Manifestações pagas

Governo sustenta sindicatos mas não os fiscaliza

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5 de agosto de 2009, 17h43

A matéria publicada nesta terça-feira pela Consultor Jurídico sob o título “Sindicatos compram manifestantes em Brasília”, de autoria dos jornalistas Rodrigo Haidar e Filipe Coutinho, comprova cabalmente aquilo que este autor vem há decênios proclamando acerca do sindicalismo brasileiro: trata-se de um amplo e rentável balcão de negócios, nicho de maracutaias, trambiques e peculatos, além de meio de vida de muita gente.

O mais engraçado de tudo é que quando se clama pelo fim do dinheiro fácil do impositivo e obrigatório da contribuição sindical, que financia este subproduto, ou seja, a claque sindical, adquirida de quem dela necessite em dias e horários determinados, a atilada e vigilante tropa de choque do movimento sindical brasileiro (seja de entidades profissionais e mesmo de certos segmentos do patronato) é colocada na rua no sentido de tentar amordaçar quem ousa tal intento.

Pena, muita pena, que a grave denúncia da Consultor Jurídico — que retratou em minúcias de detalhes a vergonhosa prática perpetrada, despudoradamente admitida e, como tal, confessada em minúcias de detalhes pela Nova Central de Trabalhadores (NCTS), filiada à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (CONTRATUH) — não tenha a propagação merecida da parte de todas as mídias. É o que falta nesta terra onde reina a corrupção explícita em quase todos os segmentos de atividade, especialmente as custeadas com o dinheiro alheio, preferencialmente o público. Carecemos não só do incremento do jornalismo investigativo, mas de sua difusão massiva. O que há é muito jornalismo laudatório, especialmente no âmbito político, custeado com o dinheiro do erário na propagação da publicidade governamental. Sob o rótulo de “institucional”, a propaganda oficial serve mesmo para calar ou diminuir o tom de vozes que deveriam chegar bem audíveis aos ouvidos da sociedade.

No âmbito sindical, campeia não só a comercialização da claque, mas os desvios das mais variadas matizes. Os recursos vêm do dinheiro público da contribuição sindical obrigatória, mas sua fiscalização, lastimavelmente, não está a cargo do Tribunal de Contas da União, ou de quaisquer outros órgãos oficiais. Desde a promulgação da Constituição vigente, em outubro de 1988, o Estado desatrelou-se da vida sindical.

Mas entenda-se a cristalização deste desatrelamento, tanto na versão quanto no estilo bem tupiniquim, integralmente made in Brazil. Ao tempo em que ao Estado é vedado imiscuir-se na vida intestina sindical, passou-se ao largo quanto à origem dos recursos. Além de não se acabar com a contribuição sindical obrigatória, ainda criou-se outra (contribuição confederativa). Do rateio da contribuição sindical, 60% destinam-se aos sindicatos, 15% às federações, 5% às confederações e 20% vão para os cofres governamentais.

E é justamente este o fulcro da questão que invariavelmente passa batida, pois conta-se nos dedos quem tem a coragem de se aprofundar quando se discute a questão sindical. Os lobbyes — aos quais nenhum governo teve, tem e certamente não terá a coragem de enfrentar — uma vez mais aprisionaram e renderam o Estado, tornando-o cativo. Este concede os recursos, mas não tem o poder de fiscalizar. Só mesmo num país onde a corrupção dá as cartas e joga de mão isto poderia acontecer. Antes, isto aqui era o “país que vai para a frente”. Hoje é um “país de todos”. Todos quem, “cara-pálida”?

Ora, certamente dos que ostentam o galardão dos espertos aos reles imbecis. Como tal, e igualmente de forma evidente e acaciana, espertos nesta linha de raciocínio são os entes sindicais e imbecis somos todos nós, contribuintes dos sindicatos.

E quando se esperava que o atual governo, oriundo do meio, conhecedor profundo do tema, agisse em favor da sociedade brasileira, pela qual foi eleito e jurou defendê-la, em solene ato no púlpito da Esplanada do Planalto, em nome da ordem, da lei, do progresso e da Constituição, eis que a reforma sindical proposta por Lula e seus discípulos do PT, que representam os maiores donatários e senhores feudais do sindicalismo nacional, simplesmente retroagiu ainda mais.

Prova inteira disto está documentada nos anais da Câmara dos Deputados e transcrita formalmente, em meu último e recém-editado livro S.O.S.SINDICALpt, Editora LTr. Quem desejar conhecer a falácia do PT, leia a íntegra da Proposta de Emenda Constitucional 252/00, apresentada ao Congresso Nacional por Ricardo Berzoini, dois antes de Lula assumir a presidência da República. Nela, a propósito da contribuição sindical, é dita simplesmente o que segue (com necessários grifos nossos): “A unicidade sindical e a contribuição compulsória são exemplos de uma estrutura que não mais condiz com a realidade da classe trabalhadora, hoje mais dinâmica e consciente. A Constituição de 1988, embora tenha trazido alguns avanços e proclamado alguns princípios para o movimento sindical, ainda manteve a forma corporativa de organização inaugurada na Era Vargas, que coloca o sindicato à sombra da ação estatal. Valendo-se dessa estrutura anacrônica, alguns sindicatos, desprovidos de qualquer legitimidade, sobrevivem em razão das contribuições compulsórias e da visão protecionista do Estado. O princípio da liberdade sindical, já inscrito na Constituição (“é livre a associação sindical”) não permite, a nosso ver, o instituto de “unicidade”. Ademais, se “ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato”, também não se pode admitir a contribuição compulsória para as organizações sindicais, pois defendemos que as contribuições sejam feitas exclusivamente em virtude da legitimidade do sindicato perante seus interlocutores e, sobretudo, perante sua própria base de associados”. “(…) As incoerências do atual art. 8º da CF serão, com a presente Emenda, devidamente equacionadas, permitindo que o verdadeiro sindicalismo se desenvolva na sua plenitude, com pluralismo sindical e liberdade de associação, razões por que contamos com o apoio dos nobres pares”.

Pois foi pela mesma mão do deputado federal Ricardo Berzoini, subscritor da proposta acima — e que viria a ser o ministro do Trabalho do governo Lula — que, cinco anos após, apresentaria a proposta de reforma sindical por meio da PEC 369/05, que, além de retroagir ainda mais, não só manteve intactas a unidade e a contribuição sindical obrigatória, como viria oficializar as centrais sindicais e injetar-lhes novos e generosos recursos, representado pela transferência da metade (10%) do rateio que compete ao Estado na arrecadação da dita contribuição compulsória, acenando, ainda com sua futura substituição pela “contribuição negocial” de valor ainda maior, é claro.

A falácia, o engodo, o acinte, são de tal monta, que não representam um tapa, mas sim um murro na cara da sociedade brasileira. Ela mesma é quem paga, através de seus membros, contribuição sindical aos sindicatos de trabalhadores e aos patronais. E, afinal, quem fiscaliza as contas das entidades sindicais, perguntará o desalentado leitor destas linhas. Ora, isto compete ao seu respectivo conselho fiscal. Ou seja, a própria raposa é que toma conta do galinheiro.

E no governo do ex-metalúrgico e líder sindical Inácio da Silva, ao inverso de medidas corretivas e saneadoras, o que se constata é a multiplicação e a degeneração desses vícios. Ao invés do fim, consagrou-se uma autêntica reserva do mercado sindical. Não é sem razão que a alcunha de república sindicalista é apregoada cada vez mais.

E para encerrar, não se iludam. A claque sindical continuará em atividade, até porque um dos seus principais usuários é o próprio governo federal. Os controversos que me contraponham.

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