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Revogação de decreto não autoriza contribuição sobre aviso prévio

17 de abril de 2009, 16h40

Por Sarina Sasaki Manata

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Em contrariedade ao anúncio do governo federal de redução dos encargos sociais e da crise econômica mundial, foi publicado no dia 13 de janeiro de 2009 o Decreto 6.727, que revogou o artigo 214, parágrafo 9º, inciso V, alínea “f” do Regulamento da Previdência Social — Decreto 3.048/99 —, que estabelecia que o aviso prévio indenizado não integrava o salário-de-contribuição.

O aviso prévio está previsto no artigo 487 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe que o empregador deve comunicar a dispensa do empregado com 30 dias de antecedência. Já o seu parágrafo 1º determina que, na sua ausência, será devido o pagamento referente a esse período, na forma de uma indenização correspondente ao prazo do aviso não concedido.

Diante de tal supressão, a Receita Federal do Brasil passou a entender que sobre o aviso prévio indenizado incide a contribuição previdenciária. Vejamos o teor de uma recente solução de consulta a respeito do assunto:

Diário Oficial da União – Seção 1 – Nº 65, segunda-feira, 6 de abril de 2009 p.38

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 54, DE 11 DE MARÇO DE 2009

Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias

O aviso prévio indenizado e a parcela a ele correspondente da gratificação natalina (décimo terceiro salário proporcional) não sofriam incidência de contribuições previdenciárias, na vigência da redação original do art. 214, § 9.º, inciso V, alínea "f" do Decreto n.º 3.048, de 1999. No entanto, o Decreto n.º 6.727, de 2009, revogou referida alínea, passando o aviso prévio indenizado e a sua correspondente parcela de décimo terceiro salário a integrar a base de cálculo de contribuições previdenciárias.

Dispositivos legais: art. 28, § 9.º da Lei n.º 8.212, de 1991; art. 214, § 9.º, inciso V do Decreto n.º 3.048, de 1999; art. 1.º do Decreto n.º 6.727, de 2009; art. 72, incisos V e VI da Instrução Normativa MPS/SRP n.º 3, 2005, com as alterações da Instrução Normativa MPS/SRP n.º 20, de 2007.

ISIDORO DA SILVA LEITE

Chefe da Divisão

Entretanto, tal entendimento diverge da jurisprudência firmada pelos nossos tribunais superiores. Vejamos:

NATUREZA INDENIZATÓRIA AUXÍLIO-DOENÇA NOS PRIMEIROS 15 DIAS DE AFASTAMENTO. AVISO-PRÉVIO INDENIZADO, AUXÍLIO-CRECHE. ABONO DE FÉRIAS. TERÇO DE FÉRIAS INDENIZADAS.

O disposto no artigo 3º da LC nº 118/2005 se aplica tão-somente às ações ajuizadas a partir de 09 de junho de 2005, já que não pode ser considerado interpretativo, mas, ao contrário, vai de encontro à construção jurisprudencial pacífica sobre o tema da prescrição havida até a publicação desse normativo.

As verbas de natureza salarial pagas ao empregado a título de auxílio-doença, salário-maternidade, adicionais noturno, de insalubridade, de periculosidade e horas-extras estão sujeitas à incidência de contribuição previdenciária. Já os valores pagos relativos ao auxílio-acidente, ao aviso-prévio indenizado, ao auxílio-creche, ao abono de férias e ao terço de férias indenizadas não se sujeitam à incidência da exação, tendo em conta o seu caráter indenizatório.

(…)

(REsp 973436/SC, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 18/12/2007, DJ 25/02/2008)

RECURSO DE REVISTA – AVISO PRÉVIO INDENIZADO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – NÃO-INCIDÊNCIA Os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se destinarem a retribuir trabalho, nem a remunerar tempo à disposição do empregador, não se sujeitam à incidência da contribuição previdenciária. Recurso de Revista não conhecido.

(Processo RR – 483/2005-003-01-00.9, Data de Julgamento 11/02/2009, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, DJ 13/02/2009.)

Cabe destacar que, mesmo após a alteração no regulamento, as empresas e entidades que têm discutido a questão no Poder Judiciário obtiveram sucesso, com a concessão de liminares confirmadas por sentenças favoráveis. Tal entendimento decorre do disposto no artigo 28 da Lei 8.212/91:

Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97)

(…)

Assim, de acordo com o dispositivo mencionado somente as parcelas pagas em retribuição aos serviços prestados ou em compensação ao tempo à disposição do empregador constituem salário-de-contribuição, hipóteses em que o aviso prévio indenizado não se enquadra, visto que é apenas um ressarcimento por uma obrigação não cumprida.

Além disso, muito embora o aviso prévio indenizado não conste na relação do parágrafo 9º, do artigo 28, da Lei 8.212/91, como ocorria até a vigência da Lei 9.582/97, de acordo com o nosso sistema tributário, somente poderá incidir contribuição previdenciária quando houver expressa determinação na legislação, em obediência ao princípio da estrita legalidade (artigo 150, inciso I, da Constituição Federal), o que não ocorre em relação ao aviso prévio indenizado.

Dessa forma, a revogação de um dispositivo previsto em decreto não tem o condão de alterar a legislação. E, por consequência, mero decreto não pode ofender nem criar novas obrigações não previstas em lei. Aliás, a Constituição Federal determina em seu artigo 195 que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade nos termos da lei, ou seja, somente por meio de determinação legal é possível incluir novos casos de incidência da contribuição previdenciária.

Conclui-se que o aviso prévio indenizado, por não destinar a retribuir o trabalho, não integra o salário-de-contribuição e, portanto, sobre tal verba não incide contribuição previdenciária. Contudo, como esse não é o atual entendimento da Receita Federal do Brasil, caso a empresa não efetue o recolhimento estará sujeita à autuação fiscal.

Ante o exposto, como medida de salvaguardar os direitos do contribuinte, apenas através de medida judicial é possível suspender a exigibilidade da contribuição, evitando futuras autuações.