Mordaça judicial

ABI questiona poder de juiz censurar imprensa

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18 de abril de 2009, 8h58

Apesar de não ter sido questionada pelo autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 130, em que o PDT pede a revogação total da Lei 5.250/67, a Associação Brasileira de Imprensa pede que o Supremo Tribunal Federal se manifeste sobre a possibilidade de o Judiciário restringir, previamente, a publicação de uma reportagem. A ABI entrou como amicus curiae na ADPF e entende que não é necessária lei específica para regulamentar a atividade.

Dois ministros do Supremo Tribunal Federal já votaram pela revogação total da Lei de Imprensa, sob fundamento de que a Lei 5.250/67 e a Constituição de 1988 são inconciliáveis. O julgamento da ação que questiona a regra está previsto para continuar no dia 29 de abril.

Por um lado, lembra a ABI, a Constituição proíbe qualquer tipo de censura. Por outro, protege a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas. “A situação torna-se ainda mais tormentosa se levarmos em consideração que o artigo 20 do novo Código Civil traz em seu bojo autorização expressa, conferida pelo legislador ordinário, para que o magistrado restrinja a liberdade de expressão, a requerimento do interessado, se puderem atingir ‘a honra, a boa fama ou a respeitabilidade’ do interessado. Ficam ressalvados, apenas, os casos em que a divulgação seja necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública”, afirma.

A ABI citou o caso em que o Supremo confirmou liminar obtida pelo então candidato à presidência da República, Anthony Garotinho, para que a Rede Globo não divulgasse uma gravação feita de forma ilícita. Mas lembrou que a questão é polêmica entre os próprios ministros. O ministro Marco Aurélio entendeu que o interesse público deveria prevalecer já que Garotinho era candidato à presidência e estavam às vésperas das eleições.

“É importante que o STF se posicione sobre o tema firmando entendimento quanto à impossibilidade de censura prévia, de modo a preservar a liberdade de expressão e de imprensa”, diz. A associação constata que juízes e tribunais têm determinado medidas preventivas, como em Santa Catarina, em que um juiz realizou censura prévia sob o pretexto de garantir a harmonia das eleições.

O documento, elaborado por alunos de Núcleo da Prática Jurídica da FGV Direito Rio com supervisão do advogado Thiago Bottino, também chama a atenção para o confronto entre a liberdade de expressão e princípios constitucionais que garantem o processo penal. “Este conflito ocorre, por exemplo, quando os veículos de comunicação noticiam crimes e pré-julgam os suspeitos”, diz.

“Deve-se discutir, então, que tipos de medidas devem ser adotadas para assegurar ao réu um julgamento isento. Pode-se cogitar da restrição da liberdade de informação com essa finalidade? Por outro lado, a imposição de sanções aos veículos de comunicação, com a limitação da divulgação de matérias jornalísticas, seria a melhor alternativa?”, questiona.

Criminalização do discurso
“A notícia de que um determinado profissional foi condenado criminalmente por causa de uma matéria causa enorme impacto e preocupação entre os jornalistas que ficam receosos de exercer a profissão com independência e coragem”, diz o memorial da ABI. O documento afirma, ainda, que há mecanismos menos restritivos mas eficazes como a reparação através de indenização e direito de resposta.

Para a ABI, a Constituição Federal de 1988 não permite a criminalização da manifestação do pensamento. “Embora a Constituição de 1988 resguarde a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ela não permite a criação de tipos penais que criminalizem discursos”, explica.

Segundo a ABI, se for reconhecida a possibilidade de criminalização, esta só pode ocorrer quando não for possível reparar o dano através de indenização ou se ficar comprovada a intenção em causar prejuízo à imagem e honra das pessoas. “Em nenhuma outra hipótese será legítima a condenação criminal de quem quer que seja por manifestações que violem a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem de outrem”, defende a ABI.

A entidade é contra a regulamentação específica da atividade jornalística. Segundo a ABI, dispositivos da Constituição, do Código Civil e até mesmo do Código Penal já atendem às situações que envolvem os meios de comunicação.

Para a ABI, mesmo no caso do direito de resposta, que ficaria sem previsão legal com a revogação da Lei de Imprensa, poder ser resolvido através do Código Civil, por meio das medidas de tutela antecipada. “Não é a existência de lei específica que fará com que o veículo de comunicação atenda ao pedido espontaneamente. Se a empresa quiser acolher o pedido, será irrelevante o fato de haver previsão legal, pois não há sanção específica para o caso de descumprimento do pedido formulado extrajudicialmente”, constata.

Imprensa nas Constituições
O memorial da ABI traz um histórico da regulamentação da imprensa no Brasil. Conta que quando o país ainda era colônia de Portugal, uma lei de imprensa portuguesa criou um Juízo de Jurados, com 24 pessoas indicadas pelo regente e responsáveis por julgar os excessos cometidos na manifestação do pensamento.

Desde a Constituição do Império, de 1824, até a Constituição Federal de 1988, todas trataram da liberdade de expressão. A de 1824 previa a regulamentação pelo legislador, o que aconteceu com uma lei de imprensa de 1830. Naquela época, quem abusasse poderia ter penas corporais e pecuniárias. Já em 1891, a Constituição da fase republicana não previu a regulamentação do assunto.

A Constituição de 1934 já foi mais detalhista ao dizer sobre a liberdade de expressão. Falava sobre direito de resposta e impedia a publicação de propaganda de guerra “para subverter a ordem política ou social”. Voltou-se a prever regulamentação por lei em relação aos abusos. Em 1937, a liberdade de manifestação foi restringida. A própria Constituição detalhou a respeito do tema e previu uma lei especial para regulamentação. A Constituição de 1946 voltou a privilegiar a liberdade de expressão e manteve a necessidade de ser regulada por lei.

“A Constituição de 1967, produzida sob o regime da ditadura militar, basicamente repetiu a redação da Constituição anterior, no art. 150, §8º.” Mas uma emenda de 1969 restringiu a liberdade de manifestação. Vedou publicações contrárias “à moral e aos bons costumes”. “Certamente deu amparo a toda forma de censura, repressão e punição ocorridos no período”, diz a ABI.

O documento destaca ainda que as leis de imprensa brasileiras foram editadas em períodos marcados por um caráter eminentemente intervencionista, desde o governo imperial passando por Getúlio Vargas e no governo militar. “A implementação de lei para a regulamentação da liberdade de expressão, na verdade, sempre foi uma justificativa para a adoção de medidas de restrição a essa lberdade, através da aplicação de penalidades e censuras”, defende.

Para a ABI, o texto constitucional é claro quando diz, em seu artigo 220: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”

Direito comparado

O memorial também fala da liberdade de expressão em dois países: Portugal e Estados Unidos. Conta que no primeiro a liberdade de manifestação é mais regulada, no sentido de haver mais regras sobre a imprensa. Segundo a ABI, a Lei 1/99, de Portugal, especifica a organização das empresas jornalísticas, direito de resposta, responsabilidades civil, penal e administrativa, dos direitos dos jornalistas, além de criar um órgão para aplicar as sanções previstas.

Já nos Estados Unidos, “optaram por assegurar uma liberdade de expressão quase absoluta, ao prever em sua Constituição apenas que ‘o Congresso não deverá criar nenhuma lei restringindo a liberdade de expressão ou de imprensa’”. Eventuais abusos são resolvidos no Judiciário, sobretudo pela análise de casos concretos pela Suprema Corte do país.

Clique aqui para ler o memorial da ABI.

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