SEGUNDA LEITURA

Representantes devem responder por ações

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

2 de agosto de 2009, 4h21

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Há um desenho animado — The sweet dreams movie — produzido por Dic. Entertainment Corporation, diretora Karen Hyden, em que o vilão, “Homem Torta”, com uma escritura falsa, apodera-se da “terra dos sonhos”. Na disputa que se trava, a consequência é que se o mal vencer, as crianças serão as vítimas e ficarão sem aquilo de que tanto necessitam: sonhar.

Comparemos a ficção infantil com a vida nacional. É possível ver certas semelhanças. Refiro-me à conduta, ao bom ou ao mau exemplo dos que detêm os mais altos cargos nos três Poderes de Estado. No Executivo (prefeitos, governadores, ministros ou presidente), no Legislativo (vereadores, deputados ou senadores), e no Judiciário (de diretores de foros a presidentes de Tribunais). Idem os que atuam na alta cúpula do Ministério Público, Tribunais de Contas, Polícias, Universidades Públicas e órgãos semelhantes.

Vez por outra, a mídia divulga notícias de extrema gravidade sobre ações praticadas pelos que se encontram nos cargos de alta direção na administração pública. Qual o grau de responsabilidade desses dirigentes? Evidentemente, não é igual ao de um cidadão ou de um servidor público comum. É maior, muito maior. Mais poder é igual a mais responsabilidade.

Passemos o foco à área do Direito, nosso território. Imaginemos o que passa na cabeça de um jovem estudante da graduação. Ele ou ela ouvem o professor de Direito Constitucional afirmar que os atos administrativos devem ser públicos e transparentes, em obediência ao artigo 5º, inciso XIV, da Carta Magna. Mas à noite, vendo o noticiário na TV, vêm a saber que centenas de atos de nomeação de servidores do Senado eram secretos.

Em outro momento, sonhando em serem juízes, os estudantes se deparam com, nada menos, do que a prisão do presidente de um Tribunal, ou a descoberta de fraude em um concurso público para o ingresso no Ministério Público. De sobra, tomam conhecimento de deslizes praticados por ministros de Estado, prefeitos ou outras autoridades.

Qual a reação de uma mente em formação, não raro, um adolescente? Qual a visão que lhe fica de seu país? O que esperar do mundo em que atuarão? Já não bastam as más notícias que diariamente se divulgam? Não é suficiente saber que a violência está em cada esquina ou que poderá faltar água em 2025?

Juntando uma à outra (atos reprováveis + reflexos na juventude), é possível concluir que os altos dirigentes, ao trair a missão pública que lhes foi entregue, estão a praticar um mal pouco avaliado: tal qual o Capitão “Homem Torta” do desenho animado, são ladrões de sonhos.

Sim, a cada ocorrência noticiada na mídia, milhares de jovens nas mais de mil faculdades de Direito existentes deixam de lado seus ideais. Desanimam. Capitulam. Concluem que é inútil lutar. Os efeitos psicológicos são altamente negativos. Cada um que abre mão de seus sonhos pode tornar-se um depressivo, um viciado ou mesmo um marginal.

Não perdem apenas os acadêmicos de Direito, mas também o Brasil. São milhares de jovens que poderiam exercer suas profissões jurídicas com ânimo, vontade, persistência. Ser vencedores, no melhor sentido da palavra (não apenas econômico), disseminadores de felicidade. Mas por verem exemplos negativos nas cúpulas, optam pela via cômoda da fuga — ou pelos riscos do lucro fácil a qualquer preço.

Se assim é a realidade ― e exemplos não nos faltam ―, como reagir a esse quadro? Como ir além das providências usuais como as cassações políticas, ações populares, penais, civis públicas, de improbidade administrativa, demissões?

Em verdade, há, ainda, outra via. Refiro-me à responsabilidade civil por dano moral, com base nos artigos 5º, inciso X, e 37 da CF, e artigo 187 do Código Civil. Na minha opinião, ela alcança os “ladrões de sonhos”. Com efeito, a má ação na vida pública, com repercussão nacional, interfere diretamente na vida privada dos que estão iniciando sua atividade profissional. Causa-lhes dor e sofrimento.

A via processual poderá ser a da Ação Civil Pública, conforme artigo 1º, inciso IV, da Lei 7.347/85, que protege “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”. Terão legitimidade ativa associações constituídas há pelo menos um ano e cujos estatutos se ajustem ao fim proposto (artigo 5º, inciso V da LACP), nelas incluindo-se os diretórios acadêmicos das faculdades de Direito.

E nem se diga que o artigo 5º, inciso V, alínea “b” exige que a associação deva ter por finalidade a proteção do meio ambiente, consumidor e outras entre as quais não se inclui este tipo de dano civil. Na verdade, a interpretação aqui deve ser sistemática. Se o legislador, pela Lei 8.078/90, incluiu o inciso IV ao artigo 1º na Lei da ACP, evidentemente não desejou excluir a sociedade civil organizada de ingressar em juízo.

O pedido será de condenação em dinheiro. A indenização, normalmente direcionada a um fundo (artigo 13 da LACP), neste caso, por sua especificidade, poderá ser encaminhada para alguma finalidade de interesse público. Por exemplo, a critério do juiz e sob sugestão dos autores ou do Ministério Público, o valor da condenação poderá ser investido em concursos de monografias ou em bolsas para estudantes carentes.

Nada impede que se cogite de ações individuais. Aí deverá ser feita prova do nexo causal entre a ocorrência e o sofrimento ocasionado ao autor. Nessa hipótese, o rito processual não será o da Ação Civil Pública, mas sim o do artigo 282 do Código de Processo Civil ou, dependendo do valor da causa, o sumário do artigo 275 do CPC ou o dos Juizados Especiais, conforme artigo 3º da Lei 9.099/95.

Sempre é bom lembrar que o aprimoramento das instituições não é obra exclusiva do Estado. Como observa Sérgio Sérvulo da Cunha, “todo cidadão é co-responsável pelo aperfeiçoamento dos costumes públicos (Uma Deusa chamada Justiça, Martins Fontes, p. 188).

Concluindo, este é um país de milhares de estudantes de Direito, com sonhos e anseios legítimos. Aqueles que na cúpula dos Poderes, pelo mau exercício das funções públicas, dão-lhes motivo para desânimo, pessimismo, descrença no Estado e nas suas instituições, roubam-lhes os sonhos e devem, por isso, ser civilmente responsabilizados.

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