Consultor Jurídico

Empresa estrangeira com imóvel no Brasil não precisa fazer depósito caução

15 de agosto de 2009, 9h02

Por Fernando Porfírio

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Empresa estrangeira que possui imóvel no Brasil não está obrigada a depositar caução em dinheiro, mesmo que o bem tenha a forma de crédito hipotecário. A decisão é do Tribunal de Justiça de São Paulo, que derrubou determinação do juiz da 1ª Vara Cível Central da Capital, Gilberto Ferreira da Cruz, e mandou suspender caução no valor de R$ 2,1 milhões. O dinheiro corresponde a 10% do valor do crédito em disputa na Justiça paulista.

A beneficiada é a offshore Blue Stone Investimentos, com sede no paraíso fiscal da Ilha da Madeira. Por trás dessa confusão está uma briga jurídica que se arrasta por mais de duas décadas e que tem como protagonista o investidor Naji Nahas. O caso também envolve a maior negociação imobiliária do país onde está em jogo nada menos que R$ 500 milhões.

“Ainda que a promessa de dação em pagamento de unidades futuras em incorporação imobiliária não levada a registro seja simples direito de crédito, remanesce a garantia hipotecária, de natureza imóvel e apta a suportar eventuais encargos da sucumbência”, anotou o relator do recurso, desembargador Francisco Loureiro, da 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça paulista.

A decisão do juiz de primeiro grau, que determinou a caução em dinheiro, se fundamentou no argumento de que a empresa é pessoa jurídica estrangeira. O Código de Processo Civil diz que a pessoa nacional ou estrangeira, que more fora do Brasil ou tenha que se ausentar durante processo judicial, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente para custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que assegurem o pagamento.

A offshore recorreu alegando ser dispensável a caução em dinheiro, pois é dona de bens imóveis no Brasil. Como explicação, disse ser titular de promessa de pagamento de unidades futuras de um empreendimento e de crédito hipotecário. Argumentou que, por serem direitos reis sobre bens imóveis, devem ser considerados imóveis por definição legal.

A turma julgadora abraçou a tese sustentada pela empresa. “Os direitos reais sobre coisas imóveis têm também natureza imóvel por definição legal”, afirmou o desembargador Francisco Loureiro, relator do recurso. “Não faz o artigo 835 do CPC distinção — e nem seria razoável que o fizesse — sobre a caução recair sobre domínio pleno, ou sobre direitos reais penhoráveis, como é o caso do crédito hipotecário”, completou o relator.

Briga de décadas
O caso envolve uma disputa antiga que, no ano passado, terminou na penhora do terreno com o metro quadrado mais caro do país, no quarteirão formado pela Avenida Brigadeiro Faria Lima e pelas Ruas Horácio Lafer, Iguatemi e Aspásia, na zona sul paulistana. O lote tem 120 mil metros quadrados e foi vendido por cerca de R$ 700 milhões. O terreno agora é alvo da briga judicial entre uma empresa da família Audi e o empresário Naji Nahas.

No local será construído um centro comercial com cerca de 70 mil metros quadrados. No ano passado, o juiz Antônio Manssur Filho, da 3ª Vara Cível de São Paulo, penhorou o terreno. Com a decisão, ficou praticamente sem efeito a negociação entre a holding Blue Stone, que vendeu o imóvel, e o Grupo Vitor Malzoni, a Construtora Company e a Brascan Residential Properties, que já haviam pagado R$ 215 milhões pelo lote.

A briga judicial recomeçou quando a Artemis Serviços de Cobranças, um dos tentáculos da família Audi, entrou na Justiça com pedido de declaração de fraude à execução para anular a venda do terreno e penhorar o imóvel. O objetivo era garantir o pagamento de uma dívida que, segundo ela, somaria R$ 136 milhões. O processo original envolve a Coprotrade, fundada por Naji Nahas, e corre desde 1979.

Com o anúncio da venda do terreno, a briga voltou à tona. Na ação, a Artemis diz que o imóvel ainda é do empresário. De acordo com o juiz da 3ª Vara Cível, Nahas, que foi dono do terreno nos anos 80, pulverizou seu patrimônio por meio do uso de inúmeras sociedades, com o objetivo de criar confusão patrimonial. O magistrado entende que o imóvel na Faria Lima na verdade nunca saiu do patrimônio de Naji Nahas.

O investidor era o principal acionista de uma trading chamada Coprotrade, que tem uma dívida de R$ 136 milhões com a Química Industrial Paulista, braço petroquímico do grupo da família Audi. A Justiça entendeu que o terreno não pode ser vendido porque é a garantia para o pagamento da dívida. Os compradores entraram na Justiça com um pedido de suspensão da penhora. Argumentam que não fizeram negócios com Nahas, mas com a Blue Stone.

Subterfúgios

O juiz Manssur entende que Nahas usou de artimanha para esconder o patrimônio. Segundo ele, o investidor pulverizou o patrimônio por meio de sociedades, criando confusão patrimonial. Para o magistrado, o imóvel da Faria Lima nunca saiu do patrimônio Nahas, sendo, inclusive, usado para garantia de dívidas pessoais.

No raciocínio do juiz, a Blue Stone é de propriedade de Nahas. Antes de ser passado para o nome da offshore, o terreno da Avenida Faria Lima pertenceu à RMC Finance, empresa de investimentos sediada no paraíso fiscal da Ilha da Madeira, em Portugal. Antes ainda, pertencia à Selecta Comércio e Indústria. Todas essas empresas tiveram Naji Nahas como principal acionista.

A Química Industrial Paulista, principal beneficiada com a penhora do terreno, faliu por causa de uma dívida trabalhista de R$ 360 mil. É credora de Nahas por causa de um contrato de mais de US$ 50 milhões firmado em 1978 para o fornecimento de 14 mil contêineres de tíner para a Coprotrade.