Efeito devolutivo

Decisão interlocutória cai com sentença contrária

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13 de agosto de 2009, 3h38

Preceitua o artigo 520, inciso IV, do CPC, que “A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo. Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que: (iv) decidir o processo cautelar.”

Assim citado, o dispositivo não parece suscitar dúvidas de que a liminar concedida em sede de ação cautelar perde efeitos se a sentença proferida, nesta ação ou no chamado processo principal, indeferir o pedido do requerente.

Entretanto, gerava um dissenso jurisprudencial no Superior Tribunal de Justiça à respeito de sua aplicação, fazendo com que as partes temessem que sua sorte estivesse atrelada diretamente à função exercida pelo cartório distribuidor, e não pela prestação jurisdicional, o que consequentemente afrontava a segurança jurídica.

Tal dissenso também era verificado em acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, que seguiam as posições minoritárias adotadas pelo ministro José Delgado e pela ministra Eliana Calmon. Vale dizer, no cenário nacional, a Corte paulista é a única que ainda aplica referido dispositivo legal em um sentido inadequado. Trata-se de situação bastante grave em se tratando do maior polo econômico da América Latina.

O ministro José Delgado adotou a posição no sentido de que decididos ambos os processos, cautelar e principal, por uma mesma sentença, inaplicável seria o artigo 520, IV, CPC, visto que o acessório, a medida cautelar, preparatória ou incidental, seguiria o principal, quando a regra a ser aplicada seria a da primeira parte do caput do artigo 520, CPC. 

Já o segundo argumento foi adotado pela ministra Eliana Calmon, que sustentava que cotejando-se os artigos 808, inciso III, e 807, caput, CPC (nessa ordem, importante frisar, de “trás para frente”), verificar-se-ia que a liminar conservaria seus efeitos “na pendência do processo principal”, ou seja, até a decisão pela corte de segunda instância.

Fazia-se, assim, a interpretação do artigo 808, inciso III, à luz do artigo 807, caput, sem considerar a parte final deste dispositivo legal, de forma a permitir que o recurso de apelação fosse utilizado pelo apelante com o único intuito de protelar o cumprimento da sentença em clara ofensa à lealdade processual e à dignidade da jurisdição.

Cumprindo sua “missão de ordem política e jurisprudencial”, os Embargos de Divergência em Recurso Especial 663.570, julgados pela ministra e relatora do processo, Nancy Andrigui, cujo acórdão foi proferido em maio deste ano, vieram pacificar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a respeito da matéria.

Os acórdãos utilizados como paradigmas foram proferidos no Recurso Especial 962.045, cujo relator foi o ministro José Delgado e no Recurso Especial que originou os Embargos de Divergência.

Os fundamentos utilizados pelo ministro José Delgado no acórdão paradigma para justificar a aplicação do efeito suspensivo no recurso interposto contra a parte da sentença que decidiu o processo cautelar e principal foram os seguintes:

“Cumpre ressaltar que o processo cautelar sempre é dependente do processo principal, consoante o disposto no artigo 796 do Código de Processo Civil. Assim é que, o objeto da ação principal, por ser mais amplo por abranger o da cautelar, determinado o recebimento do recurso em seu duplo efeito, embora haja previsão legal de que, em relação a ação cautelar o recurso seja recebido somente no efeito devolutivo.”

Entretanto, com o julgamento dos citados Embargos de Divergência, ficou consolidado o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça de que “ainda que julgadas, por sentença única, ação principal e cautelar, o recurso de apelação interposto deve ser recebido no duplo efeito, quanto ao capítulo que decidi a principal, e apenas no efeito devolutivo, no capítulo relativo à ação cautelar.”

Entendemos, portanto, correto o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. A prolação da sentença faz cessar o efeito da liminar, que é medida precária e revogável a qualquer tempo. Concluir em sentido contrário implicaria ignorar a parte final do artigo 807, caput, do Código de Processo Civil, pelo qual as medidas cautelares “podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas”, que é justamente o que ocorre em sentença. 

Ademais, nos casos em que se torna indispensável a conservação dos efeitos da medida liminar obtida em sede de medida cautelar, deve-se atender aos requisitos previstos no artigo 558, do Código de Processo Civil.

Assim, caso a não concessão do efeito suspensivo possa gerar lesão grave e de difícil reparação e, sendo relevante a fundamentação, tem-se o efeito suspensivo mediante o requerimento da parte supostamente lesada e não com fundamento no artigo 520, inciso IV, do CPC de forma automática com a simples interposição do recurso de apelação, como se o benefício do efeito suspensivo estivesse automaticamente ligado ao recurso de apelação, em clara ofensa ao artigo 520, inciso IV, do CPC.

Conclui-se, sem dúvida alguma, que o Superior Tribunal de Justiça vem superando o sistema antiquado do regime de efeitos suspensivos como regra geral, o que somente retarda a prestação jurisdicional, pois justiça tardia é justiça falha, e daí o motivo pelo qual não se firmam entendimentos que estão em desacordo com o disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

Dessa forma, resta ao Tribunal de Justiça do estado de São Paulo rever sua posição, que se mostra isolada, precária e efêmera, diante da possibilidade de se manejar recurso especial. Posição essa que repercute na economia trazendo insegurança jurídica para a sociedade e o ambiente econômico.

A análise econômica das relações foi bem resumida nas palavras de Décio Zilbersztejn, Bernardo Muller e Rachel Sztajn (“Economia dos Contratos”, Editora Campos, Rio de Janeiro, 2005, Capítulo 6, página 104): “a essência do contrato é o de promessa. Para que os indivíduos realizem investimentos e façam surgir o pleno potencial das trovas através da especialização, faz-se necessária a redução nos custos associados a riscos futuros de ruptura das promessas. Vistas como um conjunto de contratos, as firmas representam arranjos institucionais desenhados de modo a coordenar (governar) as transações que concretizam as promessas definidas em conjunto pelos agentes”.

Portanto, a Corte Excelsa tem função pragmática justamente para que haja previsibilidade nas decisões e, consequentemente, segurança jurídica. Evitam-se armadilhas e soluções lotéricas, motivo pelo qual os juízes de instâncias inferiores deveriam guiar-se pelo entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, e com bastante foco na interferência que suas decisões provocam na realidade sócio-econômica.

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