Acesso limitado

Só autoridade competente deve acessar dado sigiloso

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14 de abril de 2009, 15h14

É acalorado o debate sobre a possibilidade da imersão de estranhos a autos judiciais ou policiais sob chancela do segredo de Justiça. Em rápidas linhas adotamos a compreensão de que o campo de circulação deste instituto é hermético.

O acesso aos autos processuais ou de peças de investigação sob o timbre do segredo de Justiça deve ser exclusivo dos profissionais neles vinculados diretamente e dos seus auxiliares formalmente identificados.

Justifica-se essa restrição porque os limites dessa espécie de sigilo – o segredo de Justiça – são pessoais, circunscritos tão somente ao limitadíssimo número de funcionários indispensáveis à prática dos atos formalizados nos autos.

Em outras palavras, o delegado de Polícia, o membro do Ministério Público e o juiz de Direito ou federal não podem autorizar nem mesmo que os seus pares tomem conhecimento de fatos ou de peças a que a Justiça decrete o segredo de Justiça, sob pena de sua violação. Daí, a necessidade de seus auxiliares ficarem sob rigorosa e permanente vigilância para que não ocorra a publicidade ilegal.

Entendemos que nenhum outro funcionário público e nem mesmo da Agência Brasileira de Informações pode se aproximar de autos de natureza sigilosa. De outra forma, em casos de vazamentos, não seria possível identificar o seu responsável, nem seria possível a reparação apropriada. Esta é uma das razões de caráter prático, das muitas que compõem o cenário da nossa ordem constitucional fundada na proteção e respeito ao cidadão.

O sigilo judicial não é um instituto de propriedade do Poder Judiciário. Ele tem a sua posse, entretanto, é instrumentalizado e destinado aos interesses da sociedade, não podendo, portanto, os órgãos estatais, incluindo-se o próprio Judiciário, acessar ou dar acesso a outros órgãos estatais senão aqueles acobertados pela legislação, uma vez que o interesse primordial a que se visa proteger é o do cidadão.

O termo segredo de Justiça somente possui significado, em uma ordem de Constituição (como pretende ser a nossa), se interpretado à luz do devido processo legal, que, por sua vez, é incompatível com um juízo administrativo, que franqueie o conteúdo de autos judiciais, sob segredo, a autoridades ou instituições, sem uma apreciação judicial na qual se garanta a ampla defesa. O entendimento contrário é inverter o sentido da proteção constitucional, cujos objetivos originários repousam na defesa do indivíduo em face das possíveis arbitrariedades do poder.

Qualquer outro órgão, de inteligência ou não, que não esteja legalmente afeto à investigação policial ou judicial preservada pelo segredo de Justiça estará claramente violando a Constituição. Não é diferente o entendimento do legislador nacional, haja vista o alerta que nos deixa no parágrafo primeiro da Lei 9.883/99, de 7 de dezembro de 1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência, o conhecido Sisbin:

"Parágrafo 1º O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária."

Sob esta perspectiva, é clara a disposição dos limites da atuação do Estado com relação à possibilidade de acesso aos autos sob o segredo de Justiça. Entender o contrário seria subverter a própria ordem constitucional e proteger o Estado ao invés do cidadão.

O sigilo existe enquanto instituto protetor do cidadão e invocá-lo para dar acesso institucional sob a justificativa de proteção da sociedade é um argumento perigoso, já conhecido, inclusive, dos Estados de exceção.

Acabar com garantias para protegê-las, definitivamente não é a melhor solução. Para aqueles que argumentam quanto à necessidade de arbitrariedades para fazer frente a uma criminalidade, cada vez mais, organizada, é bom lembrar que o sangue de mil culpados jamais valerá a dor de um único inocente.

E mais, o Poder Judiciário não integra o Sisbin.

Daí, em uma brevíssima conclusão, o limite das informações coletadas pela Abin é institucional e alcança todos os órgãos que compõem o Sisbin, podendo transitar, inclusive, pela comunidade internacional de informação, perdendo-se aí completamente o seu controle por deixar de ser pessoal.

Se a Abin participou ou não em operações sigilosas da Polícia Federal, não se pode admitir que a prática reiterada de um ato ilegal transforme-o em um ato coberto pela legalidade.

DISTINÇÕES FUNDAMENTAIS DAS DUAS ESPÉCIES DE ATO SIGILOSO

 

Autos jud. sob segredo de justiça         Inf. reservadas do Sisbin

 

Quanto à origem

 

Poder Judiciário         Poder Executivo

 

Quanto ao destinatário ou interesses protegidos

 

Sociedade         Estado

 

Quanto aos limites

 

Pessoal         Institucional

 

Além disso, as normas que regulamentam as atividades do Sisbin são diversas e não se confundem com a legislação processual que delimita o segredo de Justiça.

Com estas considerações, não há como se perfilar pela legalidade da inserção de terceiros ao contexto fático e formal que se apresenta marcado pelo segredo de Justiça.

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