Liberdade de manifestação

Agente público tem direito a divergir de superior hierárquico

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30 de setembro de 2008, 0h00

Na semana passada, os órgãos de controle externo do Judiciário e do Ministério Público andaram às voltas com tentativas de punição disciplinar contra a livre manifestação de pensamento de alguns de seus membros. O Conselho Nacional de Justiça arquivou procedimento disciplinar contra o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), juiz Mozart Valadares. Já o Conselho Nacional do Ministério Público abriu procedimento disciplinar contra o procurador Kleber Couto, do Rio.

Mozart Valadares virou alvo do zelo da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco por criticar, em entrevistas ao jornal Folha de S. Paulo e à revista Algo mais, a proposta de elevar para 75 anos a idade para a aposentadoria compulsória no serviço público. Já o procurador Kleber Couto é autor de um artigo publicado no jornal O Globo em que critica a postura do Supremo Tribunal Federal, no que se refere à Súmula 11, que trata do uso de algemas.

Questionado sobre as representações, o ministro aposentado do Supremo, Célio Borja, explicou à revista Consultor Jurídico que é preciso, em primeiro lugar, saber se a conduta do juiz ou do procurador está de acordo com as leis que regem as respectivas carreiras. “A lei diz que pode fazer artigos doutrinários, divergindo de opiniões ou sentenças, o que for. Não é crime nem é falta administrativa”, afirma.

Célio Borja lembrou que, como toda lei que dispõe sobre a função pública, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e Lei Orgânica do Ministério Público prevêem o dever do sigilo ou da “reserva” por parte de juízes e promotores. “O mesmo ocorre com o servidor público de modo geral. Funcionário não pode divulgar matéria sigilosa que conhece em razão do ofício. Se ele revela, está sujeito à punição”, compara. Célio Borja lembra que o mesmo ocorre com o juiz, que não pode falar sobre causas que serão julgadas por ele e com o MP, que tem de “guardar reserva” com relação à investigação criminal que acompanha ou promove.

Segundo Célio Borja, ilícitas são as críticas a superiores hierárquicos e ofensas como a qualquer outra pessoa. “Ter opinião que discrepa da opinião oficial não é crime. Essa é a linha que o Direito traça para distinguir a crítica lícita da ilícita”, constata.

Apesar de não conhecer os casos concretos, Célio Borja afirmou nenhum juiz é obrigado a concordar com a opinião de desembargador ou de ministro. “E pode em artigo doutrinário ou jornalístico expressar as razões de sua discordância.”

Ministro aposentado do Supremo, Célio Borja participou do seminário Liberdade de expressão: base da democracia, promovido pela Academia Brasileira de Letras, na quinta-feira (25/9), no Rio de Janeiro. Borja fez uma distinção entre a liberdade de exprimir a opinião e a de manifestação através dos meios de comunicação. Há Estados, constata, em que a liberdade individual de manifestação é assegurada; entretanto, os veículos de comunicação são controlados.

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