Quantidade legislativa

Congresso trabalha muito e produz pouco

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18 de abril de 2009, 8h48

Os deputados e senadores parecem ter preocupações mais importantes do que a de legislar. Estudo da ONG Transparência Brasil mostra que 66% de tudo que foi produzido no Senado desde 2003 e na Câmara, desde 2007, não têm relevância para o ordenamento jurídico e, por conseqüência, para a população brasileira.

O estudo, divulgado no início do mês, dividiu as 22.132 matérias produzidas pelo Congresso Nacional nesse período em quatro categorias: com muito impacto (34%); com pouco impacto (16%); requisições (29%); assuntos internos e tramitações (21%). O levantamento mostra, em números, que o legislador brasileiro prefere quantidade à qualidade dos trabalhos.

Nos projetos com muito impacto, segundo a ONG, figuram propostas para reduzir impostos, melhorar a educação, combater a corrupção, entre outros exemplos. As matérias classificados como de pouco impacto são a típica perfumaria dos parlamentares: homenagens, proposição de feriados e datas comemorativas, por exemplo.

Vale ressaltar que, como em quase tudo na política, as propostas com muito ou pouco impacto não são necessariamente boas ou ruins para o país. Tudo depende do colorido ideológico de cada um.

No estudo, o diretor-executivo da Transparência Brasil, Claudio Weber Abramo, afirma que o desempenho de senadores e deputados é reflexo da relação entre Legislativo e Executivo. “Poucas matérias com impacto de iniciativa do Legislativo são aprovadas. Em contraste, as matérias com origem no Executivo recebem tratamento preferencial”, diz. “As Casas tampouco fiscalizam o poder Executivo. Dessa forma, descumprem suas duas principais atribuições constitucionais”, completa.

O diretor da Transparência Brasil vai mais longe ao buscar as justificativas. “Esse estado de coisas, que coloca em risco a legitimidade do Poder Legislativo aos olhos do eleitor, tem origem na cooptação a que esse Poder se entrega ao Executivo”, afirma. “As primeiras ações de qualquer presidente são para assegurar maioria nas Casas. O loteamento administrativo entre os partidos tem a função de neutralizá-los. Eles deixam de legislar e fiscalizar o Executivo, pois essa é a contrapartida do negócio que se acerta”, conclui Abramo. No site da Câmara, figuram 1.972 itens apresentados pelo Executivo entre 2007 e março de 2009, período analisado pela ONG.

A Câmara e o Senado aprovaram apenas 3% dos 7.574 projetos com impacto. Os senadores e deputados, por outro lado, são exemplo de eficiência na hora de aprovar matérias de pouco impacto. Das 3.410 propostas, 74% foram aprovadas.

Leis do Judiciário
No Senado, projetos de lei para alterar o ordenamento jurídico brasileiro ficaram em segundo lugar na categoria “com impacto” – em primeiro lugar ficou a genérica “miscelânea”. Desde 2003, foram apresentadas 223 proposições para mudar o Judiciário, e 24 foram aprovadas (10%). O tópico mais eficiente foi “tombamento” com um projeto apresentado e efetivado (100%), seguido de “questões raciais”, com três das seis proposições (50%). Na Câmara, o desempenho foi semelhante. Foram 293 PLs para mudar o Judiciário desde 2007, e 14 foram enviados ao Senado (5%).

O senador que mais apresentou propostas com impacto foi Paulo Paim (PT-RS), com 189 matérias e 14 acatadas (7,4%). Na Câmara, quem mais propôs foi Carlos Bezerras (PMDB-MT), com 88 matérias de impacto e duas aprovações. Na Câmara, aliás, entre os 20 deputados com mais proposições de impacto, apenas um quarto conseguiu aprovar algum projeto – prova concreta de que nem toda boa intenção vira realidade.

Quando o assunto é o ordenamento jurídico, cinco senadores se destacam. Juntos, Demóstenes Torres (DEM-GO), Pedro Simon (PMDB-RS), César Borges (PR-BA), Magno Malta (PR-ES) e Álvaro Dias (PSDB-PR) apresentaram um terço das 223 matérias e aprovaram 13. O campeão é o senador Demóstenes Torres, que propôs 29 matérias e conseguiu emplacar quatro. O desempenho do senador goiano tem motivos. Além de promotor de carreira, Demóstenes é o atual presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A ONG não disponibilizou a lista dos deputados que ofereceram projetos de lei sobre a Justiça.

Estados e partidos
Se somados os desempenhos de Câmara e Senado, a bancada com maior número de proposições de relevância é a gaúcha, com 610 propostas. O partido com mais projetos desse tipo é o PMDB, com 1.158 matérias. Proporcionalmente, o PT é o partido que mais aprova. Os 90 petistas do Congresso aprovaram 5% dos 1.020 PLs que sugeriram. Não por coincidência, o PT é o partido do Executivo e, por isso, consegue mais apoio da base governista.

Apesar do número de senadores ser quase sete vezes menor que o de deputados, o Senado apresentou quase duas vezes mais projetos de pouca relevância, segundo o levantamento. E o desempenho tem explicação. Apenas o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) fez 858 homenagens desde 2003. Entre elas, por exemplo, o tucano ofereceu, em agosto de 2008, voto de estímulo ao músico conterrâneo Geovani Andrade, que estava prestes a lançar o CD de estréia “Infinito”.

Todas as 858 homenagens do senador foram aprovadas. Por isso, qualquer estatística a respeito de Estado ou partido com proposta de pouco impacto fica distorcida, graças ao desempenho fora do comum de Arthur Virgílio. O número de matérias sem impacto sugeridas pelo tucano é dez vezes maior que o do segundo lugar, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC). Por outro lado, Arthur Virgílio conseguiu aprovar apenas uma das 31 propostas classificados pela ONG como “com impacto”.

Para o cientista político da Universidade de Brasília, David Fleischer, a preferência dos parlamentares pela quantidade de projetos não é à toa. “Muitas vezes, o político apresenta um projeto só para mostrar serviço para um determinado grupo ou região”, disse o cientista à revista Consultor Jurídico em entrevista (clique aqui para ler o texto completo).

Deputado sem projeto
Na Câmara, figuram seis deputados que só apresentaram propostas classificadas pela ONG como sem impacto. São eles: Narcio Rodrigues (PSDB-MG), Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Devanir Ribeiro (PT-SP), Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), Joseph Bandeira (PT-BA)e Rubens Otoni (PT-GO). Este último, por exemplo, pretendeu nomear um viaduto em uma rodovia próxima à cidade de Anápolis (GO).

Há outros 39 deputados que não sugeriram nada desde 2007 – nem assuntos de deliberação interna da Casa. Alguns com justa causa: são os deputados que se dedicaram a liderar bancados e partidos, como é o caso do ex-presidente da Câmara Arlindo Chinaglia (PT-SP). Outros preferem atuar longe dos holofotes do Legislativo, como é o caso do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), outrora parlamentar influente, até renunciar ao Senado em 2001.

Para ler a íntegra do estudo, clique aqui.

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