CPI das Escutas

Relatório final poupa Dantas, Protógenes e Lacerda

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23 de abril de 2009, 17h02

Depois de 10 meses investigando os desdobramentos da Operação Satiagraha, a CPI das Escutas apresentou nesta quinta-feira (23/4) a segunda versão do relatório (Clique aqui para ler a primeira parte do relatório e, aqui, para ler a segunda). No texto assinado pelo deputado Nelson Pellegrino (PT-BA), não há qualquer indiciamento dos principais personagens da Satiagraha. Ou melhor: sobrou para o ilustre desconhecido Idalberto Martins, sargento da Aeronáutica que apresentou o delegado Protógenes Queiroz ao ex-agente Francisco Ambrósio do Nascimento. Martins foi indiciado por ter supostamente levado informações sigilosas para casa.

Os seis primeiros meses em que a CPI das Escutas trabalhou silenciosamente, sem holofotes da imprensa, foram mais produtivos para o relatório final. Além de ser a base do texto, Pellegrino pediu o indiciamento de outras pessoas, todas elas relacionadas a casos menores investigados pela comissão.

São elas: a delegada de Polícia Eneida Orbage de Brito Taguary, acusada de ter ordenado a escuta ambiental ilegal para investigação de uma denúncia da ex-secretária da Comissão Organizadora de Exames da Seção do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Janaína Faustino; o detetive particular Eloy de Ferreira Lacerda, acusado pela Polícia Federal de comandar uma quadrilha especializada em espionagem; e o investigador Augusto Peña, investigado por suspeita de utilizar grampos telefônicos clandestinos na tentativa de extorsão envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC).

A estratégia de Pellegrino foi a de não indiciar “quem já está sendo investigado pela polícia”. Mas, na lista acima, há pessoas que foram indiciadas pela CPI e pela polícia. O relator, contudo, citou nominalmente Protógenes e Dantas como dois exemplos dos que não foram indiciados por esse motivo. O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência, Paulo Lacerda, escapou ileso. Segundo Pellegrino, ele esclareceu todas as possíveis contradições, em documento enviado à CPI.

Os deputados da CPI pediram vista coletiva do relatório de Pellegrino. O texto irritou a oposição, que promete apresentar voto em separado com o indiciamento do trio Protógenes, Lacerda e Dantas. “O governo não tem interesse e colocou uma pedra em cima para blindar Paulo Lacerda”, disse o deputado Raul Jungmann(PPS-PE).

O deputado quer também a prorrogação da CPI por mais 60 dias, a fim de obter mais informações sobre Daniel Dantas e a empresa de consultoria Kroll, investigada pela Polícia Federal em 2004 na Operação Chacal, embrião da Satiagraha. “Essa blindagem do governo beneficiou Dantas, porque com mais 60 dias com certeza teríamos indiciamentos”, completou Jungmann.

O relatório deverá ser votado na próxima semana. O resultado pode ser surpreendente, mesmo com a tradicional força da base governista em CPIs. Isso porque o relatório final conseguiu desagradar também alguns deputados da própria base, que defendiam o indiciamento de Dantas.

Dois casos emblemáticos da CPI ficaram de lado no relatório final. Um deles é o grampo, ainda sem áudio, de conversa travada entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). O relator minimizou o poder de investigação de uma CPI. “A CPI pouco avançou porque seria difícil chegar a qualquer conclusão a partir de oitivas”, disse.

Outro caso que tomou boa parte do tempo da CPI foram os supostos grampos praticados pela Kroll a mando de Dantas. Ao justificar a ausência do caso no relatório final, Nelson Pellegrino aproveitou para alfinetar o juiz federal Fausto De Sanctis, de São Paulo. “A CPI tentou obter as informações da Chacal e Satiagraha com a 6ª Vara, que recusou o acesso e prejudicou os trabalhos da comissão”, afirmou.

As 394 páginas do relatório são recheadas de tabelas, frases de efeito e relatos dos depoimentos prestados à CPI. “Não pode o próprio Estado, no furor de incriminar, deixar de mão a própria lei”, escreveu Nelson Pellegrino.

As 97 reuniões da CPI serviram para Pellegrino agrupar casos em que os grampos foram feitos “com descuido”. O relator pretende encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça planilhas com casos de interceptações feitas pela Polícia Rodoviária Federal e pela Polícia Militar, além de autorizações feitas por varas cíveis e da família. Pellegrino não citou quantos casos ocorreram.

Grampos autorizados e a banalização

A sessão desta quinta-feira, no entanto, serviu para a CPI apresentar os dados consolidados dos números de grampos autorizados pela Justiça em 2007 e 2008. Inicialmente, a média anual era de pouco mais de 400 mil.

Depois de 16 meses de trabalho, os deputados concluíram que foram 375.643 grampos em 2007 e 358.839 no ano passado. “Essa redução decorre da atuação da CPI e da regulamentação feita pelo CNJ”, disse o relator.

Nas diversas críticas à “banalização dos grampos”, sobrou também para imprensa. Segundo o relator, os jornalistas se beneficiam da divulgação de grampos para obter audiência. “A imprensa, sem se dar conta, acaba sendo veículo de interesse de uma das partes do processo”, disse. “Isso deixa o cidadão sem defesa e com danos irremediáveis”, completou.

As propostas

O único ponto de consenso entre os deputados foi o projeto de lei a ser apresentado pela CPI. A lista de mudanças é longa: oitiva prévia do Ministério Público para a realização de grampos; prazo peremptório de seis meses; definição dos crimes que podem ser investigados com grampos; pena máxima de cinco anos para interceptação ilegal (atualmente são quatro anos).

Também figuram no projeto a possibilidade de o juiz anular o segredo de Justiça após a manifestação da defesa; o impedimento do juiz que autorizar o grampo ser o mesmo a julgar o caso e a pena de cinco anos para o vazamento de escutas telefônicas.

O relatório apresenta ainda diversas sugestões a órgãos dos poderes Executivo e Judiciário. A principal delas é direcionada ao Ministério Público, a fim de que sejam investigadas as possíveis contradições nos depoimentos de Lacerda e Protógenes. Além disso, a CPI sugere ao Gabinete de Segurança Institucional, órgão responsável pela a Abin, que promova a regulamentação “detalhada” da participação de agentes da agência em operações da Polícia Federal.

Clique aqui para ler a primeira parte do relatório
Clique aqui para ler segunda parte do relatório

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