Reinserção social

A ajuda da universidade na reinvenção do sistema penitenciário

Autor

  • André Macedo de Oliveira

    é sócio do BMA - Barbosa Müssnich Aragão em Brasília. Doutor e mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Professor adjunto da Faculdade de Direito da UnB.

19 de abril de 2009, 10h20

Em março de 2004, publiquei uma breve reflexão sobre a contribuição das universidades na melhoria do sistema penitenciário brasileiro. Cinco anos após essa reflexão e com o cenário crescente do agravamento da crise desse sistema, trago novamente à reflexão o debate na esperança continuar semeando a idéia no sentido de contribuir para uma reinvenção do sistema penitenciário brasileiro.

O jurista Evandro Lins e Silva, ao comentar sobre o tema em entrevistas concedidas ao Centro de Produção e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, revelou: “a prisão é realmente monstruosa, e eu tenho verdadeira alergia à cadeia. A política criminal de hoje dominante no pensamento científico dos estudiosos do direito penal é: prisão só em último caso. Só deve haver segregação de quem é perigoso. O cidadão não sendo perigoso, vamos encontrar uma maneira de permitir que ele volte à sociedade. (…) Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”.

Para Foucault, a prisão sempre esteve ligada a um projeto de transformação dos homens. Os textos, os programas, as declarações de intenção existem para nos mostrar que a prisão deveria ser um espaço de desenvolvimento como a escola ou de tratamento como o hospital. Constata-se que desde 1820 a prisão, longe de transformar os criminosos em seres humanos dignos, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para empurrá-los ainda mais fundo na criminalidade. Essas reflexões feitas nos últimos trinta anos servem para clarear que a crise no sistema penitenciário não é de hoje.

Entre os remédios para possíveis saída da crise desse sistema está a construção de novos estabelecimentos prisionais, de maneira a amenizar a superlotação; a aplicação de medidas e penas alternativas; a efetiva atuação da defensoria pública e do Poder Judiciário na revisão das penas, dentre outros. Contudo, um dos mais delicados é a reinserção dos cidadãos que passaram pelo sistema penitenciário ao convívio social. Nessa empreitada, o papel da sociedade é fundamental.

E incluir a sociedade nesse processo de reinserção social significa também a promoção da transparência no sistema carcerário. Não se trata de eximir o Estado de seu dever, mas de abrir um canal mais sólido no sentido de sensibilizar a sociedade, contando, inclusive, com a efetiva participação do Poder Judiciário e do Ministério Público, conforme expressamente comanda a Lei de Execução Penal.

Mas não é só.

E aqui vem a reflexão deste artigo: A reforma do sistema penitenciário precisa chegar à universidade.

As rápidas transformações do mundo contemporâneo destinam à universidade o exercício de superar as desigualdades sociais e regionais por meio de suas atividades de ensino, pesquisa e extensão. A universidade tem um papel fundamental na formação da sociedade enquanto preparadora dos cidadãos do futuro.

O ensino superior não é apenas uma apropriação e transmissão do conhecimento já produzido. Os alunos têm de ser sujeitos do processo de aprendizagem e críticos em relação ao que lhes é ensinado e à sua prática profissional cotidiana. Nesse cenário, os estabelecimentos prisionais são um amplo campo de atuação.

A universidade pode e deve olhar para o sistema penitenciário, ao mesmo tempo em que o sistema prisional precisa buscar um diálogo mais intenso com ela.

É preciso despertar na universidade uma mudança de atitude. O professor Cristovam Buarque salienta que a universidade precisa mudar sua maneira de ser, bem como incorporar seu compromisso social pela inclusão nas suas disciplinas e pesquisas. Para Cristovam, isso não significa aumentar o número de vagas para formar mais alunos, mas mudar o que é ensinado em algumas disciplinas. Segundo o professor, “nas áreas de ciências puras, das artes, da filosofia, o único compromisso da universidade é com o ineditismo. Mas, nas áreas tecnológicas, da medicina,engenharia, arquitetura, ciências sociais e jurídicas, a universidade tem que fazer opção por formar profissionais comprometidos com a luta contra a exclusão social”.

As atividades de ensino, pesquisa e extensão encontram um caminho na Lei de Execução Penal para “entrar” no cárcere. A referida lei prevê a assistência jurídica, material, educacional, social, religiosa e à saúde, orientando o retorno do preso à convivência em sociedade. Todos os cursos podem dialogar com esse projeto. Psicologia, medicina, odontologia, pedagogia, farmácia, enfermagem, direito, serviço social, administração, sociologia, engenharia etc. Áreas onde há enorme carência de recursos humanos em quase todos os estabelecimentos prisionais do país.

Mas a atividade de extensão tem um contexto especial, pois, como previsto no artigo 207 da Constituição Federal de 1988, é um processo educativo que articula ensino e pesquisa, proporcionando um intercâmbio permanente entre a universidade e a sociedade, além de fomentar um diálogo entre a teoria e a prática.

É por meio da extensão que a universidade descobre os caminhos para redesenhar seus conhecimentos. É um caminho que discentes e docentes despertam para uma reflexão crítica das teorias, alimentando, assim, a realidade em que se encontram.

Numa aproximação da universidade com o sistema penitenciário, todos os cursos engajados terão como desafio permanente a realização de atividades e pesquisas que possibilitarão ao cidadão encarcerado durante o cumprimento de sua pena vislumbrar a busca de um novo comportamento e destino.

Esse é um ponto de partida, pois o problema é muito complexo. O encontro da universidade com o sistema penitenciário terá um papel histórico notável, porque uma ação eficaz poderá romper com o círculo em que se encontra o preso, colocando-o numa perspectiva de cidadania.  

Autores

  • Brave

    é professor de Processo Civil e Coordenador do Núcleo de Trabalho de Curso e Atividades Complementares do Curso de Direito do IESB, mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UnB e ex-Professor de seu Núcleo de Prática Jurídica Advogado em Brasília

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