Meio e fim

A visão do juiz e do advogado sobre terceirização

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7 de agosto de 2009, 18h14

A parceria entre empresa terceirizada e contratante não se restringe ao lucro. A responsabilidade em relação aos direitos do trabalhador também deve ser dividida. O juiz do Trabalho da 1 ª Região, Otávio Calvet, confessa que sempre aplica a responsabilidade subsidiária da contratante nas ações em que trabalhadores reclamam seus direitos. O advogado Sólon Cunha, apesar de discordar deste entendimento, diz que as empresas não se surpreendem mais com esse tipo de condenação, que se tornou habitual e pacífica na Justiça trabalhista. A solução para as contratantes, segundo o advogado, está em saber escolher o parceiro.

Os dois especialistas em Direito do Trabalho se encontraram nesta sexta-feira, em São Paulo, no 3º Congresso LFG de Estudos de Casos Jurídicos, para discutir a terceirização de mão de obra.

Em sua apresentação, Calvet discutiu a jurisprudência em relação à terceirização de mão de obra para executar a atividade-fim das empresas. Em maio, o Tribunal Superior do Trabalho julgou irregular a contratação pela Centrais Elétricas de Goiás de trabalhadores terceirizados para desempenhar atividades-fim. A questão girou em torno da expressão “atividades inerentes”, prevista na Lei 8.987, de 1995, que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.

A empresa interpretou de forma elástica a expressão. Entendeu que poderia terceirizar qualquer uma de suas atividades. Os ministros do TST, em votação apertada (8 a 6), concluíram que a atividade inerente não pode ser entendida como atividade-fim.

A Súmula 331 do TST revogou a Súmula 256 ao dizer que não há vínculo de emprego na contratação de serviços de vigilância, conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados à atividade-meio da empresa. A ressalva é que não haja subordinação direta. O enunciado, de 2003, prevê ainda que a falta de pagamento das obrigações trabalhistas implica responsabilidade subsidiária do tomador do serviço. “O TST colocou um freio na interpretação dessa norma para respeitar o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana”, afirmou o juiz da 1 ª Região.

Mão-de-obra barata
Calvet entende que não é possível ser contra a terceirização de serviços hoje em dia. No entanto, afirma que é preciso refletir sobre as formas como esta terceirização está sendo feita. O lado econômico deve ser levado em conta, mas o lado humano da questão não pode deixar de influenciar nas contratações e também nas decisões judiciais.

O juiz ressalta que se deixassem de terceirizar alguns dos seus serviços, muitas empresas não conseguiriam competir no mercado, principalmente, com as transnacionais. Muitas dessas empresas são apenas uma marca que distribui a criação e produção entre terceirizadas espalhadas por todos os continentes. Sempre produzem onde a mão-de-obra é mais barata. Esse tipo de modelo, para Otávio Calvet, cria um grande e terrível problema para o trabalhador, que é de não saber quem é responsável por seus direitos.

Outro problema, de acordo com o juiz, é a perda do enquadramento sindical, o que chamou de “esfacelamento das classes de trabalhadores”. Usou como exemplo uma ligação que recebeu do telemarketing contratado pelo Citibank. O operador ofereceu-lhe uma conta do banco. O juiz perguntou o nome da empresa que contratou o operador, que não pode revelar, mas observou que estava representando o Citibank. “É um trabalho que um bancário deveria fazer, não ?”, questiona Calvet. “Há uma descoincidência entre quem ganha com o seu trabalho e quem é responsável por ele”, critica.

Para o juiz, essa forma de contratação leva à precarização do trabalho no país. “Quem faz tudo certinho, tem dificuldade de acompanhar quem terceiriza pensando só no lucro.”

Serviço especializado
O advogado Sólon Cunha, do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice, abre a sua apresentação cutucando o colega de mesa. “Há meios mais eficazes que a melancolia para resolver os problemas da terceirização”, disse ao juiz Otávio Calvet. Cunha recorda que a terceirização de serviços começou com as montadoras de carros. Elas juntam pneus, lanternas, bancos, cada item de uma fabricante, para montar o carro. Esse trabalho das montadoras não é contestado, observa o advogado.

“A terceirização é do serviço e não do trabalho”, ressalta Cunha. A empresa que precisa de um serviço especializado contrata outra que tem mais know-how e pode prestá-lo por um preço menor. A contratante, não especializada, gastaria muito mais para fazer esse trabalho, explica. É o caso de um banco que pretende oferecer comida para os seus funcionários.

Para Sólon Cunha, a terceirização é muito importante para as empresas continuarem no mercado, mas “brasileiro tem o hábito de usar a ferramenta da forma errada, precarizar tudo”. Ele dá um exemplo: as cooperativas são usadas no mundo inteiro e são bem aceitas. No Brasil, a desvirtuação desse meio faz com que “juízes e o Ministério Público se arrepiem ao ouvir essa palavra”, brinca.

Segundo o advogado, se o trabalhador tiver os seus direitos reconhecidos e um salário compatível, não há porque ser contra a terceirização. E questiona a decisão do TST de não permitir a contratação de outra empresa para realizar a atividade-fim da contratante. “Se ao terceirizar o serviço, os impostos continuam sendo pagos e o trabalhador não está sendo prejudicado, por que proibir? É um problema contemporâneo, não da Justiça do Trabalho.”

Cunha conta o caso da Cisco Systems, que oferece soluções de conectividade, segurança de dados, telefonia, e queria montar uma fábrica no país. Como ela terceiriza todos os seus serviços, não pode entrar no Brasil desta forma, porque o TST proíbe. Mesmo disposta a pagar todos os direitos dos trabalhadores, salário compatível com o mercado e todos os impostos.

A subordinação e o treinamento de terceirizados é um erro que as empresas não devem cometer, de acordo com Sólon Cunha. Como a terceirização deve ser de serviços especializados, a contratante não pode treinar quem deveria entender muito mais do assunto.

Ele lembrou da condenação da TIM pelo TST, no valor de R$ 6 milhões. Os ministros concluíram que os quatro mil trabalhadores contratados por terceirizadas para a venda de produtos e serviços no teleatendimento da operadora de telefonia eram empregados da operadora. Para o TST, essa trabalho faz parte da atividade-fim da empresa. Logo, não poderia ter sido terceirizado. Além disso, o tribunal concluiu que havia subordinação e reconheceu o vínculo empregatício.

O advogado recorda que outra empresa teve de reconhecer o vínculo empregatício de todos os trabalhadores que, mesmo terceirizados, tinham telefone, mesa de trabalho, computador, e-mail corporativo, cartão de visita.

Antes de todos esses cuidados, Sólon Cunha ressalta que o contratante precisa conhecer a empresa que está contratando, a sua cultura e chegar até a conversar com os funcionários para saber como são tratados, para evitar problemas.

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