Competência do inquérito

Arquivamento indireto não é questão de conflito

Autor

  • Ravênia Márcia de Oliveira Leite

    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

6 de abril de 2009, 16h59

Concluídas as investigações criminais, empreendidas pelo órgão de Polícia Judiciária competente, mediante relatório conclusivo (artigo 10, parágrafos 1 e 2º, CPP), observa-se que o Ministério Público poderá adotar as seguintes providências:

a) oferecimento da denúncia;
b) devolução dos autos à autoridade policial para a realização de novas diligências, imprescindíveis à propositura da ação penal, e
c) requerimento de arquivamento do inquérito policial.

No caso de proposta de arquivamento, abrem-se duas vias à autoridade judiciária: concordar com o pedido formulado pelo Ministério Público ou, em descordo com a posição ministerial, remeter os autos à Procuradoria Geral de Justiça ou Câmara de Coordenação e Revisão Criminal, no que se refere ao Ministério Público Federal (artigo 62 da Lei complementar 75/93) para avaliação do pedido de arquivamento (artigo 28, CPP).

Observe-se que o Código de Processo Penal, conforme leciona Eugênio Pacelli da Silva, “trata como despacho a decisão que determina o arquivamento do Inquérito”. Assim, surgindo prova nova, conforme a maioria da doutrina, resta cristalina a possibilidade de reabertura do inquérito policial ou instauração de nova ação penal e, ainda, nos termos da Súmula 524 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”.

Obviamente, o pedido de arquivamento deve ser explícito, tornando indiscutível a matéria, exceto no caso de surgimento de novas provas. No caso de surgir novas provas com relação a indiciado não incluído na ação penal, conforme tese do ilustre membro do órgão ministerial federal, alhures mencionado, “cumpre ao magistrado renovar vista ao órgão do parquet para manifestação expressa sobre a exclusão, não se admitindo arquivamento implícito”.

“Apesar de sempre presente, o arquivamento implícito é uma figura indesejada, porquanto entendemos que o membro do Ministério Público deve sempre expor em uma cota os motivos que o levaram a deixar de incluir na exordial acusatória um fato criminoso ou um acusado” (http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7BF5800DB5-AD4D-4FD2-9C16-E2B8E2FEF3AB%7D_010.pdf, acessado em 29 de março de 2009).

Outro instituto muito comum nas esferas judiciais, que, todavia, é quase esquecido pela doutrina, é o denominado arquivamento indireto. Confunde-se tal instituto com o conflito de atribuição. Entretanto, são institutos completamente díspares.

O arquivamento indireto surge quando o membro do Ministério Público se vê sem atribuição para oficiar em um determinado feito e o magistrado, por sua vez, se diz com competência para apreciar a matéria. O arquivamento indireto nada mais é do que uma tentativa por parte do membro do Ministério Público de arquivar a questão em uma determinada esfera.

Segundo o ilustre Eugênio Pacelli, “em tais circunstâncias, ele [o Ministério Público] deverá recusar atribuição para o juízo de valoração jurídico penal do fato, requerendo ao juiz que seja declinada a competência para a Justiça Estadual, com a posterior remessa dos autos a este juízo, para encaminhá-la ao respectivo Ministério Público Estadual.”

Dessa forma, continua o ilustre Procurador da República, surgem duas hipóteses:

“a) concordando com a manifestação ministerial, o juiz declina de sua competência e remete os autos ao órgão jurisdicional competente, não havendo, pois, qualquer problema a ser solucionado;

b) não concordando com o Ministério Público, isto é, afirmando o juiz federal a sua competência para a apreciação do fato e reconhecendo, assim, a existência de crime federal, a solução da questão apresenta certa complexidade”.

O arquivamento indireto já mereceu a tutela do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, cujos arestos seguem in verbis:

PROMOTOR PÚBLICO QUE ALEGA A INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO, REQUERENDO A REMESSA DOS AUTOS DO INQUÉRITO PARA AQUELE QUE CONSIDERA COMPETENTE – PONTO DE VISTA DESACOLHIDO PELO RESPECTIVO MAGISTRADO, QUE AFIRMA A SUA COMPETÊNCIA – INEXISTÊNCIA DE CONFLITO DE JURISDIÇÃO OU DE ATRIBUIÇÕES – MANIFESTAÇÃO QUE DEVE SER RECEBIDA COMO PEDIDO INDIRETO DE ARQUIVAMENTO. 1. Se o magistrado discorda da manifestação ministerial, que entende ser o juízo incompetente, deve encaminhar os autos ao procurador-geral de Justiça, para, na forma do artigo 28 do CPP, dar solução ao caso, vendo-se, na hipótese, um pedido indireto de arquivamento. 2. Inexistente conflito de competência, já que se declara cumulação positivo-negativa de jurisdições, o que não configura conflito, que ou é positivo, ou é negativo. 3. Igualmente não se vislumbra conflito de atribuições, se já jurisdicionalizada a discussão, onde um juiz se declarou competente e o outro não. 4. Conflito não conhecido. (Conflito de Atribuição 1994/0031.616-0, Min. rel. Anselmo Santiago, data da decisão: 11/6/1997, órgão julgador: S3 – terceira seção, DJ 4/8/1997, pg: 34.642).

CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES. JUIZ E MP FEDERAL. PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO (ART-28 DO CPP). A RECUSA DE OFERECER DENÚNCIA POR CONSIDERAR INCOMPETENTE O JUIZ, QUE NO ENTANTO SE JULGA COMPETENTE, NÃO SUSCITA UM CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES, MAS UM PEDIDO DE ARQUIVAMENTO INDIRETO QUE DEVE SER TRATADO À LUZ DO ART-28 DO CPP. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES NÃO CONHECIDO. (Conflito de Atribuições, Min. rel. Rafael Mayer, DJ: 9/12/83, pg: 19.415, Julgamento: 1/4/1982 – Tribunal Pleno)

A solução para dirimir a presente questão é a aplicação analógica do artigo 28 do Estatuto Adjetivo Penal, a fim de que o chefe ministerial dê a última palavra. Ou o procurador-geral concorda com a tese do membro do Ministério Público e o magistrado deverá encaminhar os autos à Justiça Federal, ou abraça o entendimento do magistrado e delega para outro membro do Ministério Público atuar no feito na órbita da Justiça Estadual. No primeiro caso (o chefe do Ministério Público concorda com a tese do promotor de Justiça), o juiz federal que receber os autos poderá suscitar o conflito negativo de competência a ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça, com arrimo no artigo 105, inciso I, letra “d”, da Carta Política (DIAS, Marcus Vinicius de Viveiros. Do arquivamento implícito e do arquivamento indireto. Disponível na Internet:http://www.mundojuridico.adv.br. Acesso em 29 de março de 2009)

Na mesma esteira, Eugênio Pacelli assevera que, conforme parecer do ilustre Cláudio Lemos Fonteles, “o Supremo Tribunal Federal elaborou curiosa construção teórica, com o único objetivo de viabilizar um controle, em segunda instância, dos posicionamentos divergentes entre o órgão do MP e o juiz”. Pensou-se, então, no arquivamento indireto, segundo o qual o juiz, diante do não oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público, ainda que fundado em razões de incompetência jurisdicional, e não na inexistência de crime, deveria receber tal manifestação como se de arquivamento se tratasse. Assim, ele deveria remeter os autos para o órgão de controle revisional no respectivo Ministério Público”.

Conclui, o festejado membro do Ministério Público federal, “como conseqüência o juiz estaria e estará subordinando à decisão de última instância do parquet, tal como ocorre em relação ao arquivamento propriamente dito, ou arquivamento direto”.

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    Ravênia Márcia de Oliveira Leite é delegada de Polícia Civil em Minas Gerais, bacharel em Direito e Administração pela Universidade Federal de Uberlândia, pós-graduada em Direito Público pela Universidade Potiguar e em Direito Penal pela Universidade Gama Filho.

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