Cartão vermelho

Não cabe ao STF admitir estrangeiro expulso

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7 de agosto de 2009, 2h06

Se a expulsão de um estrangeiro do país é feita pela Presidência da República com base no Estatuto do Estrangeiro, não há  ilegalidade nem abuso de poder a serem questionados. Assim entendeu o Supremo Tribunal Federal ao negar um Habeas Corpus ao belga-libanês naturalizado francês Charbel Chafica Rajha, nesta quinta-feira (6/8). Por maioria, o Plenário do Supremo rejeitou o pedido de Rajha para retornar ao Brasil, após ter sido expulso em 2003, por ato do Presidente da República, depois de ser condenado e cumprir pena por tráfico internacional de entorpecentes.

Segundo os ministros, a única possibilidade de Rajha  reingressar no país seria por meio de um pedido ao presidente da República, uma vez que o artigo 66 da Lei 6.815/80 — o Estatuto do Estrangeiro —  afirma ser de exclusiva competência dele a revogação do ato de expulsão. O pedido deveria ser feito por via diplomática (embaixada ou consulados brasileiros na França), ou por um representante legal constituído no Brasil — o que teria de ocorrer tempestivamente, logo após o ato presidencial, enquanto ele ainda se encontrava no Brasil.

Ao votar pela denegação da ordem, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que autorizar o reingresso de expulso em território brasileiro seria usurpação de competência pelo STF, visto constituírem a expulsão ou a revogação dessa medida atribuições exclusivas do presidente da República.

A maioria entendeu, também, que o naturalizado francês, preso em flagrante em junho de 1996 no Aeroporto de Guarulhos portando 5,35 kg de cocaína e posteriormente condenado a pena de cinco anos de reclusão, teve garantido pleno direito de defesa, embora fosse julgado em processo sumário, conforme previsto pelo artigo 71 da Lei 6.815/80.

A defesa alegava ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e de proteção à família, “por ser o paciente casado com mulher de nacionalidade boliviana, radicada neste país, e ter filha brasileira que depende de assistência material”.

Mas alguns ministros lembraram que, na ocasião da instrução primária do processo penal, o naturalizado francês afirmou não ter mulher nem filhos brasileiros, não tendo havido, tampouco, nenhuma prova de que algum filho brasileiro dele dependia para seu sustento. Observaram que sua filha nasceu depois de ele ter cumprido a pena, de um relacionamento iniciado quando ele se encontrava preso, e depois de ter sido baixado o ato de sua expulsão.

O HC foi impetrado em dezembro de 2004 e distribuído ao ministro Eros Grau, que negou pedido de liminar. Levado a julgamento em março de 2008, o ministro Carlos Britto pediu vista, quando o relator e os ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski já haviam votado contra a concessão do HC. Nesta quinta, eles foram acompanhados pelos votos dos ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Divergiram o ministro Carlos Britto — que trouxe o processo de volta a julgamento ao Plenário — e o presidente da Suprema Corte, ministro Gilmar Mendes. Carlos Britto fez uma ponderação entre diversos valores constitucionais em causa, optando por priorizar o do respeito aos direitos da pessoa humana, inscritos no artigo 5º da Constituição Federal, e de proteção da família (artigos 226 e 227 da CF).

Ele defendeu o direito de o pai ver a filha e o dela de conviver com ele e com sua família, contrapondo-se ao rigor da legislação brasileira contra o crime de tráfico de entorpecentes a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana. Até mesmo porque a pena imposta a Rajha já foi cumprida. Disse ainda que a doutrina não admite consequência jurídica indelével de delito, ou seja, a perpetuidade da pena. Por outro lado, segundo ele, a legislação brasileira proíbe a transcendência da pena, com isso significando que a filha não pode ser punida por um crime cometido pelo pai e já pago por ele.

Direito de defesa
Ao acompanhar o voto do ministro Carlos Britto, o ministro Gilmar Mendes disse que o rito sumário (prazo de 15 dias) do inquérito para expulsão de estrangeiros que cometem crimes como o de tráfico de drogas (artigo 71 da 6.815) e o prazo de apenas dez dias para pedir reconsideração (artigo 72 da mesma lei) merecem reflexão e poderão ser objeto de futuros julgamentos do STF, sob a ótica do direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa (artigo 5ª, inciso LV, da CF).

O ministro Carlos Britto lembrou, neste contexto, que a Procuradoria-Geral da República se manifestou pela concessão do HC, observando que, neste caso, “salta aos olhos o desrespeito do princípio do contraditório e da ampla defesa”.

Em seu voto, o ministro Cezar Peluso afirmou que a expulsão foi uma opção político-administrativa do presidente da República, tendo em vista a proteção da coletividade brasileira e, nele, não houve nenhuma ilegalidade ou abuso de poder a serem questionados. “É como jogo de futebol: está expulso, não volta a campo”, comparou. Além disso, segundo ele, o retorno de Rajha ao país não garante que ele não venha a reincidir.

O ministro Celso de Mello observou que expulsão não é pena, mas proteção da sociedade brasileira contra estrangeiro que não se adaptou às regras do país, sendo um ato discricionário do presidente da República, avaliadas as conveniências e os interesses nacionais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

HC 85.203

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