso na Inglaterra. Lá todos os juízes dos tribunais são oriundos da advocacia. Eles são escolhidos entre os advogados mais velhos, com boa reputação e que sejam especializados em diferentes setores. A Inglaterra ainda tem outra peculiaridade. Lá, para ser advogado, não precisa ter faculdade de Direito. O futuro advogado entra em um escritório, trabalha por alguns anos e depois recebe um certificado de que aprendeu aquilo que precisava para ser um bom advogado. Depois, ele presta o Exame de Ordem e se passar já está admitido. Por lá, os advogados mais procurados são os formados nos próprios escritórios. Eu também acho que em todas as profissões a seleção deveria ser vocacional. O erro é nascer para ser advogado e querer ser médico.

ConJur — Quais as qualidades para ser um bom advogado?
L.O. Baptista A primeira delas é integridade. A segunda é ser suficientemente forte para conviver com todo tipo de situação, buscar solução para o problema e ter empatia com a pessoa que tem o problema. O grande desafio é não ficar envolvido. É possível ter empatia com um sujeito que cometeu um crime, mas não se pode ter empatia com o crime. É preciso saber dar o direito de defesa ao réu, mas sem muito envolvimento. Outro requisito é ter inteligência investigativa. É preciso dominar muito bem a lógica. E, finalmente, é preciso gostar de gente. Se o sujeito não gostar das pessoas não dá para ser advogado. Tem que amar a humanidade, porque no fim o que se faz como advogado é ajudar os outros a resolver problema. Vale lembrar que o ser humano não ajuda quem ele não gosta. Tenho uma regra. Se, numa entrevista inicial, eu percebo que por alguma razão não vou conseguir gostar da pessoa dou um jeito de não pegar o caso. Sei que não vou poder ser o advogado que devia ser. De sujeitos que têm uma mesquinhez muito forte, tão aparente que mexe comigo, eu não pego o caso.

ConJur — Quer dizer que sua regra não tem relação com o crime cometido, mas com a pessoa?
L.O. Baptista Sim, com a pessoa em si. Posso pegar o caso do sujeito cometeu um crime horroroso,  se sentir que tenho empatia com. É claro que direi a ele que o ato dele é reprovável, mas estou na qualidade de defensor e preciso fazer isso. O médico também tem o direito de não gostar da doença, mas a obrigação de gostar do doente.

ConJur — A América do Sul é capaz de aceitar a liderança brasileira?
L.O. Baptista A minha impressão é que não consegue, porque enxerga no Brasil um país fraco como liderança. É um país que não sabe afirmar devidamente os seus interesses. É possível constatar isso no relacionamento entre Brasil-Argentina. Recentemente, o governo brasileiro segurou os interesses de empresas brasileiras para favorecer a situação da Argentina. Outros países que estivessem na mesma situação e que fossem fazer isso, teriam dito ao governo da Argentina: “Bom, eu desafogo você nesse setor, mas você vai me dar uma vantagem no outro para me compensar”. Seria um toma lá da cá. Aqui, não foi feito isso.

ConJur — A liderança é representada por quem?
L.O. Baptista Hoje, talvez, a liderança forte da América Latina, infelizmente, não seja o Lula, mas o Hugo Chávez. Se o presidente venezuelano tivesse mandado um candidato dele à OMC teria entrado. Agora, não vejo porque ele pode exercer uma liderança que o Brasil não pode. Ele tinha o dinheiro do petróleo? Tinha. Mas, vale lembrar, que nós temos a Petrobras e temos também o pré-sal. O nosso país tem muito mais recursos naturais, além de mais desenvolvimento econômico do que a Venezuela.

ConJur — O Brasil ocupa uma boa posição no mercado internacional?
L.O. Baptista Existe uma diferença fundamental. O eixo da política internacional do Chávez é o interesse da Venezuela. Por esse motivo, ele é reconhecido e aceito como liderança. Não é o tamanho ou a bondade do país que faz a liderança. Não é preciso prejudicar alguém para reivindicar o que é seu de direito. De outro lado, se você não sabe defender o seu também não saberá liderar os outros. Ninguém quer ter um chefe de Estado que não saiba nem defender o dele, pois, provavelmente, ele não saberá defender o direito dos outros.

ConJur — Qual o peso do Brasil hoje no mercado internacional?
L.O. Baptista Como exportador, ele representa mais de 1% do mercado. O Brasil só não é um exportador maior, porque a nossa logística de exportação é muito ruim. O país precisava ter se desenvolvido mais para ser mais forte como exportador. O que nos ajudaria a ampliar o mercado. Com esse resultado, o peso da exportação no PIB poderia ser multiplicado por três ou quatro vezes sem que fosse ameaçada a estabilidade do país. Veja, por exemplo, a relevância do Canadá no comércio exterior. É um país que tem população igual à do estado de São Paulo, com um território útil que é equivalente ao de Minas Gerais e enfrenta uma porção de dificuldades a mais que o Brasil. A diferença é que o Canadá cresce e está rico.

 ConJur — Essa foi uma opção política do Brasil?
L.O. Baptista Só para ilustrar. A China está hoje com um programa, o PAC Chinês, que prevê a construção de 13 mil quilômetros de ferrovia. Todas essas ferrovias começam em algum lugar que tem produção e acabam num Porto ou num Aeroporto. Quantos mil quilômetros de ferrovias nós estamos construindo aqui? O que nós temos hoje funcionando se deve à iniciativa privada. Quantos portos eficazes e eficientes nós temos aqui? Não temos muito. Se o Governo não tem como investir tem um método que se adota no mundo inteiro que é o de dar concessão por um prazo determinado à iniciativa privada. O sujeito constrói, opera e recupera o custo do investimento dele e, depois, transfere para o governo.

ConJur — É a mesma lógica das Parcerias Público-Privadas?
L.O. Baptista É um pouco diferente. Para a empresa privada a PPP é muito melhor, muito mais garantida. Ela tem uma garantia de retorno de investimento, garantia contra desapropriação. Ou seja, tem garantias de todos os lados. No outro método, adotado no mundo inteiro, a iniciativa privada corre um risco muito maior.

ConJur — O Brasil transmite segurança jurídica?
L.O. Baptista Não, principalmente em relação à taxa de juros. Os juros que uma companhia brasileira paga lá fora por empréstimo é diferente do que se tem aqui. Outra coisa, que ninguém presta atenção, é o fato de que por duas vezes se mudou a Constituição para não pagar os precatórios. O segundo agravante é que o Brasil só tem acordo com os Estados Unidos. Esse acordo foi feito no tempo do presidente Castello Branco, que é de proteção de investimentos. Todos os projetos elaborados pelo país pararam na Câmara dos Deputados. Então, o investidor pesa o risco do negócio, a demora na solução judicial.

ConJur — E como dar mais celeridade ao Judiciário brasileiro?
L.O. Baptista A Reforma do Judiciário não está no aumento do número de juízes ou em alterações na Constituição. O segredo é simplificar o processo civil. E outra mudança necessária, para dar celeridade, é diminuir o número de liminares. Hoje a liminar se tornou uma coisa barata e fácil. Ela se tornou banal. Na hora em que a liminar se torna algo normal ela sofre uma distorção: ela vira um modo de governo.

ConJur — Quais as perspectivas de melhora?
L.O. Baptista O banco mundial fez um estudo sobre a operação do Judiciário em vários países. Há anos que ele vem fazendo esses estudos. A conclusão do banco é de que o PIB brasileiro aumentaria de 3 a 4% se o poder judiciário fosse mais célere. Então, ao invés de crescer esse percentual, poderíamos crescer de 6 a 7% se a nossa cultura processualista não fosse distorcida. É preciso reeducar o juiz para simplificar também. Ele não pode conceder tanta liminar como se ela fosse resolver tudo.

ConJur — Esse cenário favorece o uso da arbitragem?
L.O. Baptista A arbitragem cresceu e isso é útil para o Judiciário. Ela supre muitas necessidades. Faço muitas arbitragens em matéria de infra-estrutura, energia, construção, dentre outras. Não que eu seja engenheiro, mas como decidi muitos casos nessa área é uma área que conheço profundamente. Então, mesmo que o sujeito perca, ele reconhece que a sentença foi bem dada e que não escapou nenhum detalhe. Quando tenho de escolher árbitro para algum cliente do escritório, sempre procuro saber de quantas arbitragens ele está cuidando. Se o árbitro disser que tem mais do que seis, não o  indico. Nesse caso, sei que ele não vai ter tempo para fundamentar bem e vai demorar no caso.

ConJur — Na arbitragem existe um prazo razoável?
L.O. Baptista Sim. Ela só não corre mais depressa porque os advogados têm liberdade de combinar o prazo e jogam o prazo lá para frente. Deixam para fazer no ultimo minuto. No fórum João Mendes ele tem 15 dias para contestar. Chega na arbitragem, você propõe 15 dias e ele fala: “Não doutor, preciso de três meses, porque o caso é complexo”.

ConJur — O Mercosul tem futuro?
L.O. Baptista Não. O Mercosul como foi concebido não existe mais. Um fundamento do Mercosul era a cláusula democrática, que não funciona mais. O outro é a liberdade de circulação de mercadorias, que também não funciona mais. HOje em dia,  todo mundo usa o Mercosul quando quer e não usa quando não quer. Ele está lá para impedir o Brasil de fazer os acordos bilaterais, que poderiam levá-lo para frente. Se não fosse o Mercosul o Brasil poderia ter um acordo bilateral com a Europa, outro com os Estados Unidos e vender muito mais. Fui entusiasta do Mercosul, mas o via como uma coisa diferente daquilo a que ele ficou reduzido. No momento em que se deixa de cumprir as regras estabelecidas a instituição é destruída.

ConJur — O Brasil poderia integrar-se em um novo bloco?
L.O. Baptista O bloco idea seria é o que reúne países vizinhos de grau de desenvolvimento e tamanhos não tão dessimétricos. A dessimetria do Mercosul é muita complicada de digerir. Se o Mercosul chegasse ao destino dele, que era ser como é o mercado comum europeu, e desse a livre circulação para todos não ficariaum boliviano na Bolívia. Viriam todos para aqui, onde encontrariam mais oportunidade de emprego. Possivelmente uma parte considerável da população do Paraguai também viria. Do outro lado, a Argentina e o Uruguai estariam sendo invadidas por um monte de brasileiros. O espírito empreendedor do brasileiro é maior do que o deles e iríamos investir mais.

ConJur — O Brasil hoje está em uma posição reduzida a acordos bilaterais?
L.O. Baptista O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, diz que já abaixou os braços no que se refere ao multilateralismo da OMC. Eu não sei por que ele ainda acredita que o Mercosul está funcionando. Ele é um homem muito mais informado que eu e ainda está apostando nisso. E, no mais, os acordos bilaterais que o Brasil fez são acordos que não têm um significado capital. É só comparar os acordos bilaterais do Chile com os acordos do Brasil para constatar como são diferentes. O bilateral do México com o Mercosul, por exemplo, está sendo altamente rentável para o México. E não é tão bom e tão útil para o Brasil.

ConJur — Como a globalização afeta o direito?
L.O. Baptista O ritmo da internacionalização é determinado pelo fato de que mais de 70% do comércio internacional é inter firmas e não entre firmas. Por exemplo, a Ford manda vir um motor feito na Alemanha para botar no carro do México, em outro da Austrália e em outro do Brasil. Então, ficou mais barato e melhor fazer certas coisas em determinado lugar. Eles analisam de um ponto de vista logístico e econômico. Com isso, se decide onde é mais conveniente fazer tal pedaço ou qual. Mudou o sistema de produção, não tem mais a linha de montagem. É ilha de produção. Na ilha de produção você monta conjuntos e distribui para as fábricas que tem no mundo.

ConJur — Mas existe a possibilidade de se ter um Direito Universal?
L.O. Baptista É difícil. Temos muitas culturas no mundo e o Direito precisa adaptar-se à diversidade das pessoas. Talvez só os 10 mandamentos sejam uma regra valida para o mundo inteiro. Temos a Declaração Universal dos Direitos dos Homens que é mais completo ainda. Mas como concretizar isso na prática. Veja o seguinte: a Declaração Universal da ONU, a Declaração Interamericana e a Constituição garantem a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento. No entanto, tem juízes e desembargadores dando liminares dizendo que você não pode fazer isso ou aquilo. Um homem escreve um livro contando a vida do Roberto Carlos e o cantor consegue impedir a publicação do livro.

ConJur — Quer dizer que o Direito Universal está condicionado
L.O. BaptistaSim, ao respeito da diversidade humana e esse respeito exige que o direito seja adaptado. A segunda coisa é que para que uma regra adquira a universalidade, ela precisa ser tão diluída que pode dar lugar a muitas interpretações. Quanto mais interpretações, menos segurança se tem.

ConJur — E os serviços jurídicos tendem a se globalizar?
L.O. Baptista
Um escritório para ser global tem que ser internamente global. Não pode um escritório em Chicago pedir que uma pessoa no Panamá se comporte como estivesse em Chicago. O Panamá não é Chicago. As firmas inglesas são as que estão mais perto de entender essa realidade. Elas têm um sistema que estabelece um escritório local. Elas, no entanto, ainda estão cometendo um erro de mandar um sócio vir de lá para dirigir o escritório aqui no Brasil. Se o sujeito não tiver uma capacidade muito boa de adaptação, não consegue dirigir nada. Só atrapalha. Se ele atrapalha a conduta do advogado, ele atrapalha todo o resto. Então, o escritório é capaz de adaptar as coisas, mas o problema é fazer que, em cada escritório, o sujeito esteja mais voltado para compreender o que sai e o que vem, e não só receber o que vem.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!