Extinção das normas

STF decide que Lei de Imprensa é inconstitucional

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30 de abril de 2009, 20h23

A Lei de Imprensa de 1967 é inconstitucional. Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal julgou, nesta quinta-feira (30/4), que a Lei 5.250/67 não foi recepcionada pela nova ordem democrática. Com a decisão, a norma é excluída totalmente do ordenamento jurídico.

Além do relator do processo, ministro Carlos Britto, votaram pela extinção da Lei de Imprensa os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello. O argumento comum entre eles foi o de que a Lei 5.250/67 foi criada a partir de uma ótica punitiva e cerceadora da liberdade de expressão. Por isso, não pode sobreviver na atual ordem jurídica.

Os ministros discutiram o possível vácuo legislativo criado com a revogação total da lei. A polêmica questão do direito de resposta ganhou especial atenção no voto dos ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Para o decano, a regra constitucional que garante o direito de resposta é mais do que suficiente para regular a questão. Já para o presidente do Supremo, a supressão das regras que regulam o direito de resposta desequilibrará a relação entre cidadãos e a imprensa.

Celso de Mello citou o inciso V do artigo 5º da Constituição: “Art. 5º (…). V — É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”. Diante do texto constitucional, o ministro afirmou que “torna-se desnecessária a intervenção concretizadora do legislador comum. A ausência de regulação legislativa não se revelará obstáculo ao exercício do direito de resposta”. Trocando em miúdos, a regra está bem clara na Constituição, segundo o ministro.

Gilmar Mendes reclamou que o tribunal está jogando fora uma regulamentação razoável e deferindo ao juiz regular, caso a caso, o direito de resposta. “Isso não é bom nem para as empresas, nem para os cidadãos”, disse. “Eles podem entrar em uma selva hermenêutica."

O ministro Cezar Peluso ressaltou que alguns artigos da atual Lei de Imprensa foram perfeitamente recepcionados pela Constituição. Mas, para o ministro, manter apenas alguns artigos faria a norma “perder sua organicidade”. Para Peluso, “até que o Congresso edite, se entender que deva, uma lei de imprensa nos termos dessa própria Constituição, se deve deixar ao Judiciário a competência para decidir direito de resposta e outros direitos correlatos”.

Apesar das discussões, a maioria dos ministros votou para derrubar a lei e concordou com os argumentos do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) de que a liberdade de expressão não pode ser regulamentada. O deputado é o advogado do PDT, autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que sustenta que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 88.

Abate da lei

O julgamento foi retomado, nesta quinta-feira, depois de ser suspenso no último dia 1º de abril. Na ocasião, o ministro Carlos Britto, relator do caso, considerou que a lei é materialmente contrária à Constituição de ponta a ponta. “É necessário o abate total dessa lei”, disse.

“Há uma necessária linha direta entre a imprensa e a sociedade civil. Se se prefere, vigora em nosso ordenamento constitucional uma forma de interação imprensa/sociedade civil que não passa, não pode passar pela mediação do Estado”, registrou Britto.

O ministro considerou impossível a produção e vigência de uma lei orgânica ou estatutária para regular a atividade da imprensa. Carlos Britto explicou que se podem regular temas secundários, que circundam o trabalho jornalístico, mas nunca a liberdade de manifestação e o direito de acesso à informação. Ou seja, pode haver leis para regular direito de resposta e pedidos de indenização.


Poeta, Britto comparou a imprensa com a poesia para explicar seus fundamentos. “Cada conteúdo poético é tão importante que exige para si uma forma exclusiva. Não existe uma única forma para todo e qualquer poema”, disse. E arrematou: “Na imprensa, é tudo tão importante, que para cada matéria que a circunda é necessário uma lei”, disse.

Assim, ele defende que seja feita uma lei específica para tratar de indenização em caso de ofensa, outra para tratar das sociedades em empresas jornalísticas, outra que regule direito de resposta e assim por diante, mas nunca uma regra que influa na atividade específica de informar. “Não pode haver lei dispondo sobre o tamanho e a duração do exercício da liberdade de expressão.” O ministro Eros Grau o acompanhou.

Na retomada do julgamento, nesta quinta, o ministro Menezes Direito defendeu o equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a dignidade da pessoa humana.  Para Direito, a democracia, para subsistir, depende da informação, e não apenas do voto. “Os regimes totalitários podem conviver com o voto, jamais com a liberdade de expressão”, disse. O ministro ponderou em diversos pontos de seu voto que se deve encontrar o equilíbrio entre a proteção da reputação das pessoas e a liberdade de informação. E aí cabe a intervenção estatal do Poder Judiciário para ponderar qual princípio deve prevalecer de acordo com o caso.

O ministro considerou que é preciso encontrar um ponto que “nem destrua a liberdade de imprensa, nem avilte a dignidade do homem”, mas não se podem criar condições de intimidação para o exercício da atividade jornalística, como faz a lei até agora em vigor. “A liberdade de imprensa não se compraz com uma lei feita com a preocupação de restringí-la, de criar dificuldades ao exercício dessa instituição política. Qualquer lei que se destine a regular a liberdade de imprensa não pode revertir-se de caráter repressivo que a desnature por completo”, sustentou Direito.

Para a ministra Cármen Lúcia, a Constituição não recepcionou a lei de imprensa. A ministra afirmou que não há choque entre a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa. “Elas se complementam”, disse.

Isso não significa, segundo Cármen Lúcia, que não possa existir uma lei de imprensa. A atual lei é que não serve. “Muitos estados democráticos contam com lei de imprensa e nem por isso são considerados antidemocráticos.” O ministro Ricardo Lewandowski disse que a lei é inconstitucional e que seus dispositivos se tornaram supérfluos: “A matéria já se encontra regulada por inteiro no texto constitucional”.

O decano Celso de Mello defendeu que a liberdade de expressão e informação tem de observar os direitos da personalidade, especialmente dos direitos à honra e à intimidade. Mas não é necessária a manutenção de lei com caráter punitivo ou restritivo. Para isso, basta a tutela judicial.

Liberdade regulada

Os ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Gilmar Mendes e Marco Aurélio votaram contra a ação. Os dois primeiros defenderam a manutenção de alguns dispositivos da lei, como os que tipificam os crimes de calúnia, injúria e difamação. O presidente do Supremo entendeu que deveriam ser mantidos os artigos que tratam do direito de resposta. Já Marco Aurélio votou pela rejeição total da ação. Ou seja, a manutenção da lei exatamente como vigora hoje.

O ministro Joaquim Barbosa afirmou que não basta ter uma imprensa livre. “É preciso que ela seja diversa e plural. É preciso que essa diversidade seja plena a ponto de impedir que haja concentração”, afirmou. Barbosa criticou o fato de haver “grupos hegemônicos de comunicação” em alguns estados brasileiros: “A concentração de mídia é algo extremamente nocivo para a democracia”, disse.


Para Joaquim Barbosa, a questão foi julgada sob a ótica equivocada da imprensa confrontada com o Estado. “Mas a imprensa pode ser destrutiva não apenas em relação a agentes públicos. Pode destruir vidas de pessoas que não são públicas”, disse. Ele considerou que a lei de imprensa é “instrumento de proteção de intimidade útil para coibir abusos não tolerados pelo ordenamento jurídico”.

A ministra Ellen Gracie afirmou que não pode haver hierarquia entre os princípios constitucionais da liberdade de expressão e do direito à honra e à intimidade. Ellen afirmou que a Constituição proíbe que leis criem embaraço ou restrições à liberdade de expressão. E o fato de a lei regular a matéria não significa necessariamente restrição à atividade jornalística. Por isso, votou por manter alguns dispositivos da lei.

Divergindo do decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes afirmou que “o direito de resposta exige inequívoca regulação legislativa”. Para o ministro, é preciso haver lei que regule, além da garantia de resposta, também as indenizações em casos de danos morais e à honra. “Quem já tentou negociar um direito de resposta, para correção de fato, com um jornal sabe do que estamos falando.”

O presidente do Supremo concordou com argumentos do ministro Joaquim Barbosa. “Há um desequilíbrio na relação entre a imprensa e o Estado, mas há também desequilíbrio entre a imprensa e o cidadão. O poder da imprensa é, hoje, quase incomensurável”, disse. Gilmar Mendes citou o caso Escola Base para mostrar quão danosas podem ser as notícias na vida de cidadãos que não são agentes públicos.

“É um caso trágico, que nos envergonha a todos. A ordem constitucional não convive com isso. Como reparar um dano como esse? A legislação teria de responder, dar direito de resposta imediata, ter medidas cautelares prontas”, afirmou. O ministro disse que não há igualdade de armas entre cidadãos e a mídia.

O caso que viria a se transformar em símbolo de julgamento público pela mídia se baseou em laudos preliminares e na acusação de mães que apontavam seis pessoas como envolvidas no abuso sexual de crianças numa escola de educação infantil, localizada no bairro da Aclimação. A linha de investigação da Polícia se mostrou sem fundamento e o inquérito foi arquivado.

No entanto, o estrago estava feito: os acusados já tinham sido julgados sumariamente pelos jornais e programas de rádio e de TV e condenados pela opinião pública. A escola foi pichada, depredada e saqueada. Os acusados foram presos. Até hoje, há ações de indenização em andamento sobre o caso.

Voto vencido

Único que votou pela rejeição total da ação, o ministro Marco Aurélio começou sua explanação com uma questão: “A quem interessa o vácuo legislativo?”. Para, em seguida, responder: “Com a revogação da lei não passaremos a ter liberdade. A liberdade já existe. Passaremos a ter conflitos de interesse resolvidos com critério de plantão, estabelecido pelo julgador”.

Marco Aurélio atacou a ideia de que a lei é ruim porque foi feita no período ditatorial brasileiro. “Os que defendem essa visão se esquecem que o Código Penal foi decretado durante o Estado Novo e continua a viger. Se esquecem que durante o regime de exceção foram feitas reformas que, no tocante a garantias do cidadão, se mostraram profícuas, adequadas, aconselháveis quando se vive em Estado Democrático de Direito.”

O ministro lembrou que a revogação da lei é até ruim para os jornalistas em alguns aspectos. Ele ressaltou que os prazos de prescrição e decadência das ações são até mais favoráveis aos jornais e jornalistas do que os que constam na legislação civil. Marco Aurélio também lembrou parte da lei já não é mais aplicada na prática e “o que restou do diploma propicia alguma segurança jurídica aos cidadãos, jornais e jornalistas”. 

Por fim, o ministro Marco Aurélio disse que a lei deveria ser mantida tal como está até que “os representantes do povo, os deputados e senadores, decidam substituí-la”. Contudo, seu posicionamento foi vencido e a lei excluída do ordenamento jurídico nacional.

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