Caça-fantasmas

Protógenes acusa, mas nada prova contra jornalistas

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7 de abril de 2009, 20h41

A santa inquisição promovida pelo delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz contra a imprensa e alguns de seus profissionais e veículos mais importantes teve resultado pífio. Depois de bisbilhotar conversas de mais de duas dezenas de jornalistas e de escarafunchar outros tantos textos e reportagens publicados no passado recente, o afoito delegado não conseguiu levantar uma única prova para incriminar seus investigados.

O máximo que o intrépido delegado consegue é fazer ilações. “Há indícios de que Dantas tenha certa ascendência sobre alguns jornalistas e editores”, divaga ele em um dos arquivos digitais apreendidos pela Corregedoria da Polícia Federal, no processo que investiga irregularidades operacionais registradas ao longo da Operação Satiagraha, conduzida por Protógenes. “Isso pode ocorrer mediante o pagamento de subornos, embora não se descarte a possibilidade de recurso à chantagem ou coação, com base em informações pessoais de seus alvos de interesse, as quais ele obteria por meio de atos de espionagem clandestina. Ressalta-se que tais acusações ainda estão sendo investigadas.” (Clique para ler o primeiro e o segundo documentos do delegado sobre a imprensa)

Protógenes, que chegou a pedir ao juiz federal Fausto Martin de Sanctis a prisão provisória da repórter Andrea Michael, da Folha de S. Paulo, não produziu mais do que delírios em sua “Análise de dados de fontes abertas” ou nos “Indícios de manipulação da mídia pelo banqueiro Daniel Dantas”, títulos de dois documentos sobre a imprensa elaborados pelo delegado, aos quais a ConJur teve acesso. Em tempo: o juiz negou o pedido de prisão da jornalista, acusada pelo delegado de vazar informações sobre a operação que ele conduzia contra o banqueiro Daniel Dantas. Para o delegado, o crime de Andrea Michael foi ter revelado, em reportagem, que existia uma operação em andamento na PF contra o banqueiro, um mês antes de sua ruidosa deflagração.

O fato revela que o delegado, apesar de ter se dedicado longamente a estudar o comportamento da imprensa, não entendeu como ela funciona. Não entendeu, por exemplo, que na busca de informações, o jornalista tem o dever de conversar com todos os tipos de pessoas, mesmo aquelas que eventualmente estejam sendo investigadas pela Polícia, sem que isso signifique qualquer cumplicidade ou convergência de interesses.

Consuelo Dieguez, jornalista da revista Piaui, é citada por Protógenes por ter produzido o que pode ser considerado o melhor perfil biográfico do misterioso Daniel Dantas já publicado na imprensa brasileira. Depois de esmiuçar o conteúdo da reportagem, Protógenes conclui que, “não obstante seu (de Daniel Dantas) lado negativo também ter sido mostrado, ao que tudo indica, a matéria constituiu peça de propaganda em favor de Daniel Dantas”.

Consuelo Dieguez volta a ser citada por Protógenes por ter feito, também para a Piauí, reportagem sobre Roberto Mangabeira Unger, ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos do governo Lula desde 2007 e ex-consultor do banco Opportunity. O interesse de Protógenes pelo que a imprensa diz sobre Mangabeira Unger o leva a citar também o jornalista Alexandre Oltramari, da revista Veja, bem como Rodolfo Lago e Octavio Costa, da IstoÉ.

Sobre a entrevista que a dupla fez com o exótico advogado e intelectual, Protógenes escreve: “A respeito do perfil de Mangabeira Unger, convém salientar que ele já prestou assessoria jurídica a Daniel Dantas, com o qual ainda possuiria vínculos. Há indícios, inclusive em matérias jornalísticas, de que o pensamento de Unger exerce influência sobre Dantas. Desta forma, não se deve descartar a hipótese de que Mangabeira Unger tenha, entre suas atribuições, a de defender os interesses do banqueiro no primeiro escalão do governo federal, principalmente em razão da vocação do intelectual para atuar em áreas estratégicas.”

Paradigma

A Veja merece do delegado um estudo de caso sobre a cobertura que a revista fez do episódio que derrubou da presidência do Senado o senador Renan Calheiros. Neste capítulo, o professor Protógenes ensina: “A manipulação da mídia, foco central desta análise, pode atingir diversas personalidades públicas, quando há interesses ocultos em difamá-las, enfraquecendo-as, desacreditando-as ou mesmo levando-as à bancarrota. As bases sobre as quais se combate um adversário por meio da mídia devem ser preferencialmente verdadeiras ou, ao menos, verossímeis. O que caracteriza o ataque é a escolha e perseguição insistente a determinado alvo, incutindo no público, pela repetição e virulência, uma imagem negativa”.

Apesar de ser a menor entre as quatro revistas semanais de informação geral do país, a Carta Capital é a mais citada por Protógenes. A explicação pode ser entendida por um comentário do próprio delegado a respeito de reportagem pela revista: “Esta reportagem é contundente e traz informações relevantes a respeito da manipulação de setores da mídia por Daniel Dantas. Em que pese o fato de não ser Carta Capital uma publicação isenta quando o assunto é Dantas (haja vista que Mino Carta e o banqueiro se enfrentam na Justiça), é inegável que há denúncias sérias baseadas em fatos verossímeis”.

Assessoria de imprensa

Assim como fazer reportagens sobre pessoas supostamente suspeitas torna seus autores suspeitos, para o delegado Protógenes Queiroz, prestar serviços a uma empresa sob investigação policial torna os prestadores de serviço também merecedores de serem investigados. Assim, uma empresa e um profissional de assessoramento de comunicação do banco Opportunity são tratados por Protógenes por desempenharem suas atribuições de orientar o cliente no trato com a imprensa.

Um episódio narrado por Protógenes mostra a confusão mental que o próprio criou sobre essa atividade. “No curso do processo apuratório, foi encontrado um forte indício da manipulação da mídia por Daniel Dantas. Interceptações de e-mails feitas com autorização judicial revelaram a existência de um contato entre Bruno Alves, funcionário do Banco Opportunity, e Elisabel Benozatti, diretora da Empresa de Comunicação Empresarial ‘Abre de Página’.”

O perigoso contato entre o prestador de serviço e seu cliente realmente existiu. Elisabel pedia a Bruno, um funcionário burocrático do Opportunity, que localizasse um editorial publicado em uma edição passada do jornal Folha de S. Paulo. Como se vê, nada que pudesse ameaçar a estabilidade da República ou que pusesse em dúvida a credibilidade da imprensa nacional.

O jornalista Marcelo Tognozzi foi vítima do mesmo tipo de equívoco. Contratado para prestar consultoria ao Oportunity na área de comunicação empresarial, ele é apresentado por Protógenes como um ardiloso manipulador. “Nota-se que durante todo o tempo o jornalista usa sua experiência profissional para orientar a cúpula do Opportunity sobre estratégias de ação para causar algum impacto na sociedade e, sobretudo, no meio político”, diz o relatório. Protógenes informa que Tognozzi trabalhou no Correio Braziliense, principal jornal de Brasília, mas não informa que ele deixou o emprego para atuar na área de consultoria em comunicação em 1995.

Protógenes trata também das relações entre o apresentador Roberto D’Ávila e o investidor Naji Nahas, tido como um operador de Daniel Dantas. “A análise deste telefonema permite depreender que Roberto D´Ávila é um dos facilitadores das atividades de Nahas e, por extensão, de Daniel Dantas. Isso fica patente quando ele se mostra interessado em estabelecer contatos e angariar aliados para o investidor.”

Apenas o primeiro dos três diálogos entre D’Ávila e Nahas é datado, de março de 2008, mesma ocasião em que, segundo a revista Época, começou o romance entre o jornalista e a ministra do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie. Mas disso, Protógenes Queiroz não trata em suas bisbiolhotagens.

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