Direito Penal Interativo

Não se aplica lei penal nova sob vacatio legis

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

11 de agosto de 2009, 7h02

O Direito Penal Interativo ou Intertemporal ocorre quando ao tempo do crime vigorava determinada lei e ao tempo da sentença surge nova lei no sistema penal para regulamentar o fato. Tal fato denomina-se, ainda, conflito de leis penais no tempo ou sucessão de leis penais.

A lei penal, nos termos do artigo 2º do Código Penal Brasileiro, estabelece que o crime é regido pela lei do seu tempo (tempus regit actum).

Conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, não se aplica a lei nova, durante a vacatio legis, mesmo se mais benéfica, posto que esta ainda não está em vigor. Ressalve se que as leis genuinamente processuais têm aplicação imediata.

A lei penal nova, mais severa, não se aplica a fato cometido anteriormente ao seu período de vigência, de tal sorte que a lei antiga rege todos os atos que ocorreram durante a sua vigência, fenomêno denomidado ultratividade da lei antiga mais benéfica.

De outro lado, pode ocorrer o fenômeno da retroatividade da lei penal nova mais benéfica. A lei antiga mais severa não apresentará a característica da ultrativatividade, caracterizada como regra da não ultratividade.

A Abolitio Criminis ocorre quando uma lei nova descriminaliza um fato antes definido como crime, conforme verifica-se da Súmula 720 do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos: “o art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro, que reclama decorra do fato perigo de dano, derrogou o art. 32 da Lei das Contravenções Penais no tocante à direção sem habilitação em vias terrestres”.

A Abolitio Criminis elimina todos os efeitos penais subsistindo, tão somente, os efeitos civis afetos ao fato criminoso.

A revogação formal de uma lei nem sempre significa abolitio criminis. Por exemplo, a Lei 9.437/97 foi revogada pela Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), entretanto, o artigo 36 do último dispositivo legal contém todos os verbos do tipo que constavam na lei antiga, ou seja, o crime não foi abolido do sistema jurídico penal apenas passou a ser tratado por nova legislação, não ocorrendo, no caso, abolitio criminis.

No caso da lei penal nova mais favorável, se o processo criminal estiver em primeira instância, aplica-se imediatamente a lei nova, mesmo que o juiz tenha sentenciado. Se o processo já estiver no tribunal, deve-se, nessa sede aplicar a lei nova mais benéfica. Ocorrido o trânsito em julgado, quem aplica a lei nova mais favorável será o juiz das execuções penais, nos termos da Súmula 611 do Supremo Tribunal Federal, com segue: “transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna”.

Segundo o ilustre professor Luis Flávio Gomes, no caso de sucessão de várias leis penais no tempo, aplica-se sempre a mais favorável. Assevera ainda ser possível a combinação de leis penais em seus aspectos favoráveis.

O STF diverge quanto à possibilidade de combinação de leis sucessivas no tempo. Senão vejamos:

No HC 95.435, a 2ª Turma do STF entendeu pela possibilidade de combinação de leis no tempo para favorecer o réu. "EMENTA: AÇÃO PENAL. Condenação. Pena. Privativa de liberdade. Prisão. Causa de diminuição prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006. Cálculo sobre a pena cominada no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76, e já definida em concreto. Admissibilidade. Criação jurisdicional de terceira norma. Não ocorrência. Nova valoração da conduta do chamado "pequeno traficante". Retroatividade da lei mais benéfica. HC concedido. Voto vencido da Min. Ellen Gracie, Relatora original. Inteligência do art. 5º, XL, da CF. A causa de diminuição de pena prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, mais benigna, pode ser aplicada sobre a pena fixada com base no disposto no art. 12, caput, da Lei nº 6.368/76." (STF, HC 95.435, rel. Min. Cezar Peluso, j. 21.10.08).

Entretanto, no RHC 94.802, a 1ª Turma do STF entendeu não ser possível a combinação de leis penais no tempo, nem mesmo para beneficiar o réu, sob o fundamento de que isto implicaria na criação de uma terceira lei pelo Judiciário. O STF deve levar o tema para o Pleno, porque divergências entre suas duas turmas geram insegurança total. “Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Tráfico de drogas praticado sob a vigência da Lei 6.368/76. Impossibilidade de aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06. Paciente que se dedicava à atividade criminosa. 1. Para que a redução da pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06 seja concedida, não basta que o agente seja primário e tenha bons antecedentes, sendo necessário, também, que ele não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. 2. O voto do eminente Ministro Felix Fischer, Relator do habeas corpus ora questionado, muito bem explicitou o motivo pelo qual não foi possível a aplicação daquele benefício ao paciente, ressaltando que "Tribunal a quo negou provimento ao recurso defensivo, a uma, por entender que o paciente se dedicava a atividade criminosa, fazendo do comércio de drogas seu meio de vida, a duas, porque a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 só se aplicaria àquele que como fato isolado vende substância entorpecente, a três, tendo em vista que a sua aplicação é restrita às condenações ocorridas com base na Lei nº 11.343/2006, não se podendo, assim, a pretexto de se aplicar a lei mais benéfica, combinar partes diversas das duas normas, porquanto isso implicaria, em última análise, na criação de uma terceira lei." 3. Na espécie, a dedicação do paciente ao tráfico de drogas ficou devidamente comprovada nos autos e não foi afastada pela defesa na apelação nem nas impetrações posteriores. 4. Recurso ordinário desprovido (STF, RHC 94.802, rel. Min. Menezes Direito, j. 10.02.09).

A lei penal mista é aquele que possui uma parte penal e uma parte processual, nesse caso, conforme o Supremo Tribunal Federal, em existindo severidade na lei posterior não há que se falar em retroatividade.

Por fim, no caso de crime permanente sempre se aplica a última lei, não importa se maléfica ou benéfica, nos termos da Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. Ressalte-se que no caso de crime continuado a lei penal mais grave será aplicada desde que em vigor ao tempo da cessação delitiva.

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    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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