Judiciário digital

Advogados, governo e MP devem se informatizar também

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5 de abril de 2009, 9h36

O Tribunal de Justiça de São Paulo vai estar totalmente informatizado até 2012. Escritórios de advocacia, autarquias, Ministério Público e Defensoria Pública devem estar preparados para trabalhar em sintonia com o tribunal e mandar os processos já digitalizados, já que os fóruns não terão capacidade para digitalizar todo o volume de ações que chega. Só o Fórum João Mendes, o maior de São Paulo, recebe 15 mil petições por dia.

Inaugurado em outubro de 2007, o Fórum Digital da Freguesia do Ó, na capital paulista, com demanda bem menor, não está dando conta de digitalizar tudo que ainda chega em papel. Carlos Henrique Abrão, autor do livro recém-lançado Processo Eletrônico e juiz da 42ª Vara Cível de São Paulo, conta que lá não há quem digitalize laudos e plantas apresentados por engenheiros. Demoram meses até que sejam incluídos nos autos digitais.

Abrão fala da dificuldade que os escritórios pequenos e do interior podem ter na fase de transição. Ele acredita que grandes bancas vão criar modelos de petição para facilitar o trabalho diário. Dessa forma, os dados já serão digitados no computador ao invés de serem feitos no papel e depois digitalizados. Os pequenos também devem pensar nisso.

As outras instituições que fazem parte da comunidade jurídica também terão de correr para se informatizar. A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, por exemplo, tem 500 mil processos em tramitação e ainda não está informatizada. O procurador-geral, Marcos Fábio de Oliveira Nusdeo, afirma que o assunto já está sendo discutido, mas ainda não há previsão de quando o processo digital será implementado. A ideia é usar o mesmo programa de informática que o Tribunal de Justiça.

O juiz Carlos Henrique Abrão, estudioso do processo eletrônico, avalia que hoje a tramitação do processo na Justiça paulista já acontece 50% por meio eletrônico. A videoconferência, diz, já é um processo digital. Além disso, o Judiciário tem convênio online com o Banco Central, a Receita Federal, Junta Comercial e pode intimar testemunhas por e-mail. “A aceleração deste processo vai depender dos órgãos que trabalham com o Judiciário estarem equipados para nos atender.”

O juiz conta que antes a resposta de um ofício enviado pela Receita Federal demorava três meses, muitas vezes apenas para dizer que não tinha a informação solicitada. Hoje, a resposta é em tempo real. Um e-mail resolve a questão. O acesso às declarações de renda de autores de ação que pedem Justiça gratuita também ganhou agilidade. Antes, o juiz tinha de pedir para a pessoa juntar a declaração aos autos. Hoje, ele entra no sistema da Receita e tem acesso aos dados na hora. A resposta ao jurisdicionado é imediata.

Saúde da Justiça

O processo eletrônico vai ajudar o Judiciário a acabar com a descrença por parte dos jurisdicionados, na opinião de Carlos Henrique Abrão. A ação do futuro informatizado também vai economizar espaço e árvores, o acesso às partes será muito mais fácil e a solução, mais ágil, aposta o especialista.

O processo eletrônico também é mais higiênico, diz Abrão. Ele conta que uma colega sua pediu o desarquivamento dos autos de um processo antigo. Ela folhou as páginas e coçou os olhos. Tempo depois, descobriu que tinha pegado leptospirose. “Esse é o processo que nós temos. Arquivos lotados, zonas alagadas. Os autos chegam em frangalhos ao juiz.”

Pelo menos mais um caso de leptospirose foi registrado entre pessoas que trabalham com processos judiciais. A Consultor Jurídico apurou que o diretor do cartório do Órgão Especial do TJ-SP morreu em março de leptospirose. Ele passou mal e por duas vezes foi internado. Na segunda, não resistiu. A família não sabe como ele contraiu a doença.

Outra questão importante trazida pelo processo eletrônico será a redução do tamanho dos autos. Durante entrevista feita pela ConJur em seu gabinete, o juiz mostrou uma inicial de seis volumes. Para Carlos Henrique Abrão, a tendência é o Judiciário infomatizado receber processos menores. Por exemplo, num processo para contestar débitos de condomínio a partir de 2005, o advogado, atualmente, pode incluir todos os comprovantes de pagamento de 2004 para trás. “Para quê o juiz vai usar esses dados?”, questiona. No processo eletrônico, o advogado terá de digitalizar comprovante por comprovante, o que é menos provável.

Avalanche de processos

Hoje, a Justiça paulista tem mais de 18,1 milhões de processos em andamento. Este número exorbitante representa quase metade do número de ações que tramitam no país inteiro. Com a crise, a quantidade deve aumentar de forma considerável. Muitas empresas estão em condições ruins de sobrevivência e a inadimplência aumentou. Os pedidos de busca e apreensão apresentados por bancos aumentaram de 10 para 55 por semana, ao menos na 42ª Vara Cível, de acordo com os cálculos de Abrão. Os bancos representam 55% do estoque do Judiciário brasileiro. Eles aparecem em segundo lugar no ranking de clientes da Justiça: são autores e réus. Perdem apenas para o Estado.

Na opinião do juiz da 42ª Vara Cível, apenas 10% de todos os processos são relevantes. Os demais tratam de questões simples, “até pré-processuais”. Mas o diálogo, segundo a sua experiência, não funciona.

Carlos Henrique Abrão conta que em sua Vara, criada há sete anos, existem 3,5 mil processos em andamento. Algumas varas têm até 18 mil ações para julgar. Pelos cálculos do juiz, cerca de 400 processos chegam por mês. A capacidade de julgar, sua e do substituto, é de 120 por mês. Com isso, a sobra é 280. Por ano, 3,3 mil são somados ao estoque.

A celeridade, para o juiz, viria com o andamento online dessas ações. Ele recorda que, em fevereiro, durante o 2º Encontro Nacional do Judiciário, entre as 10 metas anunciadas pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, seis tratam da informatização (leia abaixo as metas).

Novas saídas

O juiz Abrão afirma que os Juizados Especiais e as Câmaras de Arbitragem não conseguiram resolver o problema do acúmulo de processos. A especialização das varas, para ele, seria de grande valia para a primeira instância do Judiciário. Uma proposta melhor seria seguir o exemplo da União Europeia, diz. Lá, a criação de cargos de juízes acontece de acordo com o número de processos. Cada um deve ter 100 processos para julgar por mês. Quando o número chega a 130, por exemplo, um dos aprovados no concurso público para a carreira é convocado para dividir as causas com os colegas.

Instrumentos como Repercussão Geral, Súmula Vinculante e a Lei de Recursos Repetitivos, de acordo com Abrão, serviram para desafogar os tribunais superiores e o Supremo Tribunal Federal, como uma forma de auto-imunização. Pelos cálculos de Carlos Henrique Abrão, hoje, apenas cinco entre mil recursos especiais chegam ao Superior Tribunal de Justiça.

A eficiência da Lei de Processo Eletrônico (Lei 11.419/06) será testada em breve. Já em 2009, o STJ estará totalmente informatizado, de acordo com promessas de seu presidente, Cesar Asfor Rocha. A corte vai abrir mão de vez do papel. Mais de 50 scanners estão operando 12 horas por dia na digitalização dos processos recebidos no STJ. A meta é digitalizar cerca de 450 mil processos até o final de agosto.

Veja as metas nacionais de nivelamento propostas pelo CNJ para o ano de 2009

Objetivo: minorar as diferenças entre os segmentos da Justiça.

1. Desenvolver e/ou alinhar planejamento estratégico plurianual (mínimo de cinco anos) aos objetivos estratégicos do Poder Judiciário, com aprovação no Tribunal Pleno ou Órgão Especial;

2. Identificar e julgar todos os processos judiciais distribuídos até 31/12/2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais superiores);

3. Informatizar todas as unidades judiciárias e interligá-las ao respectivo tribunal e à rede mundial de computadores (internet);

4. Informatizar e automatizar a distribuição de todos os processos e recursos;

5. Implantar sistema de gestão eletrônica da execução penal e mecanismo de acompanhamento eletrônico das prisões provisórias;

6. Capacitar o administrador de cada unidade judiciária em gestão de pessoas e de processos de trabalho para imediata implantação de métodos de gerenciamento de rotinas;

7. Tornar acessíveis as informações processuais nos portais da rede mundial de computadores (internet), com andamento atualizado e conteúdo das decisões de todos os processos, respeitado o segredo de Justiça;

8. Cadastrar todos os magistrados nos sistemas eletrônicos de acesso a informações sobre pessoas e bens e de comunicação de ordens judiciais (Bacenjud, Infojud, Renajud);

9. Implantar núcleo de controle interno;

10. Implantar o processo eletrônico em parcela de suas unidades judiciárias.

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