Punição desproporcional

Para Aasp, aplicação da Lei Penal está desvirtuada

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2 de abril de 2009, 18h53

A Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), entidade representativa dos advogados paulistas mais dedicada às questões operacionais da profissão, resolveu se manifestar sobre as recentes prisões da empresária Eliana Tranchesi, uma das proprietárias da loja de artigos de luxo na capital paulista, Daslu, e de diretores da Construtora Camargo Corrêa. Todos já estão em liberdade.

A associação raramente se manifesta em questões políticas. E, quando transmite suas opiniões no campo técnico, só o faz depois de intensos debates internos. A última nota pública da Aasp, por exemplo, data de agosto de 2008, quando rebateu o emparedamento do Judiciário, por conta de decisões que desagradaram à opinião pública.

Uma delas, diz respeito ao Habeas Corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ao banqueiro Daniel Dantas. A liberdade foi concedida devido a algumas ilegalidades apontadas no mandado de prisão expedido contra o banqueiro, pelo juiz Fausto De Sanctis. Nesta mesma nota, a Aasp ainda repudiou as escutas telefônicas encontradas no telefone do presidente do STF.

Agora, nesta nota mais recente, a associação repudia, dentre outros pontos, a aplicação “desvirtuada e panfletária da lei penal por parte de alguns juízes de primeira instância” e também rebate a violação de arquivos de advogados, sob a alegação de que seus clientes seriam suspeitos de envolvimento em práticas criminosas. É que a Polícia Federal, ao cumprir mandados de busca e apreensão na Camargo Corrêa, “invadiu” o departamento jurídico da empresa, com o argumento de que clientes também poderiam estar envolvidos em crimes financeiros.

A Aasp acrescenta, também, que causa espanto o fato de juízes aplicarem penas absurdamente desproporcionais aos olhos de qualquer cidadão, assim como a vedação ao direito de apelar em liberdade.

A associação se refere ao fato de a empresária Eliana Tranchesi ter sido condenada a 94 anos e meio de prisão, além de ter sido presa sem que a sentença de primeira instância tenha transitado em julgado. O STF decidiu, em fevereiro, que o réu só pode ser preso depois que a condenação transitar em julgado ou em exceções que justifiquem a prisão preventiva.

Leia a nota da Aasp

A Associação dos Advogados de São Paulo, entidade fundada há mais de seis décadas e que congrega aproximadamente oitenta e seis mil advogados, vem a público manifestar sua preocupação com fatos amplamente noticiados na última semana e que denotam a reiteração de prática já repudiada por esta entidade, consistente na aplicação desvirtuada e panfletária da lei penal por parte de alguns juízes, componentes das instâncias inferiores do Poder Judiciário.

Condenações a penas absurdamente desproporcionais aos olhos de qualquer cidadão, assim como a vedação ao direito de apelar em liberdade, sem lastro em fundamentação idônea e em frontal contrariedade ao que determinam expressamente dispositivo constitucional e jurisprudência pacífica de nossos Tribunais Superiores, constituem fatos graves e que atingem toda a sociedade, uma vez que contribuem, inexoravelmente, para o descrédito da Justiça.

No Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário deve ser respeitado e não temido, cabendo aos magistrados produzir decisões justas e equilibradas, e não buscar uma notoriedade efêmera e imerecida.

De outro lado, é imperioso denunciar, mais uma vez, aquilo que o Jornal Folha de São Paulo descreveu em seu editorial de domingo como “um método de atuação sensacionalista e truculento”, desenvolvido por setores da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário que, consorciados, disseminam escutas e monitoramentos sem o devido controle, criam uma narrativa a partir de meras inferências e deslancham operações, promovendo “prisões e apreensões do que estiver no caminho”, tratando suspeitos e investigados como se já estivessem condenados e passando à população a falsa noção de que a violação dos direitos constitucionais de investigados abastados é sinônimo de justiça.

Some-se a isso, a ilegal violação de arquivos de advogados, sob a alegação de que seus clientes seriam suspeitos de envolvimento em práticas criminosas.

É inadmissível que um magistrado insista em ignorar princípios constitucionais e uma enormidade de decisões judiciais, emanadas de instâncias superiores, totalmente contrárias ao seu modo de proceder. Tal fato não diz com a independência e liberdade do juiz para exercer o seu mister, mas com a deliberada e ignóbil afronta às garantias dos cidadãos.

Nesse sentido, vale mencionar lição de Roberto Delmanto Junior, destacada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal de São Paulo, em decisão que restabeleceu a liberdade de cidadãos levados ao cárcere, recentemente, por força de decreto “patentemente ilegal”, lastreado em “meras conjecturas”:

“o exercício do poder jurisdicional fundamenta-se na função do Estado em distribuir justiça, constituindo o processo penal o único instrumento para que isso seja legitimamente possível, há este que ser avesso a arbitrariedades, caprichos, humilhações gratuitas, prisões desnecessárias etc., sob pena do próprio Estado fomentar a desarmonia social, violando, através de opressões e repressões, a própria essência da existência humana, qual seja, a liberdade, voltando-se, assim, contra sua própria razão de existir”.

Nossa legislação não prevê a prisão para interrogatório e o princípio da presunção de inocência, constitucionalmente assegurado, deve prevalecer, acima de tudo, a fim de que a confiança que depositamos na Justiça reste preservada.

Associação dos Advogados de São Paulo

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